Logo O POVO+
Criação cearense, Leite de Rosas completa 95 anos na memória afetiva e olfativa dos brasileiros
Reportagem Especial

Criação cearense, Leite de Rosas completa 95 anos na memória afetiva e olfativa dos brasileiros

Da essência aos sentidos, a história do clássico cheiro criado por um quixadaense que marcou a memória de gerações e continua nas penteadeiras brasileiras quase 100 anos depois — na tentativa de rejuvenescer, mas sem perder a tradição

Criação cearense, Leite de Rosas completa 95 anos na memória afetiva e olfativa dos brasileiros

Da essência aos sentidos, a história do clássico cheiro criado por um quixadaense que marcou a memória de gerações e continua nas penteadeiras brasileiras quase 100 anos depois — na tentativa de rejuvenescer, mas sem perder a tradição
Tipo Notícia Por

 

Ao enfrentar dificuldades, o cearense consegue até “tirar leite das pedras”. Prova disso é a história de Francisco Olympio: nascido em meio aos monólitos de Quixadá e às agruras da seca que assolava o Nordeste, aprendeu desde cedo que nem tudo são flores, mas carregou consigo pelo Brasil uma essência que conquistou o mercado da beleza e as penteadeiras brasileiras — e assim fez nascer, em 1929, o Leite de Rosas.

O cheiro clássico do frasco cor-de-rosa marcou a memória afetiva e olfativa de gerações e continua, quase 100 anos depois, entre rejuvenescer para atender ao público jovem e manter nos ares a tradição que lhe carrega para o centenário.

Entre seringais e lutas políticas, Olympio e sua esposa, Maria de Lourdes, transformaram uma modesta pensão em um laboratório improvisado onde as primeiras gotas foram destiladas e deram vida ao que se tornaria um dos ícones da indústria de beleza brasileira — da era dourada do rádio às transformações da televisão e à explosão das redes sociais, mesmo diante de desafios econômicos, perdas pessoais e revezes financeiras.

Linha do tempo | Da essência aos sentidos, 95 anos na memória afetiva e olfativa


“Minha avó diz que esse é o segredo de ter pele de 95 anos com aparência de 60”, conta a youtuber de beleza Flor do Oriente, que costuma compartilhar tutoriais de cuidado com a pele em que utiliza o Leite de Rosas.

Em tempos de vídeos de skincare e um mundo de tendências que vêm e vão, ela relata que usa o produto desde os 10 anos e cresceu vendo a avó aplicá-lo na “cutis” para remover impurezas, acalmar e clarear a pele, além da tradicional função como desodorante.

“Minha família inteira usa, e usa para tudo. Ele tem propriedades que oferecem vários benefícios para a pele, desde acalmar irritações até reduzir vermelhidão ou manter a maciez. Costumo misturar duas colheres de sopa dele com uma colher de sopa de pó de café ou aveia moída, acrescento algumas gotas de óleo de coco ou de amêndoas para aumentar a hidratação e massageio levemente com o rosto úmido, depois faço o enxágue com água morna”, detalha.

Youtuber Flor do Oriente com Leite de Rosas

“Cresci vendo a minha avó usar para tudo. Ela misturava com pó de café ou aveia moída, algumas gotas de óleo de coco ou de amêndoas e esfoliava a pele” (Flor do Oriente)

“Muitas mulheres com mais de 60 anos, nossas avós, nossas mães e até mesmo homens já usavam o Leite de Rosas como desodorante, no rosto para a limpeza de pele, cicatrização e tratamento da inflamação da acne. E ainda hoje você encontra pessoas que não abrem mão, ele faz parte da vida natural de muita gente, inclusive muita gente jovem”, explica a Dra. Maria Genucia Matos, professora de Dermatologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

A dermatologista coloca, contudo, que, com o tempo, o produto passou a ser desaconselhado para o uso na pele do rosto. Isso porque, segundo Genucia, algumas substâncias utilizadas na fórmula para diminuir o odor, como o álcool, por exemplo, podem afetar negativamente essa região.

“É um produto que tem alguns componentes como o óxido de zinco, cloreto benzalcônio, que são substâncias que têm uma ação antisséptica, são agentes bactericidas que diminuem a proliferação de bactérias nocivas que causam odor, mas também pode eliminar bactérias que mantém o equilíbrio. E o fato de conter álcool o torna um produto adstringente, só que na concentração e quantidade usada pode causar problemas como ressecamento e desidratação da pele”, afirma.

Dermatologista e professora Genucia Matos

“Está há quase 100 anos nas prateleiras de supermercados e bodegas, mas com essa verdadeira onda de skincare vem sendo muito questionado” (Dra. Genucia Matos)

Além disso, segundo a dermatologista, as fragrâncias contidas no Leite de Rosas podem “sensibilizar e provocar dermatite de contato, irritações, alergias, doenças como a dermatite seborreica, que pode ser agravada pelo alto teor de álcool e outras substâncias que podem ser alergizantes”.

Conforme aponta a médica, com o advento da dermatologia que preza por produtos de alta qualidade e pouco alergênicos, há um arsenal terapêutico que cumpre essas funções do Leite de Rosas, o que justificaria a continuidade do seu uso pelo preço mais acessível.

Em todo caso, o ideal é buscar profissionais da área que possam avaliar a pele e indicar o produto mais compatível com a condição financeira e o problema do paciente.

 

 

Criador do 'Leite de Rosas' é cearense e já foi prefeito no Amazonas; conheça a história

O famoso recipiente cor-de-rosa, com líquido utilizado para limpeza da pele, que está presente na casa de milhões de brasileiros há décadas. Sempre ali dentro do armário do banheiro, na cabeceira da cama, se misturando a outros itens do nosso dia a dia. É o icônico "Leite de Rosas". Mas você já parou pra pensar quem foi o criador do cosmético que virou um dos símbolos mais fortes da nossa identidade comercial?

Trata-se do cearense Francisco Olympio de Oliveira. Nascido em 1878 na cidade de Quixadá e órfão de pai e mãe, ele se mudou ainda adolescente para o Rio de Janeiro, fugindo da seca que assolava a região.

Francisco Oliympio é cearense e criou o famoso "Leite de Rosas"(Foto: Leite de Rosas/divulgação)
Foto: Leite de Rosas/divulgação Francisco Oliympio é cearense e criou o famoso "Leite de Rosas"

Começou a trabalhar ajudando a abrir estradas e depois desenvolvendo negócios que o levariam até o estado do Amazonas, aproveitando o auge do ciclo da borracha na capital Manaus. Chegou a comprar fazendas de seringais, mas logo o negócio declinou, mudando-se, em 1912, para a cidade de Itacoatiara (AM), onde envereda pelo ramo da pecuária. Chega a ser eleito prefeito da cidade e, em 1920, se casa com Maria de Lourdes.

Brigas políticas com adversários e traumas provocados pelas seguidas perdas de filhos recém-nascidos fazem o casal se mudar para a Bahia, dedicando-se à venda de gado zebu. O negócio não vingou, a esposa entrou em profunda depressão, e eles então resolvem vender tudo e embarcar rumo ao Rio de Janeiro, então capital da República.

Sem recursos, Francisco e Maria foram viver em uma pensão de dois quartos na rua Ipiranga, número 51, no bairro das Laranjeiras. Foi lá onde criou a fórmula cosmética cuja ideia vinha sendo amadurecida desde os tempos de Manaus. Uma mistura de óxido de zinco, cloreto de benzalcônio, sorbitol, digluconato de clorexidina, álcool, água e essência, desempenhando limpeza eficaz da pele.

Evolução do "Leite de Rosas"(Foto: Divulgação/Leite de Rosas)
Foto: Divulgação/Leite de Rosas Evolução do "Leite de Rosas"

As primeiras unidades foram feitas com a ajuda de um amigo farmacêutico e da esposa, dentro de um dos quartos da pensão. As caixas de madeira eram fechadas a marteladas sempre no momento em que o bonde passava, para não incomodar a vizinhança.

Segundo o site oficial do "Leite de Rosas", a empresa foi registrada no dia 29 de julho de 1929, sob o nome de F. O. de Oliveira Ltda. Após cinco anos, os produtos já alcançavam todo o Brasil. Primeiro em frascos de vidro, o que encarecia o cosmético, depois nas inconfundíveis embalagens plásticas rosas que fazem sucesso até hoje.

Fábrica no Rio de Janeiro nos anos 60(Foto: Divulgação/Leite de Rosas)
Foto: Divulgação/Leite de Rosas Fábrica no Rio de Janeiro nos anos 60

O que você achou desse conteúdo?