Recém-iniciado o período da quaresma, em que historicamente o consumo de peixe aumenta, uma problemática se impõe: A pesca exagerada fez com que o pargo fresco se tornasse uma espécie difícil de encontrar no litoral brasileiro, sendo encontrado mais em sua forma congelada nos supermercados.
Um conjunto de fatores, como a fiscalização ineficiente e falta de conscientização por parte dos pescadores faz com que o nível de pesca esteja 175% acima do nível sustentável.
Descrito pelo mercado como uma espécie de peixe magro, de sabor suave, boa fonte de minerais como potássio e reconhecido pela presença em receitas típicas quando cozido com leite de coco e vegetais, o pargo é uma das espécies nobres consumidas no País.
A valorização da opção não ocorre somente no mercado nacional, já que a espécie é uma das mais exportadas para o mercado internacional, especialmente os Estados Unidos e países da Ásia.
Atualmente, a maior parte da produção nacional (quase 90%) atende a outros países, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
Hoje, a preferência por pargos de menor tamanho, "que caiba inteiro no prato do restaurante", tem movimentado a indústria pesqueira brasileira, que enxerga o potencial econômico dessa pesca.
Estudo mais robusto da história recente da academia sobre a exploração da pesca no litoral do Norte e Nordeste do Brasil mapeou as espécies que estão enfrentando problemas no nosso litoral. E o pargo é o destaque negativo.
A pesca anual média fica entre 5 mil e 6 mil toneladas por ano. Isso fez com que o volume da população de pargo (ou estoque) ficasse 29% abaixo do nível ideal mínimo de segurança.
O material faz parte do Projeto RepensaPesca - Avaliação Ecossistêmica dos Recursos Pesqueiros Demersais e Pelágicos das Costas Norte e Nordeste: Subsídios para o Ordenamento Pesqueiro Sustentável, produzido pelos pesquisadores George Olavo, Beatrice Ferreira e Aline França.
O relatório destrincha eventos que ocorreram e impactaram a pesca artesanal, a espécie marinha e como o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem lidado com a questão, como a proposição de criar "Áreas Prioritárias" e "Áreas Extremamente Altas Prioritárias" para conservação, entre 2007 e 2018.
Vale destacar que a área de interseção da pesca do pargo - assim como da pesca de camarão - são locais de contato entre fundos lamosos e recifais, e deveriam ser protegidos e de exclusão de
Uma das principais pesquisadoras do País nesta seara, Bianca Bentes, bióloga e doutora em Ecologia Marinha Aquática e Pesca, destaca que a base de dados para análise da biomassa de peixes no nosso litoral era incompleta até o esforço desta pesquisa.
Também professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e diretora acadêmica do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Amazônia (Neap), ela explica que uma das grandes problemáticas para garantir o defeso da espécie é a quantidade de embarcações clandestinas.
Segundo estima, a partir da quantidade de embarcações permissionadas e licenciadas há um quantitativo de três a quatro vezes maior pescando de forma clandestina.
Desde 15 de dezembro até o próximo dia 30 de abril o pargo permanece em período de defeso.
"Mas eu garanto a você que tem barco clandestino pescando, pois não temos uma fiscalização efetiva e não conseguimos comover esses pescadores para a importância do defeso."
Bianca ainda lembra que pesquisas datadas de 2016, 2017, já apontavam que o nível máximo de captura sustentável já havia sido extrapolado.
"Calculamos a probabilidade do estoque de peixes voltar ou nível sustentável, do nível de capturas em razão do tempo. Precisaríamos reduzir muito a captura para que em 12 anos consigamos o objetivo de um estoque saudável", pontua.
A demanda do mercado internacional por peixes "que caiba no prato" é outro problema, destaca a especialista.
A procura por peixes jovens, de até 900 gramas, em detrimento dos peixes adultos, entre 2,5 kg e 3 kg, não permite o potencial de reprodução da espécie.
Conforme as informações do fechamento de 2023 do Ceará em Comex, levantamento sobre comércio exterior produzido pelo Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (CIN/Fiec), o setor de pescados enfrentou dificuldades no ano passado.
Os dados mostram que houve redução de 9% nas exportações desse segmento. O resultado obtido foi de US$ 74,7 milhões, sendo que o produto mais exportado foi as lagostas congeladas, tendo registrado aumento de 45% nos negócios em 2023.
O principal mercado consumidor para o setor de pescado cearense são os Estados Unidos.
No que se refere ao peixe pargo, o desempenho das exportações cearenses vive de altos e baixos nos últimos cinco anos.
A exportação de pargo congelado era de US$ 11,24 milhões em 2019, valor similar aos US$ 11,25 milhões de 2023.
O resultado só não é de estagnação, já que em 2021 chegou a exportar US$ 16,01 milhões e tem apresentado quedas anuais seguidas desde então.
Em 2022, o valor exportado foi 7,74% (US$ 14,77 milhões). O resultado das exportações do pargo em 2023 representou mais uma queda, de 23,83% em um ano, conforme os dados do ComexStat, do Governo Federal.
De consumo interno, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) nem possui o levantamento da variação do preço do pargo.
A última pesquisa que tem algum tipo de medição da espécie foi a realizada pelo Departamento Municipal de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor (Procon) de Fortaleza, de 4 a 13 de julho de 2023.
Nela, a variação do pargo inteiro frito distou 148% no seu valor entre diferentes estabelecimentos, sendo a maior diferença encontrada entre sete opções de itens do mar.
O produto de 1kg a 1,3kg ia de R$ 75 a R$ 159, enquanto a tilápia, por exemplo, ia R$ 70 a R$ 129,90.
Já em pesquisa do O POVO em cinco supermercados, 1 kg de filé de pargo congelado foi encontrado, em média, a R$ 61,99. Não fica dentre os mais caros, pois o sirigado, por exemplo estava em torno de R$ 108,99.
Outro ponto do estudo do Projeto RepensaPesca - Avaliação Ecossistêmica dos Recursos Pesqueiros Demersais e Pelágicos das Costas Norte e Nordeste: Subsídios para o Ordenamento Pesqueiro Sustentável que serve de alerta é sobre a exploração da pesca de polvo.
Conforme dados de 2021, o Ceará exportou quase 100 toneladas de polvo, sendo o segundo estado do País, atrás somente de Santa Catarina, com quase 140 toneladas.
Assim, o levantamento mostra que apesar de a evolução da
"O crescimento repentino e mais recente da importância relativa do Ceará como exportador de polvo, em paralelo às modificações das normas estabelecidas, serve como uma alerta à necessidade de se acompanhar o desenvolvimento da pescaria em grande escala com
Aos olhos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), conforme sequência de portarias publicadas, é reconhecido que o pargo é sobre-explorado desde 2004.
Em dezembro de 2014, a espécie foi introduzida na lista das espécies de peixes e invertebrados ameaçados de extinção.
Apesar do movimento, que visa restringir sua exploração, já que consta classificado na categoria "Vulnerável", em junho de 2018 foi feito um movimento que mudou a perspectiva.
Naquela oportunidade, a Portaria MMA nº 228 passou a permitir a captura do pargo, estabelecendo que o uso e o manejo sustentável deveriam atender às medidas propostas em seu Plano de Recuperação Nacional.
Édipo Araújo Cruz, diretor de Pesca Industrial Amadora e Esportiva da secretaria Nacional de Pesca Amadora e Esportiva do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), explica que esse Plano de Recuperação é um documento elaborado por uma consultoria contratada pelo MMA.
A medida estabelece: "Todas embarcações de pesca autorizadas a capturarem o pargo devem ser monitoradas por meio do Programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite-PREPS; Todas devem entregar Mapa de Bordo; Defeso do pargo de 15 de dezembro a 30 de abril de cada ano; Número de embarcações limitada em 150 (sendo apenas 25 embarcações acima de 15 metros de comprimento)."
Ainda segundo Édipo, o MPA montou uma Rede Nacional Colaborativa para a Gestão Sustentável dos Recursos Pesqueiros (Rede Pesca Brasil).
A partir dessa Rede, que já conta com dez colegiados e que vem realizando reuniões, e do uso das informações do projeto RepensaPesca, são pensados caminhos para reverter a questão do pargo.
Mudanças mais basilares, porém, ainda devem demorar.
"Para realizar modificações mais profundas no ordenamento da pesca do pargo, há necessidade de revisão do Plano de Recuperação, que está a cargo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA)", explica.
Em meio a esse cenário, ficou notável que os dados nacionais da fiscalização de pesca do pargo, conforme o Plano de Recuperação Nacional, e o que objetivamente é encaminhado pelos pescadores ao mercado têm números bem destoantes.
Segunda espécie mais importante no ranking de exportações de pescados do Brasil, o pargo somou ao fim de 2022 um montante de 2,3 mil toneladas pescadas no litoral, conforme os dados dos mapas de bordo do MPA.
Neste período, foram exportadas 4,65 mil toneladas do peixe congelado, de acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A diferença é de quase 2 mil toneladas.
O POVO entrou em contato com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para ter um retorno sobre as fiscalizações relacionadas à pesca ilegal do pargo no litoral.
A demanda foi repassada ao MMA, no entanto O POVO não recebeu resposta até o fechamento desta edição.
O setor de pesca no Ceará tem como um de seus principais padrões norteadores a preocupação com a sustentabilidade.
A afirmação é do presidente da Câmara Setorial de Economia do Mar da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece), Roberto Gradvohl.
Ele destaca que o Estado, além de ser o maior exportador de pescados do Brasil, com destaque para a pesca de lagosta, tem diferenciação nacional por sua pesca moderna.
Dentre os diferenciais está o processo de modernização da frota de barcos, atração de empresas internacionais como Crusoe Foods.
Roberto ainda enfatiza que o interesse das empresas do setor pesqueiro é em respeitar os defesos no Ceará, de forma a não alterar os estoques disponíveis no litoral.
"Quase toda a pesca hoje no Brasil é fundamenta em estudos e pesquisas. Vários órgãos federais e estaduais e outras entidades que trabalham com pesquisas para definir o que existe no mar e o que pode ser pescado", afirma
A exploração econômica do mar tem sido feita com base em estudos científicos, sendo necessário reforçar o apoio para que os avanços desse mercado sejam feitos de forma sustentável.
"É necessária a participação do Estado nessas ações, porque são pesquisas que demandam investimentos que são necessários, de forma que a gente possa continuar uma atividade econômica fundamental de forma sustentável", destaca.
>> PONTO DE VISTA
Por Sandra Beltran-Pedreros*
Um dos maiores problemas enfrentados pelos estoques pesqueiros é a sobrepesca, e segundo a FAO em 2016 já eram cerca de 90% dos estoques pesqueiros mundiais nesta condição.
Porém, outros fatores como poluição e degradação ambiental, mudanças climáticas e falta de estatísticas pesqueiras tornam o problema muito mais complexo e difícil de ser resolvido. Essa é, também, a situação do pargo (Lutjanus purpureus).
Geralmente o histórico de desenvolvimento da pescaria de uma espécie inicia pela abundância do recurso, que o torna atrativo para sua exploração pesqueira industrial e/ou artesanal.
Mas, a falta de um sistema de regulamentação, manejo e monitoramento leva à sobrepesca e ao risco de extinção da espécie.
No caso do pargo, a Portaria Interministerial Nº 42, de 2018, definiu as regras para o uso sustentável e a recuperação dos estoques.
Entretanto, se bem legislação é fundamental, a portaria por se só não soluciona nada, já que estabelecer limites sobre o esforço de pesca, como o número de embarcações que podem atuar, o tipo de apetrecho a ser usado, e a zona de pesca devem ser fiscalizados e realizar um ininterrupto processo de acompanhamento aos volumes capturados.
Processos que são precariamente realizados pelos órgãos do governo; assim como a falta de pesquisas sobre a ecologia e biologia pesqueira da espécie ao longo de sua distribuição geográfica, mantendo vácuos de informação importantes para a gestão e manejo do recurso.
Quando um estoque pesqueiro está sobre explorado, a população possui vários mecanismos reprodutivos para manter o seu equilíbrio e recuperar a perda de exemplares pela pesca.
Estudos indicam que o estoque pesqueiro de pargo mudou rotas migratórias, dividindo-se em dois estoques: do Norte e do Nordeste, o tamanho médio de maturidade para reprodução e a fecundidade diminuíram.
Tudo isso levou a definir período de defeso, tamanhos e volume de captura, entre outras exigências que estão na portaria.
Ainda assim, falta uma rede eficiente de coleta de dados biológicos, pesqueiros e socioambientais para avaliar o cumprimento da norma, verificar se realmente os estoques se estão recuperando e as condições ambientais do habitat da espécie.
A falta desse monitoramento traz consequências graves, iniciando pelo colapso da pescaria, que gera, por sua vez, uma crise socioeconômica para os pescadores que dependem desse recurso.
Para a espécie, o aumento dos níveis de estresse e perigo que podem levar à incapacidade da população se recuperar e com o tempo extinguir parte da população; algo muito perigoso no pargo, já que a espécie como população se dividiu em dois estoques mudando rotas migratórias como estratégia de reprodução, mas se uma dessas populações não consegue se recuperar, pode simplesmente acabar.
Para o ambiente é a perda de uma espécie da rede trófica, já que como predadora ajuda a manter o equilíbrio na relação predador-presa.
*Sandra Beltran-Pedreros, bióloga marinha e doutora em Ciências Pesqueira nos Trópicos pela Universidade Federal do Amazonas, além de pesquisadora com mais de 30 anos em temas como biologia pesqueira e dinâmica populacional de peixes e mamíferos aquáticos
"Oie :) Aqui é Samuel Pimentel, repórter de Economia do O POVO e apresentador do programa de educação financeira Dei Valor. Qualquer comentário ou sugestão é só falar comigo. Quer curtir mais conteúdos? Vem navegar no OP+"