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Atol das Rocas: um santuário para os tubarões-limão
Reportagem Especial

Atol das Rocas: um santuário para os tubarões-limão

No litoral nordestino, a Reserva Biológica Atol das Rocas abriga famílias de predadores cruciais para o equilíbrio ecológico. Entre eles, os tubarões-limão, espécie que também ocorre no Ceará e está ameaçada de extinção no Brasil

Atol das Rocas: um santuário para os tubarões-limão

No litoral nordestino, a Reserva Biológica Atol das Rocas abriga famílias de predadores cruciais para o equilíbrio ecológico. Entre eles, os tubarões-limão, espécie que também ocorre no Ceará e está ameaçada de extinção no Brasil
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Passeando pelas águas límpidas do Atol das Rocas, deslizam dorsos amarelados como um limão. As barbatanas dorsais cortam a água tranquilamente, com focinhos esticados escondendo fileiras de dentes; logo atrás, um pequeno tubarão-limão acompanha o nado.

A cena é compartilhada em fotografia pela oceanógrafa Ana Laura Tribst Corrêa, quando contabilizava a população de tubarões-limão (Negaprion brevirostris) na Baía da Lama, localizada na Reserva Biológica Atol das Rocas, litoral do nordeste brasileiro. A contagem avistou até 41 indivíduos na região em 2015, indicando um possível aumento de população em relação ao censo de 2003, quando foram identificados no máximo 14 espécimes.

O Atol das Rocas é um berçário para tubarões-limão.(Foto: Ana Laura Tribst Corrêa)
Foto: Ana Laura Tribst Corrêa O Atol das Rocas é um berçário para tubarões-limão.

“Não podemos apontar nada certeiro, pois foram poucos dados coletados e existe um espaço temporal sem coletas, mas podemos concluir que naquele ano de 2015 a abundância de tubarões limão na Baía da Lama foi bem maior do que foi reportado em 2003”, explica a pesquisadora vinculada ao Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (Cebimar-USP). Ela publicou os resultados da contagem na revista científica Ocean and Coastal Research e antecipada pela Agência Bori.

“Esse trabalho é super importante para o entendimento das flutuações das populações de tubarões. Muitas espécies não possuem registros de sua abundância ao longo do litoral brasileiro e, devido a ausência desses dados, fica difícil criar estratégias de conservação para as espécies”, explica. Apesar das limitações, o estudo dá pistas de um Atol das Rocas que deve ser defendido como santuário.

 

 

Um berçário para tubarões-limão

Tubarões são animais pré-históricos, existindo há mais de 450 milhões de anos — isso significa que eles são mais velhos que as árvores e os próprios dinossauros, e não mudaram tanto assim de lá para cá. Como predadores de topo de cadeia, têm papel crucial no controle de espécies.

Tudo na natureza é sobre equilíbrio, comenta o biólogo Vicente Farias, professor adjunto da Universidade Federal do Ceará (UFC): “O papel ecológico dos tubarões é o de regulação da abundância de espécies que estão abaixo dele. Sem o predador principal, uma espécie pode aumentar em abundância e, por consequência, a presa dela acaba diminuindo em tamanho populacional. Causa um desequilíbrio em cascata”, explica.

Tubarões-limão têm duas barbatanas dorsais quase do mesmo tamanho.(Foto: Ana Laura Tribst Corrêa)
Foto: Ana Laura Tribst Corrêa Tubarões-limão têm duas barbatanas dorsais quase do mesmo tamanho.

Os tubarões-limão, por exemplo, se alimentam preferencialmente de peixes. Quando filhotes, também podem comer crustáceos e moluscos encontrados em recifes de corais e manguezais, onde vivem em grupos até atingir a maioridade.

O Atol das Rocas é um desses berçários, onde provavelmente várias mamães-limão nasceram e retornaram para dar à luz aos filhotes, a partir dos 11 anos de vida. Assim como os humanos, as tubarões-limão geram os filhos internamente em uma placenta; a diferença é que elas podem gerar entre quatro e 17 embriões por prole, durante uma gestação de 10 a 12 meses.

 

Espécies de tubarão que ocorrem em águas cearenses

 

Quando viram adultos, os tubarões-limão tendem a ser mais solitários, partindo para alto-mar. Eles gostam de águas profundas, mais distantes do continente, e distribuem-se pelo Oceano Atlântico desde Nova Jérsei (Estados Unidos) até o sul do Brasil e na costa oeste da África, assim como pelo Pacífico Oriental, saindo do sul da Califórnia até o Equador.

“As ameaças estão relacionadas a todas aquelas que os tubarões vêm sofrendo ao longo da história, principalmente devido ao finning, que é a prática de cortar as nadadeiras dos tubarões e devolvê-los para o mar, à sobrepesca e a questão de serem parte do bycatch, que representa a fauna acompanhante que vem junto com a pesca de outras espécies alvo”, lamenta Ana Laura. “Não podemos excluir as ameaças relacionadas a perda de habitat, mudanças climáticas e poluição.”

Tubarçao-limão

Mundialmente, o tubarão-limão é considerado uma espécie vulnerável. No Brasil, por outro lado, a classificação é mais grave: ele está ameaçado de extinção.

Por isso o Atol das Rocas é tão especial. Por ser um berçário dentro de uma reserva biológica, ele vira um santuário sem muita interferência humana direta para os tubarões. “É onde os adultos podem reproduzir e os recém nascidos podem se desenvolver até atingir a maturidade para que venham a reproduzir no futuro”, afirma a pesquisadora.

A sobrevivência de cada indivíduo desses tubarões é fundamental, já que a taxa de reprodução deles é baixa. “O efeito é que, quando o ser humano caça e pesca, vem o declínio da população. Apesar de o Atol das Rocas ser protegido, ao longo do tempo ele sofreu bastante com a pesca no entorno”, conta o professor Vicente.

A gestação de tubarões-limão é de 10 a 12 meses, com quatro a 17 embriões por prole.(Foto: Ana Laura Tribst Corrêa)
Foto: Ana Laura Tribst Corrêa A gestação de tubarões-limão é de 10 a 12 meses, com quatro a 17 embriões por prole.

No Brasil, a pesca de tubarões em geral não é proibida: opta-se por proibir a pesca de espécies ameaçadas, entre elas o tubarão-limão. “É diferente dos mamíferos aquáticos, dos quais nenhum pode ser capturado. Já os tubarões são avaliados periodicamente , porque é muito complexo”, explica.

De acordo com o biólogo, a proibição total provavelmente não seria respeitada e muitas áreas de pesca seriam afetadas. “Tem que ser uma medida que pense em quem realmente tá pior. É aquela coisa: se tudo é prioridade, nada é prioridade”, relaciona. Segundo Vicente, o ideal é focar na educação, conscientização e divulgação ambiental, já que ainda se explica pouco sobre a situação dos animais e a importância deles para o ambiente.

“Algumas espécies lidam melhor com a pressão pesqueira, enquanto outros são mais frágeis. O tubarão-martelo é muito mais sensível, ele morre logo caso fique preso na rede. Já outras espécies ainda aguentam se forem capturadas e devolvidas ao mar.”

 

 

A população de tubarões-limão no Atol das Rocas aumentou?

É difícil afirmar com certeza. O censo populacional publicado por Ana Laura, referente ao ano de 2015, usou uma metodologia diferente de estudos anteriores, o que dificulta a comparação de dados.

Pode-se afirmar que 2015 teve um número maior de indivíduos em comparação a 2003, mas a relação acaba por aí. Ocorre que em 2003 a contagem usou microchips nos animais, inseridos por meio de uma microcirurgia. Enquanto isso, Ana Laura fez a contagem a partir de um ponto fixo em diferentes momentos do dia.

O Atol das Rocas é o único atol do oceano atlântico sul.(Foto: Image Science and Analysis Laboratory, NASA-Johnson Space Center)
Foto: Image Science and Analysis Laboratory, NASA-Johnson Space Center O Atol das Rocas é o único atol do oceano atlântico sul.

“Na verdade, o uso de uma metodologia diferente dos estudos anteriores se deu devido uma exigência da chefia da Reserva Biológica do Atol das Rocas, que reportou uma queda no número de indivíduos neonatos e juvenis de tubarão limão avistados na Baía da Lama depois de estudos anteriores terem usado uma técnica invasiva para monitoramento”, explica a autora. “Essa técnica é super importante para o entendimento da movimentação dos tubarões, mas é um pouco invasiva, porque realiza uma microcirurgia nos organismos para implantação desse objeto.”

Atendendo ao pedido da reserva, a pesquisadora escolheu o ponto mais alto da ilha do Farol para avistar e contar os tubarões entrando na baía da Lama durante a maré enchente e saindo durante a vazante. “Para não haver duplicata na contagem, eu só contava os indivíduos dentro de um quadrante num exato momento”, reforça.

O professor Vicente Faria pede cautela na interpretação de um possível aumento da população de tubarões-limão, citando outros estudos que indicam a redução populacional de outras espécies de tubarão no Atol das Rocas. É o caso do tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum) em estudo publicado na revista científica Aquatic Conservation em julho de 2023.

Filhotes de tubarão-lixa nascidos em junho de 2018 no Tamar Praia do Forte (BA).(Foto: Projeto TAMAR | 12/06/2018)
Foto: Projeto TAMAR | 12/06/2018 Filhotes de tubarão-lixa nascidos em junho de 2018 no Tamar Praia do Forte (BA).

Os dados foram levantados em três expedições no ano de 2018, usando filmagem subaquática, identificação fotográfica e censos visuais. No total, 139 indivíduos de tubarão-lixa foram identificados, com uma população estimada de 200 a 205 tubarões. O valor da última estimativa, feita há 20 anos, considerava uma população de 339 a 368 tubarões.

“Os estudos populacionais e o movimento de G. cirratum são essenciais para informar a implementação de medidas de proteção adicionais, incluindo o estabelecimento de corredores protegidos entre áreas marinhas protegidas e a recuperação das populações de G. cirratum”, explica o artigo. Considerando que a distribuição dos indivíduos supera a fronteira de áreas protegidas, eles inferem que o declínio da população no Atol das Rocas indica um declínio em todo o Atlântico Sudoeste.

Trabalhos do tipo são chave para entender a flutuação de espécies de tubarões e a distribuição populacional deles. “Muitas espécies não possuem registros de sua abundância ao longo do litoral brasileiro e, devido a ausência desses dados, fica difícil criar estratégias de conservação para as espécies”, ressalta a oceanógrafa Ana Laura.

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