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Outorga onerosa: R$ 268 milhões aprovados são 74,5% acima da previsão da taxa do lixo
Reportagem Especial

Outorga onerosa: R$ 268 milhões aprovados são 74,5% acima da previsão da taxa do lixo

Mecanismo flexibiliza, entre outros pontos, a autorização de construção de superprédios com altura maior do que a permitida pelo Plano Diretor. Arrecadação prevista em quatro anos de projeto é maior do que o que era esparado para um ano de Taxa do Lixo em Fortaleza

Outorga onerosa: R$ 268 milhões aprovados são 74,5% acima da previsão da taxa do lixo

Mecanismo flexibiliza, entre outros pontos, a autorização de construção de superprédios com altura maior do que a permitida pelo Plano Diretor. Arrecadação prevista em quatro anos de projeto é maior do que o que era esparado para um ano de Taxa do Lixo em Fortaleza
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Outorga Onerosa de Alteração de Uso do Solo (OOAU). O mecanismo jurídico-administrativo que tem permitido a construção de superprédios cada vez mais altos em Fortaleza, e que torna menos rígidos vários parâmetros urbanísticos da cidade para novas edificações, também está projetando valores vultosos a serem arrecadados pela gestão municipal.

Em pouco mais de quatro anos, de 2019 até abril deste ano (52 meses), a Prefeitura de Fortaleza ganhou a perspectiva de receber pelo menos R$ 268,7 milhões. É o dinheiro do que os empreendimentos ou reformas imobiliárias pagaram ou pagarão para flexibilizar regras do ordenamento urbano da Capital.

Perspectiva da nova paisagem de Fortaleza a  partir do uso do mecanismo da Outorga Onerosa (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Perspectiva da nova paisagem de Fortaleza a partir do uso do mecanismo da Outorga Onerosa

A Outorga Onerosa é o que o segmento chama de "solo criado", pelo ganho de metragens dentro de um mesmo terreno. A contrapartida é assumida pelos construtores para afrouxar uma regra urbana em troca de uma permissão concedida. Pode ser paga em dinheiro, em doação de imóveis ou com execução de obras de infraestrutura urbana. A legislação está vigente desde 1º de abril de 2015.

Só dos projetos aprovados no período da atual gestão, Fortaleza terá pelo menos 16 novos superprédios acima dos 100 metros de altura. Dois deles com mais de 170 metros: um que deve ser entregue no início do próximo semestre, o outro ainda sem data anunciada para o início das obras.

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Ao acionar a OOAU, o construtor também pode solicitar alterações como extensões de recuos, taxa de ocupação de solo e de subsolo, fração maior do lote ou taxa de permeabilidade. Não é o só item “Altura da Edificação” que é requerido pelos construtores para além da regra posta, mas é o ponto mais chamativo e o que mais aparenta o poder da outorga onerosa.

Hoje, o segmento da construção civil emprega cerca de 77 mil pessoas em todo o Estado(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Hoje, o segmento da construção civil emprega cerca de 77 mil pessoas em todo o Estado

A quantia estabelecida chega a ser 74,5% maior, por exemplo, do que a arrecadação que estava prevista para a Taxa do Lixo de Fortaleza em 2023. A administração municipal esperava recolher R$ 154 milhões dos contribuintes com a Taxa de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos (TMRSU), criada por lei municipal em dezembro de 2022. Os boletos haviam sido distribuídos pelo Município no dia 5 de abril.

O cofre local, porém, deixou de receber boas moedas quando o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) determinou, em 22 de maio deste ano, em caráter liminar, a suspensão da cobrança. A Corte atendeu a Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pelo Ministério Público Estadual (MPCE).

Em outra comparação, a Outorga Onerosa de quatro anos representa 36%, mais de um terço, da arrecadação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de 2022, que alcançou R$ 738 milhões e é a mesma prevista para 2023.

No caso, a cifra milionária da Outorga Onerosa definida entre os anos 2019 e 2023 não significa que a Prefeitura já tem o recurso creditado. Isso porque nem todos os processos avaliados foram quitados. A maioria está sendo paga em parcelamento, aguarda assinatura de termo de compromisso ou está com execução adiada - por falta de alvarás de construção, aguardando outras documentações ou “adormecem” por planejamento financeiro dos construtores.

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Dos R$ 268,7 milhões pré-definidos ao longo de 52 meses, R$ 202 milhões foram indicados para outorga somente na atual gestão (entre 2021 e abril passado), pela confirmação de outorga para 25 projetos. O maior valor anual aprovado de OOAU nesse período foi em 2022, quando passou dos R$ 134,6 milhões. Foi um aumento de 236% em relação a 2021 (R$ 40 milhões).

Perspectiva da fachada do edifício Beach Class Unique, na avenida Rui Barbosa, que terá 492 unidades, entre apartamentos e studios a partir de 28 m²(Foto: REPRODUÇÃO RELATÓRIO CPPD)
Foto: REPRODUÇÃO RELATÓRIO CPPD Perspectiva da fachada do edifício Beach Class Unique, na avenida Rui Barbosa, que terá 492 unidades, entre apartamentos e studios a partir de 28 m²

Um dos edifícios que já tinha análise de outorga aprovada, chegou a ter um novo processo avaliado, em abril deste ano, por "agravo de parâmetros" e precisou complementar o valor outorgado. Esse projeto teve outorga definida em R$ 54.864.054,84. Porém, em 2016, os construtores já haviam acionado a outorga e, à época, quitaram o valor de R$ 25.993.200,80, mas a obra não chegou a ser executada.

Segundo a secretária de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (Seuma), Luciana Lobo, esse valor já havia entrado no caixa da administração municipal. “Então foi definido que seria feito o abatimento e o projeto pagará somente a diferença da outorga”. O valor de R$ 25,9 milhões foi atualizado (pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC) para R$ 36.694.160,26 e o restante a ser pago ficou acertado em R$ 18.169.894,58. O construtor já iniciou o pagamento parcelado do novo valor.

Há mais 19 propostas que pedem o acionamento da Outorga Onerosa, já protocoladas junto à Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), segundo informações do órgão - ainda sem data para serem analisadas. Cada novo caso é submetido à Comissão Permanente de Avaliação do Plano Diretor (CPPD), que, em reuniões mensais, avalia os projetos e considera o que pode ser chancelado para flexibilização das regras. Será mais possibilidade de mais dinheiro em caixa e expectativa desses valores migrarem para benefícios sociais e melhorias urbanas.

 

Outorga Onerosa de Alteração de Uso (OOAU) em Fortaleza - 2019 a 2023

 

Projetos de OOAU na gestão atual - 2021 a 2023


Outorgas aprovadas e valores - 2021 a 2023 

 

 

16º prédio acima de 100 metros aprovado em 3 anos terá unidades a partir de 28 m²


O Beach Class Unique, localizado num terreno de 4,2 mil m² em área nobre da cidade, é o mais novo empreendimento imobiliário de Fortaleza a ter o pedido de outorga onerosa aprovado pela Comissão Permanente de Avaliação do Plano Diretor (CPPD). É o 25º da atual gestão municipal. E tornou-se o 16º projeto nesse mesmo período (janeiro/2019 a abril/2023) a ganhar permissão para ultrapassar os 100 metros de altura. Terá 119,84 metros. Serão 47,84 metros acima da altura máxima da região. Outras características deste novo superprédio chamam atenção.

Construtora Moura Dubeux acionou a Outorga Onerosa para dois projetos de edifícios acima dos 100 metros, a Casa Boris (foto) e o Beach Class Unique, ambos no trecho entre avenida Rui Barbosa e rua Pereira Filgueiras (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Construtora Moura Dubeux acionou a Outorga Onerosa para dois projetos de edifícios acima dos 100 metros, a Casa Boris (foto) e o Beach Class Unique, ambos no trecho entre avenida Rui Barbosa e rua Pereira Filgueiras

Localizada no miolo da área nobre, entre Aldeota e Meireles, avenida Rui Barbosa, 901, no quarteirão entre as ruas Pereira Filgueiras e Costa Barros, a torre residencial multifamiliar deverá superpovoar o trecho. Serão 492 unidades, entre apartamentos e studios, com 378 vagas de garagem. O projeto adota o modelo de espaços compactos, com quatro metragens: de 28 m² (studio), 39 m² (1 quarto), 66 m² (2 quartos) e 88 m² (3 quartos). O menor deles chega a ter tamanho equivalente a um dormitório de alguns dos novos superprédios que já estão em fase de acabamento na orla da cidade.

O POVO apurou que o valor para a unidade mais barata, de 28 m², deverá ser ofertado na faixa dos R$ 290 mil. O maior, com 3 quartos, perto de R$ 1 milhão. São valores por estimativa, colhidos junto a uma corretora de imóveis. Os tamanhos compactos são aposta mais recente do mercado local, mas têm grande aceitação e está consolidada em praças do sul e sudeste, como a de São Paulo. A poucos quarteirões, na rua Silva Paulet, outro edifício terá apartamentos de 25 m².

A torre Beach Class Unique terá 38 pavimentos, com dois subsolos de estacionamento, pavimento térreo, sobressolo e pavimento de lazer. Conforme a planta disponibilizada no site da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), os apartamentos nos tamanhos menores (de 28m², 39m2 e 66m²) deverão ser espalhados entre o 1º e 22º andares. Os maiores (88m²) ocuparão do 24º aos 35º andares. O 23º andar deverá ser um pavimento panorâmico

Em nota, a incorporadora Moura Dubeux informou que "os detalhes do projeto ainda serão apresentados oficialmente ao mercado" e que a obra "cumpre todos os trâmites estabelecidos pela lei vigente. O valor da outorga onerosa ficou definido em R$ 8.050.780,84. A construtora requisitou a flexibilização dos parâmetros de índice de aproveitamento, taxa de ocupação do solo e do subsolo, altura da edificação e recuos. A área construída chegará a ser quase nove vezes maior (36.515,45m²) do que o tamanho original do terreno.

Curiosamente, ao lado de onde será o Beach Class Unique, a mesma construtora iniciou as obras de outro empreendimento, a Casa Boris. O projeto teve a Outorga Onerosa aprovada em julho de 2022, com valor fixado em R$ 8,7 milhões. As parcelas já começaram a ser pagas pela incorporadora. O projeto arquitetônico prevê duas torres residenciais com 35 pavimentos, cada uma com 70 apartamentos, de 163,93 m² e 203,75 m².

 

Detalhes sobre o Beach Class Unique


Os 16 novos superprédios de Fortaleza acima de 100 metros

 

 

Em quatro anos, Fundurb recebeu R$ 48,1 milhões; "efeito Robin Hood", diz secretária

De 2019 a 2022, o Fundo de Desenvolvimento Urbano de Fortaleza (Fundurb) recebeu R$ 48.181.913,33 de verbas pela via da Outorga Onerosa. É para onde devem ir os valores quitados nos compromissos fechados entre os construtores e o município para flexibilizar os parâmetros urbanos.

O uso prioritário da captação pela Outorga, definido por lei, é para aplicação em políticas públicas de habitação, obras de cunho social e melhorias urbanas. Como praças, parques, areninhas ou projetos de moradia popular.

Luciana Lobo, secretária de Urbanismo e Meio Ambiente(Foto: divulgação)
Foto: divulgação Luciana Lobo, secretária de Urbanismo e Meio Ambiente

"Acho importante a gente abordar a reversão desses valores (da outorga onerosa) para a cidade, em projetos, obras, equipamentos. Acho que isso é uma coisa que a gente como gestora pública se ressente de não ter visibilidade do que esse instrumento tem trazido para a cidade", afirma a titular da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), Luciana Lobo.

Mais de 96 bairros da Capital já foram beneficiados com a utilização desses recursos, segundo a Secretaria. Entre os direcionamentos, conforme a pasta, aparecem obras de calçamento, drenagem, passeios, construções de 34 areninhas ou reformas e requalificações das unidades. A aplicação dos recursos e a movimentação de receita e despesa do Fundurb pode ser acompanhada pelo site Seuma. Inclusive as parcelas de Outorga Onerosa pagas pelos construtores que acionaram o mecanismo.

Também aparecem entre os projetos atendidos a construção de equipamento cultural no Canindezinho, melhorias habitacionais no Planalto Ayrton Senna e na área do Grande Bom Jardim, regularização fundiária em assentamentos urbanos através do programa Reurbfor.

"A gente brinca que é o efeito Robin Hood. Nós tiramos de uma área que tem mais condições de pagar e revertemos esse valor para uma área da cidade que mais precisa", pontua a secretária. E completa: "É muita coisa que fazemos com recursos do Fundurb e a gente sente que essa discussão fica muito comprimida na questão da altura, no gabarito do prédio, e pouco na melhoria urbanística que pode chegar para a cidade em áreas que mais precisam".

 

Onde recursos do Fundurb podem ser aplicados

 

 

Legislação é vigente desde abril de 2015

A legislação que permite a Outorga Onerosa de Alteração do Uso do Solo e do Direito de Construir é válida desde 1º de abril de 2015 (lei nº 10.335). Completou o oitavo ano de vigência. Em setembro do ano passado passou por atualizações.

Redefiniu, por exemplo, valores de contrapartida mais baixos para construções em áreas com metro quadrado mais barato dentro da Capital ou no entorno do metrô de Fortaleza. Entre as intenções, teria sido para estimular a ocupação comercial em pisos térreos das grandes edificações.

"Toda lei de ordenamento urbano precisa passar por revisão", reafirma a secretária de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), Luciana Lobo. Nesse sentido, o Plano Diretor Participativo (PDP) de Fortaleza está em fase de discussão.

"Está na fase de voltar para os territórios para a consolidação de propostas. E a nossa expectativa é mandar a minuta da lei ainda este ano, no mais tardar na primeira quinzena de dezembro", confirma.

Em novembro deste ano está programada a Conferência da Cidade, onde será validada a minuta. Após a revisão de termos da lei, o documento deverá enviado para a Câmara Municipal. Previsão de encabeçar a lista das primeiras pautas do parlamento municipal em 2024.

 

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