“Quem fizer uma estrada de ferro no Ceará, fará o Ceará”: assim anunciava, em 1873, o jornal Pedro II. No Centro de Fortaleza, uma multidão se acotovelava para testemunhar o ► primeiro apito e a passagem barulhenta do trem, ainda com cheiro de tinta fresca, pela primeira vez — aquele que era símbolo de progresso e civilização para a então província, mas também esperança de dias melhores para um povo maltratado pelas secas.
Da rua Trilho de Ferro, hoje avenida Tristão Gonçalves, a locomotiva partiu para o Arronches, atual bairro da Parangaba: “Quando o dia declinou, exatamente às 17 horas, o sino tocou; Mestre Rocha puxou uma corrente; a locomotiva silvou; a tração da máquina esticou os engates; os carros se movimentaram, e lá se foi o trem na Rua Trilho de Ferro em rumo ao Arronches”, conta o livro Estrada de Ferro do Ceará.
Com vagões carregados da ideia de que a rapidez do tempo pode suprimir distâncias, o trem abriu caminho para o desenvolvimento e passou a transportar mercadorias e pessoas, com uma forte influência no cotidiano — cujo ritmo era conduzido pelas badaladas do sino e pelo compasso das horas no mais antigo relógio público do Estado: o da então
Um século e meio depois, a vida se repete na estação: dos maquinistas aos torcedores do Ferroviário Atlético Clube, a memória ferroviária se recusa a enferrujar e trilha um entroncamento das chegadas e partidas do passado com os encontros e permanências do presente, no centenário prédio do Complexo Cultural Estação das Artes, onde o recém-inaugurado Museu Ferroviário Estação Dr. João Felipe apresenta às novas gerações uma história que permanece a todo vapor.
O acervo, que fica anexo à estrutura da Pinacoteca do Ceará, era aguardado com bastante expectativa pela comunidade ferroviária, que está constantemente mobilizada através de associações como a Associação dos Ferroviários Aposentados do Ceará (AFAC), a Associação dos Engenheiros Aposentados da Rede Viação Cearense (AERVC), a Associação de Preservação da Memória Ferroviária do Ceará (APREMFECE) e a Associação Amigos da Ferrovia Cearense (AFERRCE).
No espaço, que deve receber exposições permanentes, está uma amostra de parte dos objetos remanescentes do extinto Museu do Centro de Preservação da História Ferroviária do Ceará, em atividade entre 1982 e 1999 nas antigas Oficinas Demosthenes Rockert — conhecidas como Oficinas do Urubu.
Com maquetes gigantes, mapas, fotografias, objetos antigos e réplicas de trens, a exposição de longa duração “Nos trilhos do tempo: histórias da ferrovia do Ceará” é gratuita e funciona de quinta-feira a sábado, das 12 às 20 horas, e aos domingos, das 10 às 18 horas.
“A abertura do museu é um marco, um alívio, porque mantém essa memória viva. Sem incentivos por parte do governo o material vai ficando cada vez mais velho, o mato vai avançando cada vez mais por cima dos trilhos e isso acaba trazendo uma ideia de descontinuidade da vida, da importância e da valorização de muitos trabalhadores da estrada de ferro”, afirma Ana Isabel Cortez, pesquisadora da ferrovia cearense.
“Essa memória dá oportunidade de conhecer a perspectiva dos trabalhadores, a história vista de baixo, contada pelos operários que hoje lamentam o que perdemos e que a ferrovia tenha sido abandonada sistematicamente no Brasil”, continua Cortez, que é doutora em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC) com a tese “O espaço a serviço do tempo: a estrada de ferro de Baturité e a invenção do Ceará”.
Professora do departamento de História da Universidade Regional do Cariri (Urca), Ana Isabel destaca que a criação da ferrovia foi uma das principais portas de entrada para o capitalismo no Brasil.
“O trem traz uma nova dinâmica para as cidades. A chegada dele era esperada pelas pessoas, que paravam para ver quem estava chegando: a primeira experiência de transporte sem tração animal. A estação era o único local que ficava com luz até mais tarde, enquanto a maioria das casas nem tinha energia elétrica. As feiras eram abastecidas pelo tráfego ferroviário, a produção de algodão foi o que mais sustentou a estrada de ferro no Ceará, cidades foram crescendo”, elenca.
De acordo com a pesquisadora, “a ferrovia vai influenciar a dinâmica social e cultural das regiões conectadas por ela, e a
“Também vem a ser uma estratégia para pegar essas pessoas e utilizá-las em força de trabalho, que de camponesas vão se tornar operárias de uma estrada de ferro, incluindo mulheres e crianças. É uma história bem pouco parecida com a ideia de civilização e progresso que é ligada ao trem, porque essas pessoas ficavam em barracos insalubres, epidemias se alastravam por conta da aglomeração de pessoas”, sobreleva.
Conforme resgata Cortez, que também é pesquisadora do INCT Proprietas, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Social das Propriedades e Direito de Acesso, o impacto da ferrovia na geografia do Ceará foi significativo, já que desde o período colonial as estradas que haviam no Estado cortavam o território de maneira horizontal e acompanhavam o curso de alguns rios — os poucos que tinham água por mais tempo durante o ano.
“Essas estradas eram muito movimentadas por gente carregando boi, mas não permitiam uma circulação maior. A única estrada que permitia chegar ao interior era a que saía de Aracati pela ribeira do rio Jaguaribe, descendo até Icó para pegar a ribeira do rio Salgado e chegava até Crato, que basicamente era o Cariri no século 19”, explana.
Nesse contexto, havia um empenho de centralizar em Fortaleza as atividades administrativas da província, que estavam concentradas em Aracati.
“Tiram a alfândega e levam para Fortaleza, e aí começa o plano de uma ferrovia, que deveria inaugurar outro caminho de entrada para o Ceará por Fortaleza: a primeira parte até Baturité, a segunda até Crato, e havia, ainda, a ideia de ligar Crato ao rio São Francisco numa tentativa de ligar a ferrovia com a hidrovia”, relata.
Em 1909 é criada a Rede de Viação Cearense (RVC), que surge para administrar a reunião formada pela Estrada de Ferro de Baturité (prolongada para o sul até a região do Cariri), com a Estrada de Ferro de Sobral (inicialmente destinada a fazer a ligação ao porto de Camocim), e o Ramal de Itapipoca, estendido para ligar as outras duas.
Décadas depois, a RVC foi uma das 18 ferrovias regionais incorporadas pelas linhas ferroviárias de cargas e passageiros no Brasil, operadas a partir de então pela Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA).
Conforme a historiadora, “o enfraquecimento da ferrovia deve ser entendido muito alinhado ao que estava acontecendo nas relações internacionais do Brasil, que se afasta da Inglaterra e começa a ficar mais próximo dos Estados Unidos, o que motiva a opção pelo descarte da ferrovia para dar preferência aos automóveis e as estradas de rodagem, com a chegada de empresas como Ford e General Motors”.
“Em 1926, o presidente Washington Luiz anuncia: ‘governar é abrir estradas, e estradas de rodagem’. Então há um distanciamento da ferrovia cada vez maior a partir daí, e ela vai sendo paulatinamente abandonada no que diz respeito à política nacional”, descreve.
Antes de ser extinta oficialmente em 2007, no ano de 1992 a RFFSA foi incluída no Programa Nacional de Desestatização e, a partir de estudos promovidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), teve a transferência dos serviços de transporte ferroviário de carga para o setor privado — que atualmente é feito pela concessionária Ferrovia Transnordestina Logística S/A (FTL).
Marcelo Barreto, diretor comercial e de operações da Transnordestina, tornou-se ferroviário após entrar para o cargo de auxiliar de agente de estação no último concurso realizado e explicita que a concessão do sistema ferroviário para a iniciativa privada foi uma ruptura em diversos âmbitos.
“Mas sempre visando o progresso e o engrandecimento do sistema ferroviário brasileiro e do Nordeste. A gente obviamente tem uma dor no coração e tem um saudosismo muito grande, porque muita coisa ficou para trás, mas por outro lado dá a continuidade da missão e parabeniza iniciativas como essa, pois a gente tem poucos equipamentos públicos voltados à preservação da história ferroviária”, comenta.
Barreto analisa que “o País, hoje, deveria estar em outro patamar do ponto de vista ferroviário, tanto de carga quanto de passageiros”.
“Hoje, através da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), estamos realizando um projeto da ordem de R$ 14 bilhões, que é a construção e implementação de um sistema ferroviário novo efetivo, a ferrovia Transnordestina”, comunica.
Considerada a maior obra linear em execução no Brasil, a construção tem 1.209 quilômetros de extensão em linha principal e passa por 53 municípios: a partir de Eliseu Martins, no Piauí, em direção ao porto do Pecém, no Ceará, com passagem por Salgueiro, em Pernambuco.
O objetivo do projeto, que é feito com recursos da CSN, Infra (anteriormente denominada Valec), Finor, BNDES, BNB e Sudene, é realizar o antigo sonho de integração nacional, além de incentivar a produção local e promover novos negócios que dinamizem a economia do Nordeste e aproximem o Brasil dos principais mercados mundiais com o transporte de grãos, fertilizantes, cimento, combustíveis e minério.
Já o transporte de passageiros após a extinção da RFFSA passou a ser responsabilidade dos estados — no caso do Ceará, realizado pelo metrô e o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), a cargo da Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor), que reaproveitou trechos já existentes do ramal ferroviário.
“Os trechos de Fortaleza foram todos aproveitados. Antes eram utilizados tanto para cargas como para passageiros. Para retirar a linha de cargas do Centro de Fortaleza, foi construído pelo Estado um ramal ferroviário ligando o ramal Parangaba-Mucuripe ao Porto do Pecém, passando pelo anel viário”, informa o diretor de Desenvolvimento e Tecnologia do Metrofor, Edilson Aragão.
“A antiga estação da Parangaba foi rebaixada para a construção do trecho em elevado da Linha Sul do Metrofor. Embora rebaixado, o edifício foi todo preservado e terá seu uso vinculado à obtenção de receitas não operacionais, com destinação comercial e de serviços. O Bar do Avião, bem tombado pelo município, foi recuperado e hoje faz parte do conjunto urbanizado do elevado da Parangaba”, sublinha.
Segundo Aragão, as transformações decorrentes da mudança de um modal ferroviário para um metroviário são evidentes: “Muda a qualidade da viagem, com ganhos no conforto e no tempo de deslocamento. Depois, com benefícios indiretos aferidos pela sociedade, como na redução de acidentes, na diminuição de poluentes jogados na atmosfera, e o mais fundamental, que é a capacidade de atender a um maior número de pessoas ao mesmo tempo”.
Na avaliação do diretor, “o transporte é uma questão ligada ao urbanismo. As localizações das atividades humanas no território da cidade, ou seja, o planejamento urbano, é que define a qualidade da cidade. A mobilidade urbana tem que ser pensada como uma política de inclusão social”.
“Quanto mais as pessoas conseguirem chegar, no menor tempo possível, aos seus destinos, melhor será a qualidade da vida. O ideal seria uma cidade onde o trabalho, a moradia, o lazer e os serviços pudessem estar tão próximos que não houvesse necessidade do uso dos transportes”, defende.
“No entanto, outras forças atuam na cidade, como o mercado de terras, onde as localizações se transformam em mais valias, resultando daí uma cidade marcada pela pluralidade de localizações, com zonas menos densas e uma população mais dependente do transporte individual, enquanto outras mais densas dispõem do transporte coletivo. Assim, o metrô tem essa capacidade de, atendendo uma grande demanda, tornar a cidade mais inclusiva”, argumenta.
O maior desafio da mudança, ainda de acordo com Aragão, foi garantir o fluxo dos recursos financeiros acertados com o Governo Federal.
“O Brasil, nesse período, estava implantando oito metrôs ao mesmo tempo: Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo”, recorda.
“Como a construção de uma linha metroviária é muito cara, o Governo Federal teve muita dificuldade de manter os recursos necessários, além daqueles de responsabilidades dos próprios Estados. Isso fez com que as obras demorassem muito, causando bastante prejuízo à sociedade”, declara.
“Vou ficar um pouquinho em pé porque está me dando ferrugem”, brinca Hamilton Pereira, 83, engenheiro aposentado da RFFSA. Filho de ferroviário, dedicou-se por 36 anos à função que lhe rendeu a paixão pela “ferrugem” que, segundo ele, corre nas veias dos ferroviários.
No interior do museu, seu Hamilton, que é consultor do acervo, garante: “Isso aqui é só uma parte. Eu digo que o museu é só uma fatia do nosso bolo, mas ainda tem muitos pedaços. Vai haver muita fatia ainda”.
“Nós estamos aqui para que esse espaço não perca essa característica que é da sua origem. Eu fiz parte dessa história e não esqueço dela. E isso não mata, muito pelo contrário, dá muita vida. É como diz uma amiga, Erivany: acabaram com a RFFSA, mas não acabaram com os ferroviários”, assegura o memorialista da ferrovia, que é autor, com o também ex-ferroviário e pesquisador Francisco Assis Lima da Silva, do livro “Estradas de Ferro do Ceará”.
Maria Erivany, 80, é diretora de Comunicação Social da Associação dos Ferroviários Aposentados do Ceará (AFAC) e considerada uma das guardiãs da história por meio do acervo ferroviário — além de militante pelos direitos da pessoa idosa.
Emocionada, ela diz que “a inauguração do museu é um alento para a família ferroviária, porque não há um ferroviário que não tenha amor pela RFFSA e não tenha ficado triste com a liquidação dela”.
“Era uma empresa que todo mundo tinha prazer em trabalhar. E o resgate de pelo menos uma parte dessa história nos dá muita alegria, não somente para nós, ferroviários, mas para nossos familiares, para a juventude, os estudantes”, menciona.
“É uma memória. Dizem que o Brasil é um país sem memória. A memória ferroviária é muito importante, porque a ferrovia foi quem fez com que muitas cidades surgissem. Sempre se viu muita história de que nas pequenas cidades do interior a diversão era a passagem do trem, todo mundo se arrumava, vestia a melhor roupa, as moças solteiras iam encontrar seus pretendentes”, lembra.
Erivany, que foi professora, agente administrativa e analista de desenvolvimento de pessoal da RFFSA, realça que a ferrovia também teve participação das mulheres, “mais de 200, que atuavam principalmente na área administrativa, mas também no serviço social e na segurança do trabalho”.
“Eu acho que o colorido para a empresa eram as mulheres, porque era uma empresa onde a maioria dos profissionais eram homens, nas funções de operação”, rememora.
Para a professora e memorialista Ivânia Maria, da Associação de Preservação da Memória Ferroviária do Ceará (APREMFECE), o Museu Ferroviário é uma fonte de saberes.
“É um espaço multirreferencial de aprendizagem onde os objetos, os sons e as palavras despertam pensamentos, emoções, possibilitam questionamentos, mexem com o imaginário e abrem as gavetas de guardados. Principalmente para aqueles que viveram intensamente as experiências ligadas à ferrovia, sentem-se alimentados, representados, vivos. O Museu é da cidade. É um espaço vivo de convivência que está para além das paredes da Estação”, sinaliza.
Um dos projetos de memória desenvolvidos por ela durante a pandemia de Covid-19 junto aos demais membros da iniciativa é o Folhetim Memórias Ferroviárias, uma produção que cataloga informações sobre a ferrovia cearense e seus trabalhadores.
A educadora mostra que todas as edições do folheto têm um espaço dedicado à participação feminina na história da ferrovia cearense, a exemplo da criação do logotipo da RFFSA.
Reconhecido por profissionais de arte gráfica e propaganda como uma obra perfeita do conjunto de elementos que fazem a memória da ferrovia, o logo foi desenvolvido em 1966 por uma mulher— a então estudante de arquitetura Leiko Hama Motomura.
O símbolo, que estampou desde documentos, uniformes e louças dos carros-restaurantes até as locomotivas, ficou marcado por ser de fácil memorização e fazer uma gentil vinculação entre as letras RFF, além de lembrar o entroncamento dos trilhos de maneira simples e harmoniosa.
Ivânia é uma das mulheres que encabeçam a luta pela preservação dessa história, com um trabalho de pesquisa que se soma à coleta de depoimentos dos ferroviários, familiares e usuários do trem durante os encontros semanais realizados por eles.
Num dos encontros de novembro, em alusão aos 150 anos da primeira viagem de trem nas linhas férreas cearenses, os ferroviários se encontraram para assistir ao vídeo-documentário “O último apito”, resultado de mais de dez anos de pesquisa e gravações do cineasta Aderbal Nogueira.
O documentário, acompanhado pelo público com a felicidade das recordações e a tristeza pelos amigos e colegas que já partiram, faz um resgate de aspectos históricos desde a implantação da estrada de ferro no fim do século 19 até a desativação do trem de passageiros década de 1980.
Gravar e rever as imagens, segundo o produtor, que é neto de ferroviário, faz recordar da infância. “Eu que gravei e assisti a esses vídeos incontáveis vezes, toda vez que assisto me emociono de novo. Porque são histórias de pessoas que deram a vida pela ferrovia. Meu avô foi ferroviário dos anos 1920 até o fim dos anos 1950, e tudo que eu sei a respeito da história da ferrovia foi transmitido por ele”, conta.
Na opinião do documentarista, é preciso aproximar os mais jovens para que essas memórias não se percam.
“Eu sinto falta aqui [na exibição] de gente jovem. Colégios, a própria Universidade, o pessoal da História, da Geografia, da Sociologia. Porque isso junta a galera jovem com quem viveu. Nenhuma faculdade dá esse conhecimento que só se adquire com lições de vida”, ratifica.
“Uma geração só se comunica com a sua geração vizinha. A terceira geração dificilmente convive com avô, bisavô, e assim a história vai se perdendo. O Brasil se desenvolveu no sertão graças ao trem, foi ele que levou a economia, a indústria, que fez cidades. Esse espaço é muito importante para nunca deixar a história morrer e para que ela não fique só aqui, entre nós, fechado”, pontua.
A vontade de ter o trem de volta move Sandro Melo, que é filho de ferroviário e presidente da Associação Amigos da Ferrovia Cearense (AFERRCE), entidade que trabalha pela preservação ferroviária no Ceará e luta pela reativação e reimplantação de trens turísticos no Ceará.
“Avançar para o trem retornar” é o lema da associação, cujo projeto visa promover o turismo local e proporcionar uma experiência cultural aos visitantes no trajeto Pacatuba-Baturité, além de fomentar o desenvolvimento econômico da região.
“Isso é não só preservar o bem público ferroviário, seja ele móvel ou imóvel, no caso as estações, os trilhos, as locomotivas, vagões; mas através dessa ideia implantar, retornar, porque já teve um trem turístico no Ceará, mas ele foi desativado, e tentar trazer de volta, agora sob a administração de uma associação, como acontece com os trens de turismo que existem hoje”, pondera.
A maior expressão esportiva de raízes operárias do Brasil: assim se ergue o Ferrão, ou Ferrim, como é popularmente conhecido o Ferroviário Atlético Clube (FAC), fundado em 9 de maio de 1933 por operários ferroviários do setor de locomoção da RVC.
Era início da década de 1930 e, naquele tempo, ligas e torneios oficiais ainda eram organizados e disputados por pessoas mais ricas. No Ceará, as secas assolavam a população camponesa e motivaram ondas migratórias para bairros que hoje compõem a periferia de Fortaleza.
Foi a partir de um campo improvisado nas horas ociosas que os ferroviários montaram dois times, Matapasto e Jurubeba, nomes de ervas que tinham acabado de retirar do que viria a ser o primeiro campo de treino do Ferroviário Atlético Clube. A mobilização operária chamou a atenção do influente chefe do escritório de manutenção da RVC,
O “Tubarão da Barra” pintou as cores vermelho, preto e branco no futebol profissional do Ceará e tornou-se símbolo da democratização do esporte a nível nacional.
De lá para cá, consolidou-se como uma das três grandes potências do futebol cearense, com mais de 100 conquistas e a recente vitória que lhe rendeu o título de bicampeão invicto da Série D na galeria de glórias corais.
Para Ernani Buchmann, ex-presidente do Paraná Clube e autor do livro “Quando o futebol andava de trem”, o Ferroviário Atlético Clube não apenas é um dos maiores vencedores entre mais de uma centena de times de origem ferroviária no País, como também é o que demonstra até hoje a maior vitalidade diante de tantas dificuldades.
O sociólogo Leonardo Maia é torcedor do Ferrão desde pequeno e planeja estudar em Doutorado os clubes de futebol do Ceará que tiveram origem proletária como o Ferroviário.
“Nós vamos ter um grande número de times dessa origem, assim como de outras categorias, como o time Usina, que era formado pelos trabalhadores da usina. Alguns times não se chamam mais Ferroviário, que inicialmente tinham essa ligação e depois houve fusões, mas continuam com a raiz ferroviária”, aponta.
Segundo o professor de Sociologia, “os trabalhadores praticavam o futebol como uma maneira de lazer nos intervalos da jornada de trabalho, até a intervenção importante do Caracas para ajudar a organizar aquilo que até então era uma coisa amadora. Assim foram surgindo financiamentos e o Ferroviário hoje representa uma expressão”.
Maia explica que parte da renda do clube era oriunda do desconto da folha de pagamento dos trabalhadores da companhia ferroviária, que começou RVC e depois se transformou na RFFSA.
“Até que começou a privatização e houve essa perda de parte do financiamento, o que provocou um enfraquecimento junto com o enfraquecimento do sistema ferroviário. A gente teve momentos de crise mais pesados, principalmente porque não tem como se manter apenas com a renda de torcida, porque não tem uma torcida tão numerosa quanto a de outros clubes cearenses. Então ele dependeu de pessoas com mais condição financeira que resolveram tocar o clube, colocar seu dinheiro”, atesta.
“Há muitos torcedores que se atraem por conta do trabalho que a gente faz de divulgação da origem operária, que é uma história diferenciada, e a partir das ideias que a gente propaga. Meu pai me levava para os estádios e praticamente já nasci Ferroviário, acompanhei grandes períodos, gostava das cores, do perfil da torcida, então mantive essa paixão e agora tenho transmitido para meus filhos”, narra.
Paixão que também pulsa no peito do economista Evandro Gomes, torcedor do Ferroviário desde os 8 anos e autor de duas edições do Almanaque do Ferrão, um compilado de informações que é resultado de anos de pesquisa sobre o clube.
“O que eu pude perceber ao estudar a história do clube é que, com a proliferação da categoria de operários ferroviários e a expansão da estrada de ferro no País como um vetor de desenvolvimento do próprio Brasil, essa categoria passou a ter uma importância social e econômica muito forte”, demonstra.
Segundo Gomes, “a partir deles o Brasil se expandiu, então foram nascendo equipes de futebol na beira dessas estradas de ferro em cada estado, em várias cidades, nascendo clubes de origem ferroviária que iam representando a categoria nas conquistas esportivas nos campeonatos estaduais na várzea”.
“Com o passar dos anos, essa categoria obteve uma uma ascensão profissional muito grande, a ponto das estradas de ferro serem federalizadas em 1957 com o advento da RFFSA, o que mostra ali na década de 50 a importância dessa categoria”, continua.
“E os diversos times ferroviários que já haviam surgido até ali nos anos 20, 30, 40, 50 e, claro, a consolidação da categoria como uma camada social importante, uma camada de notabilidade econômica dentro da sociedade brasileira, coisa que foi perdendo importância a partir da ditadura militar, com a intensificação da constituição de estradas de rodagem”, acrescenta.
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