A percepção do brasileiro médio sobre a qualidade das estradas federais não é positiva.
Seja por projetos que demoram anos a serem concluídos ou pela falta de manutenção, o sofrimento com buracos que deixam viagens desconfortáveis e até custosas é motivo de reclamação de motoristas.
A busca por soluções segue, mas o que sobram são dúvidas sobre o que realmente deve ser feito para resolver o problema.
Um projeto desenvolvido pelo Governo Federal pode transformar rodovias estaduais essenciais em BRs.
O Ministério dos Transportes criou um grupo de trabalho que definirá a Rede Nacional de Integração (Rinter).
A medida visa contribuir para que as principais rodovias brasileiras que atendam a critérios técnicos previstos em lei sejam transferidas para a gestão federal.
Conforme previsto na Lei 12.379/2011, as rodovias que farão parte da Rinter devem ter pelo menos um dos seguintes requisitos:
Promovam a integração regional, interestadual e internacional
Liguem capitais de estados ou ao Distrito Federal
Atendam a fluxos de transporte de grande relevância econômica
Provenham ligações indispensáveis à segurança nacional
A lista fechada de estradas que serão incluídas no Rinter ainda não foi definida, mas a partir dos critérios o diretor da Federação das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Nordeste (Fetranslog-NE), Marcelo Maranhão, avalia a medida como positiva e com potencial de ser implementada em rodovias cearenses.
Ele aponta que hoje regiões importantes do Estado, como as ligações a outras capitais do Nordeste pelo litoral, região Centro-Sul e o Cariri, têm predominância de atendimento por rodovias estaduais, o que poderia ser mudado a partir da nova legislação.
Marcelo explica que a mudança contribuiria para o transporte de carga e logística, já que as regras de transporte em rodovias estaduais são limitadas, enquanto nas federais são mais acessíveis, especialmente em relação ao peso suportado, além da questão de segurança.
"Com certeza (valeria a pena federalizar algumas rodovias no Ceará). Nós temos algumas rodovias federais cearenses que estão sob gestão do Estado e tenho informações de que o Estado já tem intenção de devolver para União alguns trechos", pontua.
Maranhão ainda detalha que as regras de tráfego seriam facilitadas com a federalização em relação ao fluxo.
"Nas rodovias estaduais hoje só são permitidos caminhões de até 27 toneladas, se for mais é necessária uma autorização especial, uma situação burocrática e limitante".
Marcelo destaca, porém, que o grande problema das estradas é o custo para mantê-las, já que tanto o Governo Federal quanto o estadual têm orçamentos limitados para melhorar as condições das vias.
Dados relativos a 2023 da 26ª edição da Pesquisa CNT de Rodovias apontou que 67,5% das rodovias eram regulares, ruins ou péssimas e apenas 32,5% eram classificadas como boas.
No Ceará, a pesquisa aponta que 60,1% das estradas estão em condição regular, 15% estão em condição ruim e 3,7% em péssimas condições.
Com metodologia um pouco diferente, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) aponta que 67% da malha rodoviária federal estão em condição boa, o melhor patamar em sete anos.
Atualmente, as rotas estaduais, principalmente as do litoral, são voltadas ao transporte em carros de passeio e ônibus ligados ao turismo ou transporte de cargas de menor porte.
Dentre os fatores que também tornam as estradas estaduais em níveis inferiores segundo a classificação do Dnit está a sua infraestrutura, seja de capacidade de peso, mas também de sinalização, espaço de acostamento e retorno, além da ocorrência de curvas acentuadas.
Ademar Gondim, graduado Major Engenheiro de Fortificação e Construção pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), avalia que, caso a federalização ocorra com investimentos previstos, o movimento tende a ser positivo para o contribuinte.
Ele destaca que é o fluxo de veículos e cargas que vai dizer se revisões estruturais serão necessárias. Mas avalia que a infraestrutura precisa ganhar maior espaço no orçamento público, seja federal ou estadual.
"É importante termos em mente que há necessidades de investimentos em infraestrutura, até para diminuir o número de acidentes, além de dar mais conforto e segurança", analisa.
Entre as obrigações do grupo de trabalho está a análise de toda malha rodoviária brasileira constante no Sistema Nacional de Viação (SNV).
A secretária Nacional de Transporte Rodoviário, Viviane Esse, destaca que a Rinter deve contribuir para melhoria da infraestrutura. "Para entregar uma infraestrutura cada vez melhor aos brasileiros, nós precisamos focar na modernização de normas, como é o caso de todo trabalho que faremos".
O grupo de trabalho permanecerá ativo por 90 dias prorrogáveis pelo mesmo período. O Dnit, a Infra S.A., além de órgãos técnicos públicos e privados também devem participar das discussões.
Pesquisa da CNT aponta que seria necessário investimento de R$ 2,82 bilhões em obras para manutenção das rodovias cearenses. Conforme o relatório, apenas um a cada 100 km de rodovias cearenses analisadas - seja estadual ou federal - está em ótimo estado de conservação.
O Ceará possui atualmente 9.117 km de CEs monitoradas pela Superintendência de Obras Públicas (SOP), responsável pela manutenção, pavimentadas, enquanto 3,54 mil km são rodovias não pavimentadas, ou seja, 72% da malha local é pavimentada.
E, segundo a SOP, 81,7% estão em bom estado de conservação, segundo o critério adotado pelo Dnit. Somente 0,29% está em péssima condição, além de 4,47% em estado ruim.
Nos últimos anos, o Governo do Ceará tem ampliado o investimento na ampliação da malha rodoviária estadual pavimentada.
Em 2014, eram 7,14 mil km. Em 2018, o número chegou a 8,15 mil km. Entre 2022 e 2023, saltou de 8,87 mil km para 9,11 mil km. A média de avanço nos últimos dez anos foi de quase 200 km/ano.
Dentro desse contexto está a ampliação e duplicação da CE-155, que liga a BR-222 ao Porto do Pecém. A rodovia recebeu o padrão Classe II num investimento orçado em R$ 79,5 milhões.
Atualmente, a infraestrutura rodoviária das CEs segue os parâmetros de rodovias Classe III e IV do Dnit, diferente da exigência Classe I das rodovias federais, preparadas para atender o alto volume de tráfego e de veículos de carga pesada.
Marcus Quintella, diretor do Centro de Estudos em Transportes, Logística e Mobilidade Urbana da Fundação Getulio Vargas (FGV Transportes), destaca que existem enormes desafios para a federalização.
Entre os problemas está o percentual de apenas 12% das rodovias do Sistema Nacional de Viação (SVN) serem pavimentadas. Desse montante, menos de 1/3 é de rodovias federais, sendo a maioria rodovias estaduais e municipais.
No que se refere à capacidade de investimentos, o volume de recursos previstos para o Dnit em 2024 na Lei do Orçamento Anual (LOA) mais Restos a Pagar é de R$ 20 bilhões.
Deste montante, aproximadamente R$ 422,3 milhões serão destinados para ações do Departamento no Ceará.
Questionado sobre um histórico negativo de atrasos em obras de infraestrutura tocadas pelo Governo Federal, inclusive com denúncias de superfaturamento, e a possibilidade de interferências políticas por obras em troca de apoio político, Ademar Gondim, graduado Major Engenheiro de Fortificação e Construção pelo IME, ressalta a importância de uma fiscalização eficaz e a exigência por melhores projetos.
"O importante é que tenhamos uma fiscalização eficaz, um projeto bem elaborado, adequado para a necessidade."
Ademar ainda destaca que existem cinco etapas básicas para implementações de projetos de infraestrutura: concepção, projeto, execução, alteração e manutenção.
"Se essas etapas forem bem equalizadas, fiscalizadas e com uma boa operação, a população verá os resultados positivos. A gerência bem-sucedida do dinheiro depende da fiscalização e dos projetos bem feitos", complementa.
A Rinter foi instituída a partir da aprovação da Lei 12.379/2011, que reformou o Sistema Federal de Viação (SFV). Dentro dos subsistemas que compõem o SFV - aeroviário, ferroviário, aquaviário e rodoviário - foram instituídas novidades.
No Subsistema Rodoviário Federal, a instituição do Rinter prevê a incorporação à malha rodoviária federal trechos de rodovias estaduais, mediante anuência dos estados a que pertençam.
O movimento em torno da federalização ocorre ao mesmo passo em que o Ministério dos Transportes sintoniza o discurso de ampliar investimentos para assegurar a logística de áreas chaves do Brasil, como o escoamento da produção agrícola, ao mesmo tempo em que se dispõe a parcerias com atores privados.
No início deste mês de fevereiro, o ministro dos Transportes, Sílvio Costa Filho, destacou que estão previstos R$ 4,7 bilhões de recursos públicos para obras estruturantes nos principais corredores logísticos que cortam o País de norte a sul.
O Ministério dos Transportes ainda pretende otimizar 14 contratos rodoviários, que podem gerar um investimento adicional de R$ 110 bilhões.
O novo modelo de concessões também é considerado um trunfo, com contratos padronizados e tarifas menores ao motorista.
Ou seja: o novo plano de integração do País deve ser realizado junto ao esforço privado.
"Esses investimentos representam a melhoria da malha de forma geral e a conclusão e intensificação de obras estruturantes nos corredores do agro. De 2023 para cá, já tivemos como resultado crescentes exportação e importação, que significa muito mais atividade econômica, com obras que dão acesso aos portos, que fortalecem a chegada dos grãos”, afirma.
Ao todo, a expectativa da pasta é entregar e iniciar cerca de 60 projetos ao todo. Dentre os quais inclui-se a duplicação da BR-222, de Caucaia até a entrada da CE-155, de ligação ao Porto do Pecém.
Ele destaca que esses investimentos na melhoria das condições das rodovias facilita a distribuição dos insumos, reduzindo perdas e custos ao produtor e menos tempo de viagem para quem distribui.
Na avaliação de Marcus Quintella, diretor do FGV Transportes, a relação entre federalização e concessões e implementação de mais pedágios pelo Brasil só deve ocorrer caso a qualidade das rodovias atraiam interessados e até lembra de leilões que foram realizados para conceder gestão de rodovia em Minas Gerais que não encontrou interessados ainda.
"Mais concessões e implementações de pedágios depende da qualidade dessas rodovias, de bons projetos que possam atrair o dinheiro privado, baseado em estudos de demanda para que seja comprovada a possibilidade de recuperação do dinheiro investido", pontua.
Na ótica do governo, a prioridade para 2024 deve ser os leilões e concessões de rodovias. A expectativa é que ocorram 13 leilões, com potencial de injeção de R$ 122 bilhões em investimentos privados.
No que se refere à realidade dos pedágios no Brasil, o País tem uma das maiores quantidades de parques de pedágio do mundo.
O preço da cobrança varia de acordo com o trecho, mas existem rodovias como as do Sistema Anchieta-Imigrantes, em São Paulo, que chegam a cobrar R$ 27 a cada 100 km.
A rodovia liga a capital do estado ao litoral e conta com grande movimentação de veículos. Em feriados como o de Réveillon chegam a passar mais de 700 mil veículos nas rodovias.
Além do alto número de pedágios, o Brasil também caminha de forma acelerada rumo às concessões de trechos para gestão da iniciativa privada, no movimento mais pujante no mercado internacional atualmente.
Para fortalecer esse mercado, o Governo Federal sancionou a nova Lei de Debêntures de Infraestrutura.
O texto estabelece regras para a emissão desses títulos de renda fixa por empresas privadas que exploram serviços públicos, como as que assinaram contratos de concessão.
Há ainda a perspectiva de incentivos tributários sejam dados às empresas que financiem projetos de infraestrutura e emitem esses títulos.
Sem caixa suficiente, o Governo incentiva ao máximo empresas que contribuam para expansão da infraestrutura de transportes.
O movimento de concessões e pedágios, no entanto, só deve ser viabilizado caso a demanda remunere os investidores. A avaliação é de que rodovias com baixa movimentação não sejam afetadas, ainda que sejam federalizadas.
Terceira maior rodovia brasileira com extensão de 4.260 km, a BR-230 ou Rodovia Transamazônica é um orgulho dos governos militares pelo Plano Nacional de Integração (PIN), instituído pelo presidente Emílio Médici, em 1970.
Feita por iniciativa de ligar a cidade de Cabedelo-PB ao extremo norte do País, chegou até a cidade de Lábrea-AM. Devido às suas proporções, trechos do projeto inicial ficaram inacabados.
A ideia inicial era de que a estrada ligasse as regiões Norte e Nordeste do Brasil com o Peru e o Equador. Depois, o projeto foi modificado para 4.977 km até Benjamin Constant-AM.
A inauguração, em 1972, foi feita ainda com a estrada inacabada e falta a pavimentação asfáltica de diversos trechos. No fim, a construção foi interrompida com os atuais 4.260 km.
Na construção, trabalhadores ficavam completamente isolados e sem comunicação por meses. Atualmente, por não ser pavimentada e não receber a devida manutenção, o trânsito na rodovia é impraticável nas épocas de chuva na região amazônica.
Planos de novas intervenções, no entanto, são criticados por ambientalistas e povos indígenas. Com 52 anos de história, seria a Transamazônica exemplo para o projeto de federalização atual?
O professor da UFC, Ademar Gondim, tem em seu currículo experiência na construção de estradas federais e lembra do processo de integração nacional, promovido na época dos governos militares.
Ele aponta que, quando a Rodovia Transamazônica foi pensada junto de outras rodovias nacionais, havia um plano de interligação.
Neste plano, além da Transamazônica, outros projetos foram tocados com prioridade na década de 1970, como a BR-174 (Manaus-AM e Boa Vista-RR) também conhecida como Perimetral Norte, e a BR-163 (Cuiabá-MT a Santarém-PA) que é uma rodovia vital para o escoamento da produção agrícola.
O professor, no entanto, destaca que a construção de seus trechos ocorreu a partir da vontade política e não por necessidade econômica, ainda que o plano inicial esteja lá.
"Existem alguns trechos executados e outros não, mas o planejamento é quem conduz isso. Então seria positiva uma revisão desse plano. Acho que essa comissão pode, a partir do seu trabalho, revisitar o plano diretor rodoviário".
Ademar acrescenta que esse movimento poderia estabelecer um cronograma de investimentos, federalizando trechos ou também repassando a gestão para os estados, conforme o caso.
A questão logística no Nordeste se mostra um desafio não só do ponto de vista do modal rodoviário. Proposto como solução, o modal ferroviário também apresenta problemas e demora histórica.
A Ferrovia Transnordestina, idealizada em 2002, teve as obras iniciadas em 2006 e tinha o ano de 2013 como previsto para início da operação. No entanto, em 2016, apenas 52% da obra foram concluídos, apesar dos R$ 6 bilhões investidos.
Após idas e vindas, em março de 2023, a Transnordestina Logística afirmou que teria condições de entregar o trecho que liga o Piauí ao Porto do Pecém, excluindo o trecho entre Salgueiro-PE e o Porto de Suape do projeto.
A escolha foi feita por conta da aprovação dos projetos executivos, licenças ambientais e desapropriações já executadas no modal cearense. Assim, até 2026, a empresa promete entregar a obra.
Mas daí surge o questionamento: Vale a pena investir tanto no modal rodoviário ao invés do ferroviário?
Na avaliação de Ademar Gondim, graduado Major Engenheiro de Fortificação e Construção pelo IME e professor da UFC, a logística é uma atividade meio e que o pensamento deve ser transversal.
Ademar acredita que seja necessário um plano nacional rodoviário integrado a um plano diretor de transportes, com interligações com os demais modais.
"É importante ter essa rede para implementação, para que case com o plano de desenvolvimento do País, projetando para os próximos 20 anos, 30 anos e assim por diante. A partir daí poderiam ser feitas as adaptações necessárias", pontua.
"Oie :) Aqui é Samuel Pimentel, repórter de Economia do O POVO e apresentador do programa de educação financeira Dei Valor. Qualquer comentário ou sugestão é só falar comigo. Quer curtir mais conteúdos? Vem navegar no OP+"