Após nove anos, a lista vermelha de espécies ameaçadas no Brasil foi finalmente atualizada. O documento reúne os animais e as plantas brasileiras por grau de vulnerabilidade à extinção, dos menos aos mais preocupantes. Nacionalmente, o cenário ecológico é parecido ao de 2014, mas com mais espécies ameaçadas.
Com dados de 2022 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicou que o número de espécies extintas no Brasil saiu de 10 em 2014 para nove em 2022. Apesar de parecer uma boa notícia, ela é na verdade o reflexo de uma dinâmica de troca de espécies entre os graus de vulnerabilidade e de diferenças de categorização nacional e regionais.
Em 2014, figuravam na lista de espécies extintas em território brasileiro os tubarões dente-de-agulha (Carcharhinus isodon) e o tubarão-lagarto (Schroederichthys bivius), da costa do sul brasileiro. Em 2022, eles saíram da lista, sendo substituídos pela perereca-gladiadora-de-sino (Boana cymbalum), do Cerrado.
Mas isso não significa que os tubarões estão seguros. A doutora Patrícia Charvet, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Sistemática, Uso e Conservação da Biodiversidade (PPGSis/UFC) e representante do Grupo de Especialistas em Tubarões da UICN para a América do Sul, explica que esses peixes seguem regionalmente extintos no Rio Grande do Sul, onde costumam ser mais avistados.
Ocorre que há uma diferença de classificação a depender da extensão geográfica analisada. No estado do RS, a espécie está extinta. No entanto, pesquisadores relataram avistar os tubarões na região sudeste, fazendo com que, na lista nacional, os animais aquáticos mudassem de categoria.
A onça-pintada (Panthera onca) é um bom exemplo dessa transição regional: no Ceará, está provavelmente extinta de acordo com a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da Fauna do Ceará. Na Caatinga como um todo e na Mata Atlântica, ela está criticamente ameaçada. No Pantanal e na Amazônica, ela é vulnerável. E no Cerrado, está em perigo.
“A categoria extinta ou regionalmente extinta são bem menos comuns de haver mudança, mas elas ocorrem quando alguma expedição visita regiões que são pouco exploradas pela ciência. Então, por exemplo, teve na Mongólia uma espécie de árvore que estava extinta e descobriram em um vale perdido numa determinada região 50 exemplares desse tipo de árvore. Então ela foi retirada da lista de extintas na natureza, que é uma situação mais grave”, comenta Patrícia.
Existem várias causas para a extinção de espécies. No caso do tubarão-dente-de-agulha e do tubarão-lagarto, a estratégia de vida deles os coloca em risco um pouco mais alto. “A biologia da espécie de baixa fecundidade, maturação sexual tardia, alta longevidade… Essas são características gerais que fazem com que eles sejam mais suscetíveis”, explica.
No entanto, há fatores catalisadores humanos. De acordo com a professora, um terço das espécies de tubarões é ameaçada pela pesca. No Brasil, essa é uma pesca indireta; ou seja, o objetivo é capturar outros peixes, mas quando os tubarões caem na rede, eles não são devolvidos para o mar e acabam sendo comercializados também.
A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais das espécies ameaçadas (UICN) definiu graus de ameaças para a classificação das espécies. Elas vão das menos preocupantes às mais sérias.
Existem também propostas de adicionar mais duas categorias: a Regionalmente Extinta (RE) e a Provavelmente Extinta (PEX), já utilizadas em listas brasileiras, incluindo as do Ceará.
De 2014 para cá, várias espécies novas foram descobertas e descritas. É natural, portanto, que o número de avaliados nos graus de ameaça aumente. Entre a fauna, foram 1.930 novas espécies; entre a flora, 3.213.
Essa variação estatística acaba aumentando a quantidade de animais e plantas não ameaçados (pouco preocupantes), já que aqueles que correm algum risco tendem a ser prioritariamente estudados. Foi o que ocorreu na atualização dos dados do IBGE: o número de espécies ameaçadas aumentou, mas a porcentagem reduziu, porque a amostragem é maior.
É também pela variação amostral que o coordenador da pesquisa Leonardo Bergamini reforça, em nota, não ser possível afirmar que o nível de ameaça diminuiu apenas analisando os percentuais.
Ao O POVO, a analista ambiental do IBGE Angélica Coelho considera elevados os indicadores de espécies ameaçadas na Caatinga. "Em termos de proporção, é um número bem alto e que desperta atenção", diz. Fazendo um paralelo com a Mata Atlântica, a pesquisadora aponta um possível quadro de subregistro no ecossistema nordestino. Para ela, o volume de pesquisas realizadas no bioma é abaixo do ideal.
"A Caatinga tem uma situação mais específica porque é um pouco menos estudada do que a Mata Atlântica, por exemplo. Então, se você tem menos informações científicas sobre ela [a caatinga], pode ser que o número de espécies ameaçadas [no estudo] seja menor do que a realidade", destaca Coelho, acrescentando que a pesquisa do IBGE, em certa medida, preenche o vazio de informações sobre a situação atual do ecossistema.
Os dados da lista nacional organizados pelo ICMBio nem sempre condizem com realidades regionais. No Ceará, o programa Cientista Chefe é responsável pela análise da vulnerabilidade das espécies dentro do Estado. Por aqui, a onça-pintada, o bicho-preguiça, a queixada (porco-do-mato) e o tamanduá-bandeira estão provavelmente extintos.
Já a listagem de aves ameaçadas no Ceará (abaixo) é a mais extensa produzida até agora. Ainda não foram publicadas listas analisando peixes e espécies da flora.