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Títulos verdes: a sustentabilidade que dá retorno
Reportagem Especial

Títulos verdes: a sustentabilidade que dá retorno

Investimento ganhou impulso no Brasil nos últimos cinco anos e anúncio de primeira emissão do governo federal pode alavancar produto de renda fixa

Títulos verdes: a sustentabilidade que dá retorno

Investimento ganhou impulso no Brasil nos últimos cinco anos e anúncio de primeira emissão do governo federal pode alavancar produto de renda fixa
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O anúncio feito pelo governo federal, no último dia 24 de agosto, de que faria sua primeira emissão dos chamados títulos verdes, que diferem dos títulos convencionais por estar vinculado ao estabelecimento de metas ambientais, trouxe expectativa de expansão da oferta desse e de outros produtos ligados à agenda ESG, sigla inglesa para se referir às empresas e organizações que assumem compromissos ambientais, sociais e de governança.

Esse tipo de operação foi realizado pela primeira vez no Brasil em 2015, mais precisamente pela BRF, e envolveu um montante de 500 milhões de euros. No mundo, a primeira experiência foi realizada em 2007, por iniciativa do Banco Europeu de Investimento e do Banco Mundial, envolvendo uma cifra um pouco maior, de 600 milhões de euros.

Primeira emissão de títulos verdes pelo governo federal deve superar US$ 1 bilhão(Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil Primeira emissão de títulos verdes pelo governo federal deve superar US$ 1 bilhão

De lá para cá, os próprios títulos verdes (ou green bonds) derivaram em outros quatro tipos de operações rotuladas no País: social, sustentável, de transição e de desempenho.

Conforme dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), essas operações cresceram mais de 7.200% em um espaço de cinco anos (ou cerca de 73 vezes), passando de R$ 794 milhões em 2018 para R$ 58,1 bilhões no ano passado.

Em 2021, houve um pico de interesse por esse tipo de investimento em meio à implementação acelerada de políticas de ESG, bem como pelo próprio contexto da pandemia de Covid-19, em meio a um cenário de incerteza global. Naquele ano, o montante movimentado em títulos verdes e derivados foi de R$ 86,6 bilhões.

Como produtos de renda fixa, os títulos verdes trazem uma segurança e previsibilidade maior para os investidores em relação à renda variável, embora o retorno tenda a acontecer no longo prazo.

No caso específico da emissão prevista para acontecer até o fim deste ano, e que deve superar a cifra de US$ 1 bilhão, segundo o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, esses rendimentos, frutos de projetos sustentáveis ambientalmente, devem variar de 6,15% a 8% para os compradores dos papéis.

O setor de energias renováveis é um dos segmentos beneficiados pelos investimentos captados (Foto: Acervo Casa Civil / Governo Federal)
Foto: Acervo Casa Civil / Governo Federal O setor de energias renováveis é um dos segmentos beneficiados pelos investimentos captados

Retorno sobre investimentos sustentáveis

Para o presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Igor Lucena, o fato de os títulos verdes estarem em um processo de consolidação no mercado de capitais brasileiro e global está relacionado a resultados mais concretos que tais investimentos trouxeram para quem aplicou dinheiro nesses papéis, na comparação com outras práticas ligadas à agenda ambiental.

“Os títulos verdes são interessantes para o investidor por um motivo muito simples: eles dão retorno financeiro. Eles têm a capacidade de proteger o meio ambiente e gerar operações lucrativas, atrelando as suas operações a iniciativas de projeto que trabalham com reflorestamento, energia limpa etc. É o feijão com arroz de uma economia verde”, acrescenta o economista.

Ele reforça que esse tipo de investimento está bem consolidado pelo mundo. “A emissão de títulos verdes como está prevista pelo governo é uma excelente iniciativa porque não está inventando a roda. O mercado financeiro e, principalmente, o de títulos no Brasil é ainda muito incipiente quando comparado com outros mercados como os da Europa e dos Estados Unidos. Então, a gente utilizar o que já existe de melhor no mundo é a melhor opção”, enfatiza.


O conselheiro da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Brasil), Ricardo Coimbra, reforça que a consolidação do mercado de títulos verdes ajuda a tirar a agenda ESG do discurso. “Na medida em que você passa a ter produtos relacionados com isso gera uma cobrança pelo cumprimento de metas”, afirma.

“Então, é um fortalecimento dessa preocupação com a sustentabilidade para o âmbito estatal e isso, de certa forma, gera um um atrativo maior, principalmente para investimentos de médio e longo prazo, na economia do País, como no caso do hidrogênio verde no Ceará e no Nordeste como um todo”, exemplifica.

O economista prossegue afirmando que produtos como os títulos verdes “serão provavelmente a virada de chave em alguns setores. Então, você vai criar toda uma indústria verde e é extremamente importante você se antecipar”.

Ele vê potencial de que além de investidores pessoa jurídica, os títulos verdes comecem a atrair cada vez mais pessoas físicas, não apenas pelo fato de serem produtos de renda fixa.

“Na medida em que você começa a ter mais produtos do tipo e mais pessoas preocupadas com o meio ambiente, elas vão incluir esses papéis na composição de suas carteiras”, conclui.

 

Saneamento expande emissões de títulos sustentáveis

O segmento de saneamento básico foi um dos que mais expandiu o percentual de emissões e investimentos em títulos sustentáveis, incluindo os puramente verdes, nos últimos cinco anos.

Para se ter uma ideia, em 2018, a participação de empresas do ramo nesse tipo de operação financeira não chegava a 1%. Já em 2022, saltou para 7%, ficando atrás apenas dos segmentos de energia, do setor financeiro e de alimentos e bebidas.

André Pires é CFO da Aegea, que atua no Ceará por meio da Ambiental Ceará, em PPP com a Cagece(Foto: Aegea/Divulgação)
Foto: Aegea/Divulgação André Pires é CFO da Aegea, que atua no Ceará por meio da Ambiental Ceará, em PPP com a Cagece

Uma das empresas que tem investido forte na emissão desse tipo de papéis é a Aegea, que ganhou dois leilões de Parceria Público-Privada (PPP) para operar ações de saneamento em 24 municípios no Ceará, incluindo a Capital.

Segundo o CFO (sigla inglesa para diretor executivo) da Aegea, André Pires, em 2022, a empresa "fez a sua primeira captação sustentável, no valor de US$ 500 milhões e prazo de 7 anos.

Com esta emissão, foi a primeira empresa de saneamento a emitir Sustainability-Linked Bonds (SLBs) na América Latina (títulos) atrelados ao alcance de metas sociais e ambientais"

Ele acrescenta que a Aegea "foi a pioneira no Brasil a se comprometer com metas de diversidade racial em cargos de liderança, reforçando o seu compromisso na evolução da agenda ESG".




No mês passado, a companhia realizou, segundo o executivo, "a maior emissão de debêntures de infraestrutura já realizada no país, por meio da Águas do Rio, no valor de R$ 5,54 bilhões e com prazo de vencimento de até 18 anos e 6 meses".

"A emissão foi enquadrada dentro do Framework de Emissões sustentáveis da companhia e obteve o selo azul e sustentável, com a opinião de segunda parte da Sustainalytics. A demanda total superou em 1,7 vezes a oferta e contou com grande participação de investidores individuais", complementou.

Pires admite a possibilidade de que a Aegea utilize parte desses recursos obtidos por meio dessas captações em projetos no Estado. "Nosso objetivo é universalizar o saneamento nos 24 municípios onde atuamos com a Ambiental Ceará, e, com isso, a necessidade de financiamento", disse.

Ele avalia que o mercado de títulos verdes tem crescido de forma consistente. "Essa tendência deve continuar para os próximos anos", conclui o executivo.

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