Em tempos passados, as civilizações antigas faziam registros escritos em diversos suportes: paredes, cascas de árvores, rochas e até em ossos. Com o avançar das eras, a escrita passou para o papel e, mais recentemente, para as telas de dispositivos móveis. Mas, afinal, qual o impacto dessa mudança no cérebro humano e quais as consequências para o nosso desenvolvimento?
O fato é que papel e caneta não se tornaram obsoletos, claro, mas atualmente dividem espaço com uma série de aparatos tecnológicos. Além disso, no dia a dia, é cada vez mais perceptível o uso recorrente de dispositivos eletrônicos na hora de fazer anotações ou fazer algum tipo de registro escrito. Comportamento acentuado nas pessoas mais jovens e imersas nas novas tecnologias desde o nascimento.
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Uma discussão recorrente no universo do ensino, em especial nas universidades e escolas é sobre o uso de smartphones, notebooks ou mesmo tablets como bloco de notas ou mesmo como ferramenta principal de suporte no ensino.
Nesse embate, é inegável que a escrita por digitação traz agilidade e que a conectividade online abre inúmeras possibilidades para o aprendizado, mas quais os impactos neurológicos dessa substituição? E, mais, será mesmo que a escrita cursiva não apresenta vantagem alguma com relação ao digital?
Entre tantos questionamentos relacionados ao choque dessas duas formas de escrever, resta a pergunta principal: Qual dessas escritas é a mais benéfica para nossa saúde? Nesra reportagem, vamos dar a resposta.
Um estudo publicado no dia 25 de janeiro de 2024 pela Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega (NTNU) concluiu que crianças e adultos têm um melhor aproveitamento de seus estudos quando fazem anotações à mão.
As análises, feitas a partir de resultados de
Audrey Van der Meer, pesquisadora que liderou o estudo da NTNU, complementa que as conexões cerebrais feitas durante o processo de escrita à mão são essenciais para a compreensão de novas informações.
Na escrita à mão, conforme revela a pesquisadora, ocorre uma elevada conectividade entre diferentes regiões do cérebro. Tal fato ocorre com maior complexidade quando estamos escrevendo discursivamente, sendo fundamental para construção da memória e codificação das informações.
Isso indica que a escrita à mão pode potencializar o aprendizado. "As diferenças na atividade cerebral estão relacionadas à formação cuidadosa das letras ao escrever à mão e ao mesmo tempo fazer maior uso dos sentidos”, explica a cientista.
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As novas evidências são ressaltadas em uma pesquisa de 2014, realizada por cientistas da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), que constatou: a escrita à mão impulsiona significativamente a capacidade da memorização.
“Nossas descobertas sugerem que as informações visuais e de movimento obtidas através de movimentos das mãos controlados com precisão ao usar uma caneta contribuem extensivamente para os padrões de conectividade do cérebro que promovem a aprendizagem”, disse Van der Meer ao comentar sobre os resultados do estudo.
Van der Meer explica que a escrita manual requer coordenação motora das mãos e exige que as pessoas prestem atenção no que estão fazendo. Já a digitação demanda movimentos mecânicos que são realizados repetidas vezes, nesta situação o foco é substituído pela velocidade.
A pesquisadora norueguesa ainda ressalta que as crianças devem receber formação de caligrafia nas escolas e, paralelamente, serem ensinadas quanto ao uso do teclado.
Desta forma, deve-se desenvolver uma consciência de quando utilizar a escrita manual ou um dispositivo móvel, seja para uma simples anotação ou para escrever textos mais longos.
Em entrevista ao O POVO, Eduardo Machado, neurocirurgião pediátrico do
"Isso também explica por que as crianças que aprenderam a escrever e ler em um tablet podem ter dificuldade em diferenciar letras que são imagens espelhadas umas das outras, como 'b' e 'd'. Eles literalmente não sentiram com seus corpos como é produzir essas letras”, argumenta Van Der Meer.
A pesquisa liderada por Van Der Meer foi feita com monitoramento cerebral de 36 estudantes universitários que repetidamente foram solicitados a escreverem ou digitarem uma palavra dentro de um conjunto selecionado previamente de forma aleatória.
No teste, os estudantes usaram um computador e uma caneta digital. A escolha dos pesquisadores pela escrita manual com uma caneta digital buscou destacar que não necessariamente é necessário renegar os avanços tecnológicos.
"Há algumas evidências de que os alunos aprendem mais e se lembram melhor quando tomam notas de aula manuscritas, enquanto usar um computador com teclado pode ser mais prático ao escrever um texto longo ou um ensaio”, concluiu Van Der Meer.
A cientista destaca a necessidade de um "equilíbrio" no uso das tecnologias e ressalta que o ato de digitar, usando movimentos repetitivos e de alguns poucos dedos, jamais será tão estimulante para nosso cérebro quanto o movimento cursivo de escrever à mão, mesmo que seja usando uma caneta digital.
Conforme a análise feita no estudo norueguês, é crucial uma análise crítica de quando e como usar cada tipo de escrita, bem como a consciência de que os avanços tecnológicos são constantes, mas que a apropriação consciente das novas ferramentas, considerando cada estágio do desenvolvimento humano, se faz cada vez mais crucial.
Para além da perspectiva educacional, em artigo
Ainda segundo o estudo, tal fator pode aumentar a probabilidade de doenças cardíacas, diabetes e Acidente Vascular Cerebral (AVC) na vida adulta devido à questões comportamentais influenciadas pela exposição à telas.
Parte do desenvolvimento neurológico das crianças se dá por imitação de comportamentos de pessoas adultas. Por esta razão os pequenos são muitas vezes chamados de "esponjas".
Em razão disso, Eduardo Machado salienta que "não adianta controlar o tempo de tela das crianças se os responsáveis não fazem o mesmo, principalmente na presença dos pequenos". Ele complementa que os adultos "devem dar o exemplo".
Eduardo ainda salienta que existem horários específicos em que o excesso de telas causa mais prejuízo sistema neurológico. Durante as refeições e antes de dormir são os momentos em que a excitação cerebral causada pelas telas é “bastante inadequada”.
O uso do celular no momento das refeições afeta a digestão do alimento pois a distração com aparelho faz com que a mastigação seja comprometida.
Já antes de dormir, a exposição à telas acabam bloqueando a liberação de melatonina - o hormônio que “avisa” ao corpo que está na hora de dormir. Em crianças, a luz emitida pelo celular estimula o crescimento dos olhos, podendo ocasionar miopia.
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Ao O POVO, o neurocirurgião pediátrico Eduardo Machado, aponta que atividades de estimulação da sociabilidade devem fazer parte da rotina das crianças, como a convivência com outras pessoas da mesma faixa etária e, principalmente, com o núcleo familiar.
Tarefas ao ar livre também são recomendadas para que a criança tenha liberdade de se movimentar e a oportunidade de desenvolver a habilidade de exploração de novos ambientes.
“Ocupações que encorajam a criatividade, como jogos e brinquedos de montar devem ser consideradas como substituição aos dispositivos eletrônicos”, recomenda Eduardo Machado.
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