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Sonho do ITA: o segredo dos cearenses que chegaram lá
Reportagem Especial

Sonho do ITA: o segredo dos cearenses que chegaram lá

Em meio a altas aprovações de estudantes no Ceará, conheça mais sobre o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, que terá uma unidade no Estado

Sonho do ITA: o segredo dos cearenses que chegaram lá

Em meio a altas aprovações de estudantes no Ceará, conheça mais sobre o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, que terá uma unidade no Estado
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Propagandas de TV e outdoors em avenidas de Fortaleza revelam o destaque da Cidade pelos seus altos índices de aprovação no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). De fato, de acordo com dados do próprio ITA, das 1628 vagas disponibilizadas de 2012 para 2023, 604 (37.10%) foram preenchidas por alunos que fizeram o vestibular na capital cearense.

Além disso, o número de inscritos para a prova, no Ceará, é muito alto. Em 2023, por exemplo, Fortaleza aparece em terceiro no número de inscrições para o vestibular do Instituto (9.364 pedidos). Atrás apenas de São Paulo-SP (1.121) e do Rio de Janeiro-RJ (1.036), cidades cujas populações são, respectivamente, 457% e 251% maiores que a de Fortaleza.

Esses dados são divulgados com orgulho. Entretanto, a questão que se levanta é: em meio aos bons resultados, por que o ITA desperta tanto o interesse dos jovens estudantes no Ceará em ingressar nos cursos das instituição? E o que é o ITA? 

Fortaleza contou com 9.364 inscrições no vestibular do ITA de 2023(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Fortaleza contou com 9.364 inscrições no vestibular do ITA de 2023

 

 

O caminho até o ITA

O POVO+ conversou com cinco estudantes que têm o sonho de ingressar no ITA e três outros que já integram os quadros do Instituto, em São José dos Campos-SP. Apesar de terem prestado vestibular em Fortaleza, os oito não são necessariamente naturais da capital do Ceará. Dentre os motivos para os anos de dedicação, foram elencadas questões como afinidade com as ciências exatas, com a tecnologia, o militarismo, as oportunidades de mercado que o Instituto oferece, além da própria dificuldade da prova. Confira abaixo:


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Cleber Filho - Fortaleza-CE

“Sempre gostei do ramo da engenharia. Achei que ingressar no ITA seria um fator que agregaria muito na minha formação profissional. Tomei conhecimento da Instituição por meio dos meus pais, pensavam ser uma boa aposta para mim”

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José Arthur - Teresina-PI

“Não sabia o que era o ITA, mas ouvia falar que era uma prova focada em exatas, para alunos que participavam de olimpíadas. Pesquisei sobre as turmas e achei interessante”

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Gabrielle Assis- Manaus-AM

“Quis ir para a EPCAR "Escola Preparatória de Cadetes do Ar" , que é de ensino médio militar. Nela, você tem que passar na prova, no concurso. Mas quando eu descobri já era muito velha para tentar. Aí eu falei: ‘vou tentar outras coisas, um IME, um ITA’”

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Rafael Duarte - Fortaleza-CE

“Tinha um primo que participava de classe ITA e eu achava muito interessante. Ele estudava com o colégio pagando tudo e fazendo o que gosta. Depois pesquisei sobre os retornos que o ITA traz, o mercado de trabalho, isso me chamou atenção”.

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Rafael Figueiredo - Fortaleza-CE

“Surgiu o um sonho de fazer faculdade fora. E o que ficou na minha cabeça por muito tempo foi o MIT "Massachusetts Institute of Technology" . Quando eu terminei o Ensino Médio tive meio que uma quebra de realidade. E o ITA é um análogo do MIT aqui no Brasil”.

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Beatriz Feitosa - Maracanaú-CE

“Sempre gostei e tive mais facilidade em matemática do que em humanas. Na 9ª série, ouvi que o ITA e o IME eram faculdades muito boas. O coordenador do colégio me encorajou a fazer a prova, meu pai também me incentivou”

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Mário Bezerra - Cuiabá-MT

“Eu só conhecia a prova. Eram questões desafiadoras e as que eu mais gostava de fazer. Então foi isso, não foi um sonho trabalhar com engenharia ou algo assim. Até hoje, eu não tenho essa vontade de sair e fazer engenharia.”

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João Fraga - Caucaia-CE

”Sempre mandei bem em provas de matemática, então pensei em fazer engenharia. Quando eu estava no 4º do ensino fundamental, um professor falou para os alunos que tinha o ITA e que era a prova mais difícil do mundo. Aí fiquei curioso”

 

Além de terem prestado vestibular em Fortaleza, uma característica em comum entre os estudantes é que todos são (ou foram) bolsistas de cursos pré-vestibulares. Essas turmas são promovidas por instituições privadas de Fortaleza, voltadas exclusivamente para o Instituto Tecnológico de Aeronáutica e para o Instituto Militar de Engenharia (IME). Dos cinco vestibulandos entrevistados, dois estudam no Colégio 7 de Setembro, dois no Master e um no Ari de Sá. Já dos matriculados no ITA, dois foram das turmas Master e uma da Organização Educacional Farias Brito (FB).

Nessas classes, são aprofundadas disciplinas cobradas na prova do vestibular do ITA, sendo elas: matemática, física, química, português, literatura, inglês e redação. Marcelo Pena, diretor educacional da Farias Brito, explica que a estratégia de ensino é o estudo das provas, com professores especializados. Segundo ele, todos os anos o material didático é adaptado aos conteúdos que caíram no vestibular do ano anterior, por exemplo. “Além disso, a carga horária é mais elevada, para que o professor possa dar o conteúdo, aprofundar e resolver questões ligadas a esse assunto. Se no ensino normal são 5 aulas de matemática, nas turmas ITA temos, 7, 8”, diz.

Além disso, é incentivado, segundo os próprios alunos, o hábito de estudar por conta própria, mesmo quando não se está assistindo aula. Cléber Filho, de 21 anos, explica que inicia suas aulas pela manhã e chega em casa por volta das 20 horas. Além disso, costuma dedicar 6 horas de seu tempo livre, fora da escola, para os estudos. Natural de Fortaleza, ele é bolsista no Colégio 7 de Setembro desde o início de 2023, mesmo tendo começado a preparação para o Instituto há 3 anos. Segundo Cléber, a adaptação à rotina do cursinho é a parte mais difícil da sua trajetória rumo ao ITA.

 

 

Modelo de Grade Curricular das Turmas ITA

Em Fortaleza, a primeira turma especial voltada para IME/ITA foi criada na década de 1980 pelo colégio GEO Studio, que não está mais em funcionamento. Em 1992, a Organização Educacional Farias Brito aderiu à ideia, prosseguindo com as “Turmas ITA” até hoje. O FB, por sua vez, desmembrou-se em 2000, dando origem ao Colégio Ari Sá, que manteve as classes especiais. A partir daí diversas instituições de ensino privadas seguiram na mesma linha, como Master e 7 de Setembro, citadas anteriormente.

Hoje, as turmas ITA já não são exclusivamente “pré-vestibulares”. Ainda conforme Marcelo Pena, o que ocorre em muitas escolas particulares do Ceará é a preparação desde o Ensino Médio. Assim que iniciam o 1º ano, alunos interessados já são direcionados a “turmas ITA” de escolas particulares, passando a prestar o vestibular como “treineiros” até sua primeira tentativa real, no 3º ano. No FB, segundo o diretor educacional, esse processo é feito desde 2010.

De acordo com Leonardo Bruno, Supervisor Pedagógico do Ensino Médio e Pré-vestibular ITA/IME do Ari de Sá, essa preparação anterior é fundamental para que seja possível explorar os conteúdos cobrados na prova de forma aprofundada. “Alguns assuntos não são contemplados no ensino médio regular, são geralmente vistos só no superior, então tem essa profundidade nos conteúdos. Outro grande desafio é a velocidade, são cinco a dez minutos para resolver uma questão difícil. Então hoje o aluno que pensa em fazer ITA, ele já desde a primeira série do Ensino Médio começa a se preparar”, comenta.

O aluno Rafael Figueiredo estuda nas turmas ITA do Ari de Sá desde seu primeiro ano do Ensino Médio. De acordo com ele, apesar de ter pensado em fazer cursinho em outro estado, o costume com a rotina deixa os estudos no Ari mais “familiares”. “Por conta de ter feito o ensino médio ITA, já sei como funciona tudo, tem aquele aquele conforto. Ficamos mais acostumados com a prova”, diz.

Rafael, assim como os outros entrevistados, é bolsista. Esse benefício é comum em turmas ITA de instituições particulares de ensino no Ceará. São ofertados àqueles com bons resultados, mas sem condições de bancar os estudos especializados para o Instituto. Os alunos podem se inscrever ou serem chamados pelos próprios colégios, que realizam uma sondagem de resultados do Brasil inteiro.

Devido ao nível de dificuldade da prova, a bolsa para muitos se torna quase um pré-requisito para o ingresso no ITA pois fornece o acesso ao ensino privado. No vestibular de 2023, por exemplo, a maior parte dos inscritos estudou em escola particular, uma grande parcela provinda de cursos preparatórios.

 

 

Procedência escolar dos inscritos no vestibular do ITA 2023 (realizado em 2022)

De acordo com Leonardo Bruno, do Ari de Sá, o direcionamento das bolsas é feito com base “no mérito dos estudantes”, ou seja, nos resultados anteriores que os alunos obtiveram nas próprias provas do ITA ou em olimpíadas de ciências exatas, realizadas no Brasil inteiro. Nesse caso, o Colégio entra em contato com o aluno e oferece o benefício. “Nossa ideia é a seguinte: um aluno não vai deixar de ir para o ITA, porque não consegue pagar a mensalidade escolar. Se for bom, a gente vai ajudar e ele vai conquistar seu sonho”, afirma.

Mário Bezerra estudou o ensino médio em Cuiabá, no Mato Grosso, e prestou o vestibular do ITA em seu 3º ano do Ensino Médio. Nessa ocasião, mesmo em meio à pandemia de Covid-19, passou para a segunda fase do vestibular. A partir desse momento, começou a receber ligações de cursinhos do Brasil inteiro, oferecendo bolsas de estudo. “Achei primeiro que fosse algum tipo de golpe, fiquei assustado. No fim das contas foi uma grande experiência”, diz Mário, que acabou estudando no Colégio Master, em Fortaleza, até sua aprovação no Instituto Tecnológico da Aeronáutica em 2021.

As bolsas são um alto investimento por parte dos colégios. Com elas, entretanto, as instituições conseguem captar bons alunos e, em consequência, elevar seu índice de aprovação nas provas. Esse histórico de sucesso, por sua vez, faz com que outros estudantes queiram ingressar naquele local, visando o mesmo nível de ensino e resultados. “Acaba atraindo estudantes em outros quadros do colégio, não necessariamente as turmas ITA, né? Porque os professores dessas turmas dão aulas em outras”, diz Leonardo Bruno.

 

 

De outros estados para Fortaleza. De Fortaleza para outros estados

Conforme visto no início da reportagem, grande parte dos estudantes entrevistados, que prestaram vestibular do ITA em Fortaleza, são de outras cidades brasileiras. Entretanto, não são apenas os colégios que buscam alunos em outros estados para estudarem no Ceará. O contrário é frequente: a procura pelo ensino cearense é muito alta, devido aos bons resultados obtidos pelo Estado.

O vestibulando José Arthur é natural de Teresina, no Piauí. Durante seu Ensino Médio, estudou em “turmas ITA”, na capital piauiense. Mesmo tendo uma metodologia semelhante à realizada no Ceará, o estudante entrou em contato com escolas de Fortaleza por buscar um “foco maior” do que o dado em Teresina. Assim, após conseguir uma bolsa de estudo, se mudou para o Ceará, onde vive em um alojamento para estudantes.

Essas residências são outra característica comum do ensino particular cearense. Segundo os entrevistados, são espaços concorridos e voltados especialmente para alunos de outras localidades, sem condições de manterem uma moradia em Fortaleza. Também existem exceções, como estudantes naturais da capital cearense, mas com um ambiente residencial atribulado. Para os moradores dos alojamentos, mais do que o conforto, esses locais estimulam o estudo pois são compostos por estudantes com rotina e objetivos semelhantes.

O convívio com os demais estudantes ajuda na rotina de aprendizado(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS O convívio com os demais estudantes ajuda na rotina de aprendizado

Os alojamentos são um sinal da ampla procura de estudantes pela preparação cearense para o ITA. Para Marcelo Pena, da Farias Brito, o Ceará chegou a esse nível de resultados e, consequentemente, de busca devido a dois fatores. O primeiro, citado anteriormente, é o ensino especializado desde o primeiro ano do ensino médio. Já o segundo, para ele, é a cultura de incentivo a olimpíadas científicas, especialmente às focadas nas ciências exatas, como a Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA) e a Olimpiada Brasileira de Física (OBF).

Segundo o Diretor de Ensino, na FB esse projeto existe desde 1990, dois anos antes da criação da primeira turma ITA na Organização. Marcelo Pena explica que essas competições acostumam o aluno a questões de matérias “mais aprofundadas”, fazendo com que a capacidade de aprendizagem aumente. “Assim, os estudantes vão se preparando a vida inteira. Vão estar em contato com professores que estão muito bem preparados, que conhecem as olimpíadas científicas”, diz.

 

 

Aprovados do ITA inscritos em Fortaleza em comparação ao número geral de vagas

A preparação para as Olimpíadas leva o Ceará ao reconhecimento internacional. Em 2023, por exemplo, o cearense Matheus Alencar de Moraes foi medalhista de ouro na 64ª Olimpíada Internacional de Matemática. A edição ocorreu em Shiba, no Japão. O jovem participava de competições desde 2019, quando conquistou uma medalha de ouro na Olimpíada Cearense de Matemática e de bronze nas olimpíadas brasileira e rioplatense, esta última realizada na Argentina.

Essa análise da importância das Olimpíadas também foi feita por Rafael Duarte, bolsista do Colégio Master. De acordo com ele, existe uma “cultura” de incentivo a essas provas nas escolas particulares onde estudou. Segundo o aluno, as olimpíadas são um caminho até o ITA. “Elas dão oportunidade de um reconhecimento internacional, sabe? A questão é que se limitam até o ensino médio. Como para mim não deu, não tentei, vou tentar o ITA, no qual o nível é muito alto também”, diz o estudante.

Com o cenário de cursos pré-vestibulares, alojamentos, bolsas e reconhecimento em olimpíadas, Fortaleza mantém-se constante no número de inscrições ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Ao longo dos últimos 11 anos, mesmo com uma queda brusca nos inscritos durante a pandemia, a curva da capital cearense foi menos brusca do que a do nível nacional, conforme mostra o gráfico abaixo.

 

 

Oscilação no número absoluto de estudantes inscritos do Brasil e de Fortaleza no vestibular do ITA

Apesar da ampla porcentagem de inscritos, e mais ainda de aprovados, os estudantes preparados no Ceará não ficam no Estado. O campus do ITA é localizado em São José dos Campos, em São Paulo. Segundo Leonardo Bruno, do Ari de Sá, esse é um “efeito colateral” do sucesso nos índices: os melhores alunos, mandados para trabalhar e desenvolver a economia e a tecnologia de outros estados.

Para ele, isso seria revertido em certa escala com a nova sede do ITA, a ser instalado na Base Aérea de Fortaleza. Segundo divulgado pelo O POVO, as obras do campus já devem começar no próximo semestre, custeadas por recursos federais repassados ao Governo do Estado. No local, serão ofertados cursos inéditos no Instituto: Engenharia de Sistemas, Engenharia de Energia e, ainda em discussão, Bioengenharia.

O primeiro vestibular para essas graduações está previsto para 2024. Porém a formação é padrão nos dois primeiros anos, com as mesmas matérias de engenharia para todas as turmas, a serem dadas ainda em São José. Ou seja, na prática, os alunos só estudarão em Fortaleza no ano de 2027.

 

Para os professores, a “expansão” do Instituto no Ceará é um “prêmio” que o estado recebe pelos bons resultados. Citam, ainda, outros motivos, como o destaque da “Terra da Luz” nas discussões e tecnologias de matrizes energéticas sustentáveis (foco de um dos cursos a serem promovidos), além do fato de o ministro da educação, Camilo Santana, ser cearense. “Durante o mandato dele como governador, implantou o mestrado do Ita no Ceará. Os professores vinham de lá para cá semanalmente para dar aula. Então ele deu os primeiros passos e hoje avança porque é ministro, né?”, diz Leonardo Bruno.

Casimiro Montenegro Filho, fortalezense e fundador do ITA(Foto: Arquivos/Força Aérea Brasileira)
Foto: Arquivos/Força Aérea Brasileira Casimiro Montenegro Filho, fortalezense e fundador do ITA

Há ainda uma ligação histórica: o fundador do ITA é natural de Fortaleza. Curiosamente, assim como os estudantes, migrou para o Sudeste. Casimiro Montenegro Filho morou até os 19 anos na capital cearense, quando se mudou para o Rio de Janeiro. Dentre seus feitos, ajudou a criar o Correio Aéreo Militar (CAM) e o Comando da Aeronáutica. É patrono da Área de Engenharia da FAB, da Academia Nacional de Engenharia e do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica – Incaer. Faleceu aos 95 anos de idade, em Petrópolis-RJ, no dia 26 de fevereiro de 2000.

As expectativas com o novo campus são de uma valorização da educação cearense, além de uma inclusão maior de estudantes no Instituto. “Uma cultura antiga nossa, o fundador do ITA é daqui, poxa. Então, será importante para educação aqui no Ceará, né? Além disso, espero que o ITA, além da qualidade do ensino, traga a cultura do Instituto, né? Porque amigos meus me falaram que, além de ser um um instituto muito bom no sentido de educação, é muito cultural, tradicional. Acho que será bom nesse sentido também”, argumenta Rafael Duarte, vestibulando.

 

 

“Uma prova difícil e o quê mais?”

“Por que será que a mídia foca tanto em falar sobre o vestibular? É isso, é aquilo, é muito difícil. Tem muita gente no Ceará e em São Paulo que faz vestibular difícil, não só o ITA, sabe? A qualidade do Instituto que deveria ser reconhecida. As pessoas que saem dele fazem coisas maneiras, inovadoras.”

Essa fala é de Mário Bezerra, estudante natural de Cuiabá-MS, mas aprovado no vestibular do Instituto Tecnológico de Aeronáutica em 2021 quando fez a prova em Fortaleza. Ele conta que, mesmo tendo mudado de estado para se dedicar ao ITA, não sabia exatamente do que se tratava o Instituto até ingressar de fato nele.

Instalado em São José dos Campos, a 85 km da capital São Paulo, o ITA foi criado em 1950 e hoje oferta seis cursos de graduação. Além disso, são oferecidos cursos de mestrado e doutorado, por meio de cinco programas de pós-graduação, subdivididos em 20 áreas de concentração, que podem ser conferidos no site oficial do Instituto. Abaixo, as opções de graduação:

 

Fonte: https://www.concursosmilitares.com.br/como-ingressar-na-aeronautica/ita/


No momento da inscrição, o estudante deve selecionar o curso que deseja. Entretanto, os com maiores notas têm prioridade, ou seja, os últimos colocados no vestibular têm mais chances de ingressarem em cursos que não haviam selecionado. Mais tarde na graduação, é possível realizar uma troca, que deve ser feita com outros estudantes da mesma categoria (optantes com optantes, por exemplo).

“Optante” é o nome dado aos alunos que decidiram seguir por uma formação militar. Essa escolha também é feita no momento do vestibular, no qual os futuros militares concorrem a vagas separadas dos “não optantes”. Apesar disso, no primeiro ano de ITA, todos os estudantes passam pelo Curso de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) e tornam-se alunos do Órgão de Formação. No fim desse período, os “civis” são desligados, em uma cerimônia de formatura, e prosseguem no curso padrão, enquanto os optantes seguem na carreira.

Os militares recebem um suporte financeiro que vai aumentando de acordo com as promoções de patente ao longo do curso. No entanto, para os três estudantes entrevistados, existem algumas desvantagens que os levaram a não optar por esse caminho. Segundo João Fraga, natural de Caucaia-CE, o principal motivo é uma “barreira” no mercado de trabalho. “Tem um pouco mais de restrições a nível de poder estagiar em algumas empresas. Quem é civil pode trabalhar em qualquer empresa. Mas assim, você tem que entender o que mais faz sentido para você”, diz.

Campus do ITA em São José dos Campos (SP)(Foto: CHRISTIE BECHARA)
Foto: CHRISTIE BECHARA Campus do ITA em São José dos Campos (SP)

João está matriculado no curso de engenharia aeronáutica e foi presidente da Comissão de Estágios e Empregos do ITA. O grupo é focado em aproximar alunos do ITA com o mercado de trabalho, por meio da divulgação de vagas, realização de feira de carreiras, visitas, palestras, etc. Além desta, outras iniciativas ocorrem no Instituto, como coletivos de alunos que montam aviões, carros e foguetes. Muitas das inovações, entretanto, são consideradas confidenciais.

O empreendedorismo também é muito forte no Instituto. Mário Bezerra, citado no início da seção, cursa engenharia aeroespacial e comenta que existem diversas iniciativas voltadas para o mercado de trabalho, partindo dos próprios estudantes. Um dos exemplos citados pelo estudante é a Mention, voltada para tecnologia no ramo de relações públicas. Para Mário, a própria cultura do ITA incentiva a inovação, por estimular que os estudantes “andem com as próprias pernas”.

Grande parte deles, inclusive, mora no H8, o alojamento do Instituto. São vários apartamentos, onde moram cerca de 5 estudantes por espaço. Apesar de gratuito, o custo de reformas e manutenção dos espaços deve ser gerido pelos alunos. Segundo Beatriz Feitoza, que cursa engenharia aeronáutica, esse é um dos maiores desafios de adaptação, mas acaba se revertendo em uma das melhores partes de estudar no ITA. “Te faz amadurecer bastante. Eu divido apartamento com outras quatro meninas aqui no alojamento e nós acabamos virando uma segunda família uma pra outra”, diz.

Confira abaixo o mapa do campus do ITA, em São José dos Campos-SP

Essa experiência de adaptação ao H8 é similar a que acontece nos próprios cursinhos. Para Mário Bezerra, a trajetória pré-vestibular auxilia nos estudos dentro do ITA e, consequentemente, nos resultados. Ele explica que a rotina de estudos no Instituto torna-se mais leve depois do ritmo do cursinho. Além disso, a própria convivência é influenciada pelo período preparatório. “A grande maioria tomou muito na cara e aprendeu. Sabem como estudar e pedir ajuda. Acho que isso também vem dos alojamentos de cursinho, onde o cooperativismo é muito forte. Precisamos nos ajudar”, explica.

 

 

Onde estão as meninas engenheiras?

De acordo com dados fornecidos pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, de 2012 para 2023, a maior porcentagem de mulheres aprovadas em um ano no vestibular foi de 12.50% do total de vagas, ainda em 2012. Número é inferior à taxa de alunas inscritas no vestibular do ITA, que consistiu em uma média de 23% nos últimos 11 anos.

Para Beatriz Feitosa, graduanda do ITA, essa baixa representatividade é percebida no campus, sendo uma extensão do que ocorre nos próprios cursinhos e no ensino médio. “Daí o número baixo na faculdade só é uma consequência disso”, diz.

A vestibulanda Gabrielle Assis, assim como todos os outros estudantes de pré-vestibular, afirma que o número de meninas nas aulas pode ser contado nos dedos. “Na minha sala, por exemplo, de 30 alunos, duas são mulheres. Contando comigo! Não é inclusivo, o Instituto precisa alcançar mais essas pessoas”, comenta a estudante.

Número absoluto de homens inscritos no vestibular do ITA

Os dados são referentes aos últimos 11 anos, em comparação com o número de mulheres, no mesmo período

Sobre a participação feminina, Leonardo Bruno, supervisor no pré-vestibular ITA/IME do Ari de Sá, afirma que cerca de 10% dos ingressos dessas turmas especiais no Colégio são meninas. Segundo ele, é feito uma análise das estudantes destaques nas disciplinas de exatas. Assim, o convite para o ITA é feito de uma forma direta a elas.

Para Beatriz, a baixa adesão de mulheres no ITA tem uma raiz histórica e cultural. Ela comenta que desde cedo, o tratamento entre meninas e meninos é diferenciado, assim como o incentivo. “Meninas são ensinadas a cuidar de casa, dos irmãos, ou da limpeza, e pouco se mostra para elas o quanto é legal a ciência, o raciocínio lógico ou as engenharias. Mas acho que isso vem melhorando com o tempo, devagarinho”, comenta a estudante.

Número de mulheres aprovadas no vestibular do ITA

Os dados são referentes aos últimos 11 anos, em comparação com o número de vagas disponíveis


Outra questão no ITA é a presença de pessoas negras. Esses dados não são divulgados pelo Instituto, que implementou uma política de cotas raciais apenas em 2019, um ano após todos os concursos das Forças Armadas serem obrigados por Lei a fazerem isso. Hoje, o ITA reserva 20% das vagas a candidatos negros, tanto na Ativa quanto na Reserva. Estes ainda passam uma banca de heteroidentificação.

Não se sabe quantos alunos pretos e pardos estão de fato matriculados, nem se o número aumentou com a implementação da Lei. Uma reportagem publicada pelo G1 em 2022, no entanto, revelou que alguns alunos têm que recorrer à Justiça para garantir o benefício. O POVO+ solicitou os dados ausentes ao Instituto, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.

De acordo com os frequentadores do Instituto, a representatividade, nesse quesito, é considerada “padrão”. Para João Fraga, ao contrário do número de mulheres, pessoas pretas e pardas são mais presentes na Faculdade. Ele próprio se considera pardo e afirma que, ao menos no tratamento, não percebe práticas discriminatórias.

Para Beatriz Feitoza, o simples ato de comentar sobre a necessidade de inclusão é fundamental para que a cultura do ITA e suas tradições se perpetuem a mais estudantes. “O ITA é formado por uma comunidade de alunos e, para muitos, essa é a parte mais preciosa do instituto. A rede de alunos, as tradições e os valores que são passados a cada ano são um legado muito precioso e que a gente valoriza muito. Precisamos incluir mais gente e simplesmente falar sobre isso já ajuda”, afirma.

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