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Para não esquecer: como manter a memória viva aos 60+
Reportagem Especial

Para não esquecer: como manter a memória viva aos 60+

Fazer exercícios físicos, estudar algo novo ou mudar pequenas rotinas podem ser táticas para deixar o cérebro menos preguiçoso e retardar o envelhecimento natural

Para não esquecer: como manter a memória viva aos 60+

Fazer exercícios físicos, estudar algo novo ou mudar pequenas rotinas podem ser táticas para deixar o cérebro menos preguiçoso e retardar o envelhecimento natural
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Primeiro é um fato antigo que some da memória. Depois, um evento recente, o nome de um parente ou a localização de um objeto. O "esquecimento" é um problema cognitivo que ocorre geralmente a partir dos 65 anos de idade, mas tem um método para ser prevenido: manter cérebro e corpo em movimento. 

Quem traz o dado e aponta a relação é o neurologista André Lima, membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Conforme o especialista, o cérebro passa por um processo de envelhecimento que acaba afetando algumas funções cognitivas — como a capacidade de guardar lembranças e informações.

 

O desempenho cerebral é afetado pela diminuição, ao longo da vida, de um processo conhecido como "sinapse", que é a comunicação entre os neurônios. "Quando envelhecemos, as sinapses diminuem nas áreas menos usadas do nosso cérebro. Assim, essas regiões 'hipoativadas' começam a atrofiar. Se isso acontecer na área da memória, uma delas, os hipocampos (envolvidos na formação de novas memórias), começa a haver perda da memória. Quando a Sinapse diminui e há atrofia das regiões, é muito difícil recuperar a memória", explica o profissional.

Principais sinais que podem indicar perda de memória

Segundo André Lima, é importante reparar se a pessoa esquece fatos recentes. "Depois, se esquece de eventos mais antigos. Se não lembra onde deixou objetos e/ou se esquece do nome das pessoas. Esses são alguns sinais do problema", destaca ainda o neurologista, que é também diretor médico da Neurovida. 

Essa complicações, no entanto, não são as únicas enfrentadas pelo idoso que sofre com a perda de memória. Um estudo realizado pela Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, publicado neste ano de 2023 e feito com mulheres acima de 60 anos, mostrou que a queixa de memória nessa faixa etária é associada por pacientes a adjetivos negativos como “difícil”, “ruim”, “horrível”, “terrível” e “triste”.

Além disso, o comprometimento cognitivo traz sentimentos como nervosismo, angústia, vergonha e desânimo. Pacientes também sentem medo da solidão, de perderem a autonomia e de ficarem dependentes de outras pessoas para cumprirem tarefas que sempre realizaram, como ir ao médico. 

Modificação do DNA no processo de envelhecimento (Foto: Ckybe / Adobre Stock)
Foto: Ckybe / Adobre Stock Modificação do DNA no processo de envelhecimento

De acordo com Lorena Feijó, psiquiatra e coordenadora do Ambulatório de Psicogeriatria do Hospital de Saúde Mental de Messejana (HSMM), as consequências psicológicas trazidas pela perda de memória do idoso De acordo com a lei, é considerada pessoa idosa o cidadão com idade igual ou superior a 60 anos  afetam áreas muito maiores da vida dele, como o seu circulo social. 

"Os idosos que estão em processo demencial podem apresentar sintomas depressivos e ansiosos no início do quadro por perceberem que estão começando a esquecer. Isso gera um certo sofrimento e desconforto, podendo levar, em alguns casos, até a um isolamento social", explica a profissional. 

 

 

Prevenção: hábitos que ajudam a manter a memória viva

O envelhecimento natural do cérebro pode ser acelerado também por maus hábitos de vida, segundo alerta o neurologista André Lima. Conforme o profissional, a hipertensão, o colesterol alto, o tabagismo e o álcool são fatores de risco para a perda da memória, uma vez que agilizam o desgaste das artérias. "O processo começa com a obstrução nas microartérias, ocasionando perda de sangue em regiões do cérebro, causando pequenas isquemias, e assim os neurônios ficam sem nutrientes e morrem", explica.

A psiquiatra Lorena Feijó destaca que o uso de medicações como "anticonvulsivantes, benzodiazepinicos, relaxantes musculares e anticolinérgicos" pode cursar uma piora do quadro de esquecimento. Ela destaca a importância de prestar atenção aos sinais indicativos do problema. "É (necessário) ficar atento aos pequenos eventos do dia a dia e, se possível, testá-los discretamente sobre os eventos recentes acontecidos na família, noticias assistidas no jornal, para entender se há realmente algum déficit de memória começando", orienta.  

Julião Chaves é graduado em Geografia, pela Uece, e prestou o vestibular do Enem junto com seu filho(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Julião Chaves é graduado em Geografia, pela Uece, e prestou o vestibular do Enem junto com seu filho

Julião Chaves segue quase a risca as orientações. Aos 60 anos, o cearense está no terceiro semestre do curso de Sistema e Mídias Digitais da Universidade Federal do Ceará (UFC) e diz desafiar constantemente o cérebro ao resolver as questões impostas na área, como criar jogos digitais. Ele faz caminhadas e opta, sempre que possível, por fazer trajetos cotidianos a pé. "Enquanto eu tiver podendo fazer isso, eu acho que eu estou pelo menos retardando esses processos degenerativos."

Esses hábitos, segundo ele, têm o ajudado a diminuir episódios de esquecimento que já teve, como não lembrar de rotas ou conteúdos estudados. Edite Ferreira, 64, é outra que conta ter lapsos de memória, mas assim como Julião busca retardar o declínio cognitivo. Ela está no segundo semestre do curso de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor) e na semana reveza o aprendizado com sessões de hidroginástica.

Edite Ferreira, 64 anos, faz graduação em Direito e inseriu o hábito da leitura no seu cotidiano(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Edite Ferreira, 64 anos, faz graduação em Direito e inseriu o hábito da leitura no seu cotidiano

"Quando a gente chega nessa idade não podemos parar, porque se a gente parar aparece tudo, aparece doença, dor aqui e acolá. (A memória) Melhorou bastante com os estudos, porque aí você vai lendo artigos e trabalhando mesmo a mente, tem que ativar bastante as leituras. Eu aconselho que muitas das pessoas que hoje estão paradas voltem a estudar", explica.  

Dicas de como estimular o cérebro para manter a memória viva

 

 

Perda de memória x falta de atenção x Alzheimer: entenda a diferença

Esquecer nomes ou coisas pode não estar associado apenas à perda de memória. Às vezes, esse processo ocorre devido à falta de atenção do indivíduo, que não absorve corretamente a informação que recebe. Em outras situações, pode ser algo mais grave, como um sintoma indicativo de início de Alzheimer.

Segundo o neurologista André Lima, a falta de atenção ocorre quando a informação não é armazenada, não “entra na memória". Ele pontua que isso é provocado por fatores como estresse e depressão. Já a perda de memória acontece quando a informação é “perdida”. Isso ocorre, por exemplo, quando se esquece o nome de parentes ou de outras pessoas com as quais se convive há muito tempo. 

A atividade física é fundamental para prevenir a perda da memória(Foto: Marcela Ruty Romero / Adobre Stock )
Foto: Marcela Ruty Romero / Adobre Stock A atividade física é fundamental para prevenir a perda da memória

De acordo o médico, esse processo é um dos sintomas iniciais do Alzheimer, "uma das doenças degenerativas do cérebro que mais crescem entre os idosos". De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a doença apresenta aproximadamente 70% dos casos de demência registrados no Brasil.

"(O Alzheimer) manifesta-se através de uma demência progressiva, os sintomas começam lentamente e se intensificam ao longo dos anos. É um conjunto de sintomas que provoca alterações do funcionamento cognitivo (memória, linguagem, planejamento e habilidades visuais-espaciais), físico (problemas de marcha e deglutição) e também do comportamento (apatia, agitação, agressividade, delírios, entre outros), limitando progressivamente a pessoa nas suas atividades diárias", explica Lima. Porém, ele lembra que nem todo mundo com perda de memória tem Alzheimer. "Só uma avaliação médica trará o diagnóstico. Avaliação clínica e com exames", frisa. 

 

 

Futuro: impacto da Covid-19 no agravamento do déficit cognitivo

Os lapsos de memória relatados por Julião Chaves e Edite Ferreira começaram a se intensificar depois que eles tiveram Covid-19, segundo observaram. A relação entre o problema cognitivo e a doença já foi apontada e comprovada por meio de diversos estudos, como o coordenado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela Universidade de São Paulo (USP), publicado em 2022. 

"A Covid pode acelerar um processo demencial já em curso como também causar déficit cognitivo em até 50% a 70% dos casos. Alguns estudos demonstraram que o vírus, através de uma proteína específica da sua superfície, ataca as células neuronais causando um processo inflamatório e/ou destruição das células, principalmente na área do hipocampo, responsável pela nossa memória", explica a psiquiatra Lorena. 

Representação simbólica da perda de memória de da diminuição da função mental(Foto: Sasint / Adobre Stock)
Foto: Sasint / Adobre Stock Representação simbólica da perda de memória de da diminuição da função mental

De acordo com a especialista, as infecções por Covid no futuro ainda são imprevisíveis, pois o vírus sofre mutações ao longo dos anos. "Mas provavelmente teremos, sim, que ficar atentos e prevenir ao máximo a contaminação para evitar essas sequelas neuropsiquiatras, principalmente nos idosos", pontua. 

A profissional destaca, no entanto, que existem algumas causas de esquecimento que são reversíveis, como a depressão, o déficit de vitamina B12 e da hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), doença rara. "Se tratadas (causas), a perda de memória pode ser revertida. No caso das demências, não há medicação para voltar o que foi 'perdido'. São doenças neurodegenerativas que progridem independente das medicações existentes", diz Lorena, coordenadora do Ambulatório de Psicogeriatria do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM).

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