Acordar poucas horas antes do expediente, tomar o café da manhã sem precisar pensar no ônibus lotado e seguir uma rotina individual no conforto da própria casa. Em geral, foi essa a experiência de muitos trabalhadores ao aderirem ao home office — modelo de trabalho impulsionado pela pandemia de Covid-19.
Ainda que durante o cenário pandêmico a experiência de trabalho esteve permeada pelo medo e pela incerteza relacionadas à crise sanitária, a flexibilização pós-lockdowns exaltou os benefícios do home office. De acordo com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), não perder tempo com deslocamento, ter um horário flexível e mais conforto durante o expediente são os três principais pontos positivos do home office para os trabalhadores.
De acordo com a psicóloga Hercilia Correia, consultora e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), a boa aplicação do home office proporciona uma vida familiar mais ativa, porque pode-se estar presente mesmo nas horas laborais. “Além disso, traz benefícios para a empresa, como a redução dos custos operacionais, a criação de um ambiente de trabalho mais agradável, com menos distrações, e a flexibilização da jornada de trabalho”, comenta.
A mesma pesquisa indicou que o home office também esteve relacionado ao aumento médio de produtividade em alguns setores, especialmente na Indústria, com 30,4% de aumento de produtividade. Considerando o geral do mercado de trabalho, a produtividade cresceu em 23% com o modelo.
Apesar disso, muitas empresas já estão exigindo o retorno presencial, entre elas a Apple, o Google e até o Zoom, empresa de serviços de reuniões remotas que bombou durante a pandemia.
Se os funcionários aumentaram a produtividade com o home office e indicam benefícios, o que faz com que as empresas exijam o retorno presencial? “Especialmente as grandes corporações foram muito impactadas pelo home office, tem problema em alguns setores, como criativo”, comenta Hiure Gomes Almeida, psicólogo e pró-reitor dos cursos de graduação do Centro Universitário UniFanor Wyden.
Nesse sentido, as empregadoras defendem que o convívio presencial favorece a inovação e a criatividade, que estariam sendo minadas — ou ao menos reduzidas — pelo distanciamento.
“Desafiar o colaborador a exercer seu ofício em casa pode ser complexo, especialmente considerando que nem todos possuem um espaço amplo em seus lares para separar o trabalho das atividades familiares”, pontua Hercilia. “Durante a pandemia, não havia escolha em relação a esse fato, mas é preciso aprender a distinguir quais tarefas podem ser realizadas remotamente e quais recursos são necessários. Flexibilidade é essencial em tempos disruptivos.”
Por outro lado, Hiure também afirma que há um quê de conservadorismo nas justificativas de algumas empresas. “Algumas querem o retorno pela visão de que o funcionário só é produtivo com a supervisão de alguém”, comenta. É o que pensa o bilionário Elon Musk, que declarou que aqueles que trabalham remotamente estão apenas "fingindo que trabalham".
Vale também considerar a natureza do trabalho, reforça Hercilia: “Em certos setores, como manufatura, construção, saúde, varejo e serviços, a presença física é fundamental para a realização das atividades, tornando o trabalho remoto mais complexo.” Ela cita outros fatores que incutem no retorno presencial. Confira a seguir:
Muitas empresas acreditam que o trabalho presencial facilita a colaboração e a interação entre os funcionários. Discussões, compartilhamento de ideias e resolução de problemas são mais eficazes quando ocorrem pessoalmente.
O trabalho presencial contribui para a criação de uma cultura organizacional sólida e fortalece os laços entre os membros da equipe. A convivência diária no escritório promove relacionamentos pessoais e coesão no grupo de trabalho.
Alguns empregadores acreditam que o trabalho presencial pode aumentar a produtividade e o desempenho dos funcionários, uma vez que proporciona uma rotina mais estruturada e reduz distrações.
Empresas que lidam com informações sensíveis veem no trabalho presencial um ambiente mais controlado, o que reduz os riscos de vazamento de dados e violações de segurança.
A executiva de contas Calianne Celedônio, de 26 anos, não chegou a viver o home office completamente. Ela iniciou na empresa, uma agência de publicidade, já na metade de 2021, quando as restrições para a ida ao trabalho já estavam diminuindo. Mesmo assim, a experiência foi muito próxima: no começo, ela precisava ir presencialmente apenas um dia na semana. “Consegui tempo para arrumar a casa, ler, ter mais tempo livre e, no geral, me sentia mais descansada por não ter que me deslocar diariamente”, relembra.
Mesmo sentindo-se solitária — um agravante de assumir o cargo durante a pandemia —, ter mais tempo extra no final do dia foi uma das melhores experiências com o modelo. Meses depois, a empresa assumiu o modelo híbrido, quando o profissional fica alguns dias no escritório, outros em casa.
“Atualmente somente o meu setor (Atendimento Publicitário) permanece híbrido, todos os outros voltaram a ser presenciais. Mas ainda assim permaneceu a flexibilidade caso o colaborador precise ficar de casa por algum motivo específico”, esclarece.
A verdade é que o home office não é uma opção para todo mundo. As categorias salariais mais elevadas, e que portanto têm mais estrutura em casa para o trabalho remoto, tendem a referir o modelo.
Uma pesquisa da Datafolha realizada nos dias 19 e 20 de dezembro de 2022 com 2.026 pessoas indicou que o presencial é o modelo ideal entre aqueles com nível fundamental e entre a faixa etária de 35 a 59 anos. Enquanto isso, o modelo híbrido é a opção perfeita para funcionários com ensino superior e da faixa etária de 16 a 24 anos.
Em geral, o trabalho presencial ainda é o mais desejado pelos trabalhadores, enquanto o modelo híbrido é o meio termo. Já o home office integral perde adeptos, sendo escolhido por apenas 24% dos brasileiros — outros 3% não sabem dizer qual preferem.
Se antes o home office era a estrela do momento, talvez seja a vez do híbrido mostrar a que veio. Na opinião do psicólogo Hiure, o hibridismo é “extremamente acertado” na implementação de um retorno presencial. O modelo é capaz de unir os prós do presencial — como uma equipe mais unida e processos criativos compartilhados com facilidade — com os do remoto.
Os funcionários, entre eles a própria Calianne, também parecem enxergar no hibridismo o balanceamento perfeito: “Particularmente me encontrei muito no híbrido. Pra mim, é o melhor dos dois mundos”, comemora a executiva. “Você consegue trocas importantes com a equipe, brainstorms, aproximação com seus colegas de trabalho, resolução de determinados problemas de maneira mais rápida… Ao mesmo tempo, ter o home office em alguns dias da semana te dá muito mais disposição, tempo de concentração e gerência de tempo para outras demandas.”
Para Hiure, o movimento de retorno presencial na íntegra é “conservador”. “Às vezes, vem da própria incompreensão de como o home office impacta o trabalho e o equilíbrio entre a entrega profissional e a vida social”, analisa. “Mesmo assim, o conservadorismo é muito diminuto, porque temos muito hibridismo.”
As camadas logísticas e de gestão envolvendo o retorno presencial ou a manutenção do remoto variam entre cada empresa. É totalmente diferente comparar a indústria da tecnologia, que tem se beneficiado da contratação de talentos internacionalmente em modelo remoto, com as de serviços e atendimento ao público.
O debate continuará por um tempo, reflete a professora Hercilia, sempre respeitando os acordos contratuais e as leis trabalhistas ao tomar decisões relacionadas ao local de trabalho. Mais que isso, ela defende que o mercado de trabalho redesenhe novas relações trabalhistas a partir do comportamento de novas gerações e de “lideranças que atuem com segurança psicológica e desenvolvimento de times e equipes.”