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Mudanças climáticas: Julho de 2023 é o mais quente da história
Reportagem Especial

Mudanças climáticas: Julho de 2023 é o mais quente da história

Um cenário assustador em termos climáticos assola o planeta neste julho de 2023. A ONU pediu ao mundo que se prepare para "ondas de calor mais intensas" e fez um apelo para que cada pessoa elabore o próprio "plano de luta" para enfrentar as temperaturas extremas

Mudanças climáticas: Julho de 2023 é o mais quente da história

Um cenário assustador em termos climáticos assola o planeta neste julho de 2023. A ONU pediu ao mundo que se prepare para "ondas de calor mais intensas" e fez um apelo para que cada pessoa elabore o próprio "plano de luta" para enfrentar as temperaturas extremas
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Nunca fez tanto calor neste julho de 2023. Foi o que disse o diretor do observatório do clima europeu Copernicus, Carlo Buontempo. Os dados da primeira metade do mês apontam para o maior calor já medido para este mês desde o início da série histórica, segundo dados do observatório climático europeu, cujos registros remontam a 1940. 

"Os primeiros quinze dias de julho têm sido os mais quentes até a data. Julho indica que será o mais quente" que se conhece, declarou o diretor do serviço de monitoramento climático.  É verão no hemisfério norte neste período.

Jovem se refresca no rio Nilo, no Egito, durante onda de calor(Foto: Khaled DESOUKI / AFP)
Foto: Khaled DESOUKI / AFP Jovem se refresca no rio Nilo, no Egito, durante onda de calor

"As mudanças climáticas estão superaquecendo todo o sistema climático. E este ano, em especial, além desta tendência, temos dois fenômenos que provavelmente também estão contribuindo", disse Buontempo.

A ONU pediu ao mundo que se prepare para "ondas de calor mais intensas" e fez um apelo para que cada pessoa elabore o próprio "plano de luta" para enfrentar as temperaturas extremas.

A mudança climática "é uma ameaça para a humanidade", afirmou em Pequim o enviado da Casa Branca para o clima, John Kerry, durante uma viagem para estimular a retomada da cooperação na questão ambiental entre Estados Unidos e China, os dois maiores poluentes do planeta.

 

 

Fenômenos climáticos

Um desses fenômenos é o El Niño, que já começou. Trata-se de fenômeno natural que causa aumento do calor em todo o mundo, além de secas em algumas regiões e fortes chuvas em outras.

O outro são as temperaturas oceânicas inusualmente altas, vinculadas a ventos mais fracos que o normal.

Ásia, Europa e América do Norte estão sufocados devido às prolongadas ondas de calor e os incêndios florestais que afetam o Canadá e a Grécia.

A Europa é o continente com o ritmo de aquecimento mais rápido do planeta.

Homem mergulha a cabeça na fonte da Piazza del Popolo em Roma, durante onda de calor(Foto: TIZIANA FABI / AFP)
Foto: TIZIANA FABI / AFP Homem mergulha a cabeça na fonte da Piazza del Popolo em Roma, durante onda de calor

O recorde atual no continente são os 48,8º graus centígrados, registrados na Sicília em 2021, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM) da ONU. "Pode ser quebrado nos próximos dias", alertou a agência espacial europeia. Projeta-se que a marca seja superada na ilha italiana da Sardenha.

"Sabia que faria calor, mas não tanto. Temos ar-condicionado em nosso Airbnb, faremos um longo descanso esta tarde", disse Emily, uma turista britânica de 24 anos em Roma, onde a temperatura pode chegar aos 42 graus.

Teresa Angioni, farmacêutica em Cagliari, na Sardenha, conta que, para prevenir a desidratação, seus clientes "compram principalmente suplementos de magnésio e potássio e pedem para medir a pressão arterial, que costuma ficar baixa".

Homem se refresca na praia de Ricanto, Ajácio, na Ilha de Córsega, na França, durante onda de calor(Foto: Pascal POCHARD-CASABIANCA / AFP)
Foto: Pascal POCHARD-CASABIANCA / AFP Homem se refresca na praia de Ricanto, Ajácio, na Ilha de Córsega, na França, durante onda de calor

 

 

Efeitos das altas temperaturas

Além de prejudicar as colheitas, derreter as geleiras e aumentar o risco de incêndios florestais, as temperaturas mais altas que o normal também causam problemas de saúde como insolação, desidratação e estresse cardíaco.

Em Genebra, o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou que "o calor extremo está afetando duramente as pessoas menos capazes de lidar com suas consequências, como os idosos, os bebês e as crianças, assim como os pobres e as pessoas sem-teto".

O secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), Petteri Taalas, alertou que os "fenômenos meteorológicos extremos têm importantes repercussões na saúde humana, nos ecossistemas, na economia, na agricultura, na energia e no abastecimento de água". Ele insistiu na urgência de reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

"Estas situações continuarão aumentando em intensidade, e o mundo precisa se preparar para ondas de calor mais intensas", afirmou à imprensa em Genebra John Nairn, especialista da Organização Meteorológica Mundial (OMM).

Elvis, uma tartaruga de Galápagos, refresca-se no zoológico de Phoenix, no Arizona, nos Estados Unidos, durante onda de calor(Foto: PATRICK T. FALLON / AFP)
Foto: PATRICK T. FALLON / AFP Elvis, uma tartaruga de Galápagos, refresca-se no zoológico de Phoenix, no Arizona, nos Estados Unidos, durante onda de calor

 

Mudanças climáticas

O mundo aqueceu em média quase 1,2°C desde meados do século XIX, o que está desencadeando um clima extremo que inclui ondas de calor mais intensas, secas mais severas em algumas regiões e tempestades mais fortes pelo aumento do nível do mar.

Bombeiro diante de incêndio florestal próximo a Atenas, na Grécia, durante onda de calor(Foto: Louisa GOULIAMAKI / AFP)
Foto: Louisa GOULIAMAKI / AFP Bombeiro diante de incêndio florestal próximo a Atenas, na Grécia, durante onda de calor

 

Calor sufoca hemisfério norte e provoca incêndios florestais

Europa, Ásia e América do Norte sofrem uma onda de calor extremo, acompanhada de violentos incêndios, como na Grécia, onde centenas de bombeiros travam uma grande batalha contra as chamas.

Da Califórnia até a China, as autoridades recomendam medidas de proteção ao calor aos moradores de milhares de cidades, com hidratação adequada e evitando o sol.

A situação é grave na Grécia, onde há uma "enorme batalha" contra as chamas ao oeste de Atenas e na ilha turística de Rodes, segundo o ministro de Crise Climática e Proteção Civil, Vassilis Kikilias.

Um primeiro incêndio declarado na segunda-feira em Kouvaras, que se estendeu até a zona costeira perto de Atenas, queimou 3.472 hectares, incluindo 164 de áreas urbanizadas, segundo o Copernicus.

Bombeiro combate incêndio florestal próximo a Atenas, na Grécia, durante onda de calor(Foto: Louisa GOULIAMAKI / AFP)
Foto: Louisa GOULIAMAKI / AFP Bombeiro combate incêndio florestal próximo a Atenas, na Grécia, durante onda de calor

Diante de uma nova onda de calor com temperaturas que devem atingir 44ºC, "as condições meteorológicas são difíceis" devido aos fortes ventos de até 60 quilômetros por hora que, neste julho de 2023, afetam algumas áreas do país e propagam as chamas, acrescentou o ministro de Crise Climática e Proteção Civil.

Apesar das ordens de evacuação das autoridades gregas para algumas localidades que ficam entre 50 e 80 km de Atenas, alguns moradores se recusaram a abandonar suas casas.

"Eu não vou sair. Comecei a construir esta casa quando tinha 27 anos. Vou ficar aqui ao menos para vê-la em chamas", declarou à AFPTV Dimitris Michaelous, em Pournari, ao noroeste da capital.

Árvores ardem durante incêndio florestal em Agia Sotira, próximo a Atenas, Grécia, durante onda de calor(Foto: ARIS MESSINIS / AFP)
Foto: ARIS MESSINIS / AFP Árvores ardem durante incêndio florestal em Agia Sotira, próximo a Atenas, Grécia, durante onda de calor

No mar, as temperaturas atingiram novas máximas, com uma média de 24,6ºC nas costas, ou seja, 2,2ºC a mais que as temperaturas normais para a temporada.

Na Espanha, que também enfrenta incêndios nas Ilhas Canárias, as temperaturas atingiram 45,3ºC em Figueras, na região da Catalunha (nordeste), e 43,7ºC nas Ilhas Baleares, segundo a agência meteorológica Aemet.

"Não é possível ficar na rua, é horrível", lamentou Lidia Rodríguez, moradora de Sevilha, de 29 anos, durante uma visita a Madri. "Como eu sou de Sevilha, estou acostumada com o calor, mas é asfixiante".

Até mesmo a Suíça foi afetada por estas condições excepcionais. Mais de 200 pessoas ameaçadas por um importante incêndio foram evacuadas no sul do país, devido às chamas declaradas na segunda-feira em Bitsch.

Termômetro em Roma indica temperatura durante atual onda de calor(Foto: Tiziana FABI / AFP)
Foto: Tiziana FABI / AFP Termômetro em Roma indica temperatura durante atual onda de calor

Na Ásia, as temperaturas elevadas se alternam com chuvas torrenciais, em parte provocadas pelo acúmulo de água evaporada na atmosfera.

A China, na região de Xinjiang (oeste), registrou a temperatura de 52,2ºC no domingo, 16, um recorde para meados de julho. O Japão emitiu alertas para temperaturas elevadas em 32 dos 47 municípios do país.

No Vietnã e sul da China, 250 mil pessoas procuraram abrigos antes da passagem do tufão Talim.

Na Coreia do Sul, as tempestades dos últimos dias provocaram dezenas de mortes.

Nos Estados Unidos, no famoso Vale da Morte, na Califórnia, um dos lugares mais quentes do planeta, a temperatura oficial atingiu 52°C no domingo.

Vários incêndios também afetam o sul do Estado e já destruíram quase 3,2 mil hectares. Vários moradores foram obrigados a abandonar suas casas.

No Canadá, mais de 10 milhões de hectares foram destruídos por incêndios desde o início do ano. Na segunda-feira, 882 focos permaneciam ativos, incluindo 579 considerados fora de controle. Dois bombeiros morreram em serviço.

 

 

Ilhas da Madalena estão na 'primeira fila' da mudança climática

Nas pequenas ilhas da Madalena, no Golfo de São Lourenço, trilhas estão afundando, falésias estão recuando e dunas de areia estão desaparecendo, deixando as casas vulneráveis aos embates das ondas.

O arquipélago, que faz parte da província de Quebec, no leste do Canadá, está numa corrida contra o tempo para sobreviver ao aquecimento global.

"As ilhas da Madalena estão na linha de frente das mudanças que estão ocorrendo. Somos minúsculos diante da imensidão disso tudo", diz Mayka Thibodeau, do Cermim, um centro de pesquisa focado no desenvolvimento sustentável.

As mudanças estão acontecendo rapidamente e sem piedade. Os aproximadamente 13 mil residentes deste arquipélago vivem angustiados, pois sabem que precisam se adaptar rapidamente e de forma radical nas próximas décadas para sobreviver.

As pitorescas costas das ilhas já estão sofrendo erosão, recuando em média meio metro por ano, de acordo com um estudo da Universidade de Quebec em Rimouski (UQAR).

Esses números tiram a tranquilidade de Diane Saint-Jean e sua parceira, pois elas vivem na costa e estão preocupadas que a próxima grande tempestade possa levar sua casa para o mar.

"Fomos bastante ingênuas, estávamos confiantes de que haveria uma solução. Mas a natureza provou que estávamos erradas", diz Saint-Jean, com voz trêmula enquanto olha as falésias próximas, que estão desaparecendo lentamente.

Ilhas de Madalena, Quebec, Canadá, um dos lugares mais atingidos pelas mudanças climáticas(Foto: SEBASTIEN ST-JEAN / AFP)
Foto: SEBASTIEN ST-JEAN / AFP Ilhas de Madalena, Quebec, Canadá, um dos lugares mais atingidos pelas mudanças climáticas

As duas mulheres vivem em La Martinique, uma estreita faixa de terra que liga as duas principais ilhas do arquipélago.

Elas gastaram milhares de dólares para reforçar a falésia ao pé de seu jardim, mas em setembro de 2022 o furacão Fiona atingiu a área com força e levou as rochas colocadas para proteger a propriedade.

"Acordamos de manhã e percebemos que havíamos jogado nosso dinheiro fora. Mas o que podemos fazer?", lamenta-se Saint-Jean, uma enfermeira aposentada.

A erosão é uma questão delicada para a maioria dos residentes das ilhas da Madalena, que foram povoadas no século XVIII e estão a mais de cinco horas de barco do continente canadense.

Todos se lembram de lugares que já não existem, especialmente as casas que tiveram que ser realocadas devido ao risco de inundação.

A situação é uma dor de cabeça para as autoridades locais, que investem milhões de dólares em obras emergenciais.

Em Cap-aux-Meules, uma parte da passarela para pedestres desabou em 2018, deixando o hospital, um lar de idosos e um cemitério desprotegidos das perigosas ondas.

Imagem aérea mostra erosão costeira na Ilha de Madalena, em Quebec, Canadá(Foto: Sebastien ST-JEAN / AFP)
Foto: Sebastien ST-JEAN / AFP Imagem aérea mostra erosão costeira na Ilha de Madalena, em Quebec, Canadá

No ano passado, as autoridades locais construíram uma enorme praia de cascalho, usando 143 mil toneladas de pedras ao longo de 800 metros para elevar a linha costeira. Não foi a primeira vez que essa técnica foi utilizada.

"Há soluções, mas são extremamente caras e precisam de manutenção. Então, a cada intervenção, é um fardo fiscal para o futuro", explica Jasmine Solomon, que monitora a erosão para o governo local. "Provavelmente não poderemos proteger tudo. Haverá lugares que terão que mudar, isso é certo".

Nos últimos anos, fenômenos meteorológicos extremos se tornaram mais frequentes e devastadores como resultado das mudanças climáticas.

As ilhas da Madalena estão perdendo uma de suas defesas mais importantes no inverno: o gelo. Ele sempre serviu como uma espécie de escudo, e sem ele, as costas ficam completamente expostas quando fortes tempestades atingem a região.

A cada ciclo de congelamento e descongelamento, as falésias de arenito vermelho desmoronam mais facilmente.

"Uma tempestade pode apagar uma duna, uma falésia ou até mesmo abrir uma brecha" na costa, diz Marie-Eve Giroux, diretora da organização ambiental local Attention Fragiles.

Além de conscientizar sobre os problemas ambientais nas escolas locais, seu grupo trabalha na restauração das dunas, principalmente replantando-as com grama de praia, que ajuda a manter a areia no lugar enquanto suas raízes criam uma rede natural.

Muitas vezes, as dunas são a única defesa da costa contra as ondas.

Erosão marinha nas ilhas de Madalena, Quebec, Canadá(Foto: SEBASTIEN ST-JEAN / AFP)
Foto: SEBASTIEN ST-JEAN / AFP Erosão marinha nas ilhas de Madalena, Quebec, Canadá

As ilhas correm o risco de desaparecer devido à elevação do nível do mar, um destino compartilhado por outras áreas baixas do mundo.

"Devemos considerar todos os cenários realistas e não enfiar nossa cabeça na areia", diz Thibodeau. "Não queremos apenas suportar o que está por vir. Queremos fazer parte da solução".

Ela explica os inúmeros projetos realizados pelo Cermim para restaurar as praias, incluindo o uso de conchas de moluscos para fazer concreto. A ideia é transformar as ilhas em um laboratório vivo na batalha global contra as mudanças climáticas.

Para Marianne Papillon, médica e conselheira de saúde pública, chegou a hora de agir.

Papillon assumiu um trabalho relativamente novo: lidar com questões relacionadas às mudanças climáticas. "Devemos fazer algo coletivamente. A ação individual não fará sentido se todos não estiverem a bordo", explica.

"Frente às tempestades que estamos presenciando, as pessoas devem estabelecer uma conexão mental com as mudanças climáticas. Elas devem se sentir mais envolvidas e comprometidas pessoalmente, sem ficarem muito estressadas com tudo isso".

 

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