Um problema antigo e rotineiro para motoristas, ciclistas e pedestres, e que requer o dobro da atenção que o trânsito já demanda em Fortaleza. O cenário está relacionado à existência de buracos nas ruas e avenidas da Capital. A situação vem gerando, principalmente nesta época do ano, maior risco de acidentes, trânsito lento, danos a veículos e dificuldades de acesso à cidade.
Na Capital, o surgimento das deficiências asfálticas acontece com maior frequência durante a quadra chuvosa no Estado, entre os meses de fevereiro a junho. Na terça-feira, 7, pelo menos oito buracos de pequeno, médio e grande porte foram registrados nas regionais 1, 4 e 8, onde estão localizados os bairros Álvaro Weyne, Parangaba, Itaperi e Parque Dois Irmãos, zonas periféricas de Fortaleza.
Uma semana após a identificação dos trechos com problemas nas vias, O POVO retornou aos pontos, nessa terça-feira, 14, e constatou que a situação continua a mesma e pior. Os buracos encontram-se cada vez maiores e não há sinalizações para os condutores ou qualquer outra ação de manutenção vigente nas vias.
A situação dos buracos vem impactando a população, principalmente para quem trafega nas vias esburacadas todos os dias. O motociclista e motorista por aplicativo Michel Silva, 28, passa diariamente pelo cruzamento da avenida Dr. Silas Munguba com a rua Casemiro de Abreu, no bairro Parangaba, e revela que os buracos no trecho geram desconforto e insegurança na via.
“Eu, como motoqueiro, quando passo por aqui sempre é uma dificuldade e só vem piorando. Está com umas duas ou três semanas já que está desse jeito. O medo que dá é acontecer coisa pior, um acidente maior, porque quem passa desatento é certeza que cai, principalmente gente de fora que não tem o costume de andar aqui pode cair nesse buraco”, comenta o motociclista.
No bairro Álvaro Weyne, os buracos surgem sempre nos mesmos trechos e afetam, principalmente, o trânsito no horário de pico. É o que diz o comerciante Nilson Dutra, 49. Os buracos estão localizados nas ruas Omar Paiva e Cruz e Sousa, principais vias que dão acesso ao bairro. “É um caos total e, como é linha de ônibus, o trânsito fica intenso e lento por conta disso. Está com uns quatro meses desse jeito. São tão [Prefeitura] rápidos para cobrar, mas tão tardios para consertar”, contesta.
De acordo com o mestre em Engenharia de Transportes e professor do Departamento de Engenharia de Transportes, da Universidade Federal do Ceará (UFC), Iuri Bessa, o desgaste do asfalto está ligado, principalmente, ao período das chuvas que danifica a estrutura da pavimentação. Outras causas estão relacionadas à falta de drenagem, obras inacabadas e falta de conservação.
“O pavimento detesta água e os materiais abaixo do asfalto, como areia, também não. O pavimento vai começar a danificar se acumular água ali dentro. Os buracos vão surgindo e aumentando de tamanho e a presença de trincas também facilita a entrada da água no solo. Nessa época do ano, a gente vê que piora por conta das chuvas, mas também há uma manutenção não adequada. Nem sempre o problema está no asfalto, é preciso chegar às outras camadas da pavimentação”, explica Iuri.
O especialista ainda destaca que a resolução do problema, de forma definitiva, pode levar tempo, mas algumas soluções já vêm sendo observadas, como a instalação do piso intertravado. “Esse tipo de material ajuda na drenagem da água que cai sobre o pavimento porque os espaços vazios entre as peças permitem que a água da chuva penetre no solo, evitando acúmulos de água e ajudando a reduzir problemas de alagamentos”, informa.
Ainda na avaliação de Bessa, Fortaleza possui um bom material asfáltico, no entanto, a Capital erra na falta de manutenção preventiva de urgência, principalmente nesta época de chuvas. O professor afirma que é preciso ter um trabalho conjunto de planejamento, construção e manutenção. “São aspectos que precisam andar juntos para resolver o problema de forma preventiva”, afirma.
Em entrevista à rádio O POVO CBN, no último dia 2 de maio, o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), avaliou que o problema dos buracos se agravou devido às chuvas e disse que será resolvido após a quadra chuvosa. “Se tapar buraco, o lixo vem para os esgotos. Vai melhorar muito depois da chuva. Parou a chuva? Me dê uns 30 ou 40 dias e você me cobra. Se não tiver tapado os buracos, pode cobrar”, afirmou na época.
Em nota, a Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger) disse, ao O POVO, na quarta-feira, 8, que as vias das regionais citadas neste material estão dentro do cronograma para recebimento dos serviços de tapa-buraco asfáltico. A pasta informou que os serviços durante a quadra chuvosa são realizados de forma emergencial, tendo em vista que “o solo seco é fator determinante para a qualidade dos reparos”.
Ainda segundo o órgão, com a proximidade do final da quadra chuvosa, a Prefeitura de Fortaleza intensificou o trabalho. “Atualmente, há 16 equipes operacionais atuando em toda a cidade. As intervenções focam, principalmente, em ruas e avenidas com alto fluxo de veículos e rotas de transporte público”, disse a pasta.
De janeiro a abril deste ano, 349 vias da Capital receberam os serviços de reparação asfáltica pela Prefeitura de Fortaleza. O POVO solicitou à Seger, na última quinta-feira, 9 de maio, quantos pedidos de reparos asfálticos de ruas e avenidas foram feitos à prefeitura, quantas vias estavam nas solicitações e qual a divisão por regionais nos primeiros quatro meses do ano.
A pasta solicitou um prazo maior para responder a demanda e foi ampliado um novo prazo para o envio de dados para a última segunda-feira, 13. Na data, solicitamos o envio dos dados novamente e foi nos informado que a pasta estava "trabalhando na consolidação dos dados", e que, "assim que possível", seria enviado.
Em um novo contato nesta quarta-feira, 15, foi questionamento novamente as informações à Seger. Até o fechamento desta reportagem, a pasta não respondeu as mensagens enviadas no WhatsApp e não atendeu as ligações, para o retorno das informações solicitadas na semana passada.
“Quando você não tem ruas pavimentadas, você diminui o fluxo de pessoas e de veículos. Falar sobre pavimentação é além dos veículos, é saber se a via está viável para que o idoso caminhe, assim como pessoas com deficiência e para que as pessoas voltem a usar a cidade de forma mais democrática”, avalia a mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora sobre Direito à Cidade, Josileine Araújo.
A especialista ainda afirma que há um déficit do olhar público para as zonas periféricas relacionadas à manutenção desses espaços, que impacta na vivência de quem mora nesses locais. Morador do bairro Parque Dois Irmãos, o aposentado Francisco José Linhares, 68, enfrenta diariamente um trecho da rua Padre Wilson completamente esburacado.
Os problemas são registrados em frente à residência do aposentado, no qual relata que a situação dificulta a entrada e saída de veículos, o acesso de pedestres na rua e o incômodo de não poder frequentar a via que mora.
“Desde quando começou a chover, em janeiro, está desse jeito, com muito buraco. Os vizinhos chegaram a chamar a Prefeitura, mas nada foi feito. Eu tento me livrar daqui o máximo que eu posso, mas para quem mora e passa por aqui com frequência atrapalha muito. Eu moro em frente a um buraco e aqui tem criança, é um perigo. Nem na calçada a gente fica porque não tem como, é uma rua esquecida”, afirma o aposentado.
Para o padre Josenildo Campos, 57, morador do bairro Álvaro Weyne, há um sentimento de esquecimento pela falta de conservação da gestão municipal na zona periférica. Ele acessa diariamente as ruas Omar Paiva e Cruz e Sousa para ir de casa ao mercado e afirma que os buracos sempre existiram nos trechos. “Você vê a diferença daqui para outros bairros de Fortaleza, como Aldeota e Meireles. Lá são diferentes, não têm buracos. Aqui, que é mais periferia, é entregue a deus dará”, disse.
Ainda na avaliação da socióloga, quando as políticas de pavimentação são, de fato, executadas as pessoas se sentem mais pertencentes aos espaços que moram. “Você vai ter uma circulação maior de pessoas e uma maior movimentação econômica. Às vezes, você vai em uma rua que é muito esburacada e começa a ficar abandonada, isso também aumenta a criminalidade e violência e com os serviços executados muda a realidade dessas zonas”, explica.
As vítimas de acidentes registrados em decorrências por buracos podem solicitar indenizações pelas ocorrências ao poder público responsável pela via, seja ele Municipal, Estadual ou Federal. Além dos acidentes de trânsito, outras ocorrências que afeta a segurança viária estão relacionadas a lentidão no trânsito, que ocasiona engarrafamentos em horário de pico, e danos a veículos.
O motorista por aplicativo Breno Rocha, 24, relata que teve sua moto danificada após não conseguir desviar um buraco. Ele afirma que teve perda do balanceamento da roda afetada. "Tive que trocar por outra. É muito difícil porque a gente precisa agora está o tempo todo de olho nas ruas para não cair nos buracos. É só prejuízo pra gente que trabalha no trânsito", comenta.
Conforme o doutor em Engenharia de Transportes e professor do Departamento de Engenharia de Transportes, da Universidade Federal do Ceará (UFC), Flávio Cunto, a condição do pavimento nas vias urbanas afeta diretamente a segurança viária.
“A gente tem, atualmente, uma alta mistura de veículos e com o alto fluxo nas áreas urbanas. A gente tem um ambiente potencialmente propício à ocorrência de acidentes e defeitos no pavimento geram mais riscos”, explica.
Ainda segundo o professor, os buracos geram ações que não são comuns no trânsito normal, cenário que só acontece apenas com a presença deles nas vias. Entre eles, estão os desvios com maior frequência nas ruas e avenidas.
"Os motoristas realizam os desvios e acabam invadindo outras faixas, onde há a presença de outros veículos, como motocicletas, ônibus, além das bicicletas nas ciclofaixas. Os buracos tendem a aumentar a quantidade de manobras no trânsito”, afirma. Outras movimentações são as frenagens com mais frequência.
"Se a gente tem um pavimento relativamente bem e de uma hora para outra a via de fluxo livre tem a presença de buraco é normal que os motoristas freem mais e isso pode, naturalmente, ocasionar colisões entre veículos, principalmente as traseiras. Duas coisas são comuns e estão diretamente envolvidas com buracos: as mudanças de faixas e a freagem”, informa o professor.
O presidente da Comissão de Trânsito, Tráfego e Mobilidade Urbana da Ordem dos Advogados Brasil no Ceará (OAB/CE), Daniel Siebra, afirma que, com base na Constituição Federal, no Código Civil e no Código de Trânsito Brasileiro, o responsável pela via é obrigado a idenizar as vítimas das ocorrências.
"Provado pelo condutor os prejuízos, seja material ou o que a vítima precisou de atendimento hospitalar, ela deve procurar os direitos através da Justiça. Elas precisam fazer um boletim de ocorrência do acidente, coletar fotografias, registros de viodemonitramento, relato de testemunhas, orçamento dos gastos e pedir o ressacimento através de uma ação contra gestão municipal", explica Daniel.
Em nota, enviada ao O POVO, nessa terça-feira, 14, a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) informou que analisou as ocorrências fatais registradas no ano passado e verificou que o obstáculo fixo "buraco" não apareceu como fator de risco principal nem secundário em nenhuma delas.
O POVO solicitou ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), nessa terça-feira, 14, quantas reclamações sobre a presença de buracos nas vias de Fortaleza, sob responsabilidade da gestão municipal, foram realizadas neste ano e no ano passado. Assim que o órgão retornar, este material será atualizado.
O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) também foi procurado na terça, pelo O POVO, para saber quantos processos foram registrados neste ano e no ano passado em relação a acidentes em virtude de buracos nas vias de responsabilidade da Prefeitura de Fortaleza e quantas casos ganharam o direito a indenizações pela Prefeitura. A reportagem será atualizada assim que o órgão responder.
Enfrentar buracos é uma condição comum em Fortaleza no primeiro semestre do ano e se torna um desafio para os motoristas e ciclistas da Capital. Diante do cenário, alguns cuidados podem ser seguidos para garantir a segurança nas vias:
Reduzir a velocidade: Diminuir a velocidade ao se aproximar de áreas conhecidas por terem buracos ou perceber algum problema na via.
Manter distância segura: Manter uma distância adequada do veículo à frente, permite que o tempo de reação, caso seja necessário, seja suficiente para desviar de um buraco inesperado.
Evitar manobras bruscas: Buscar evitar manobras bruscas ao se deparar com um buraco. É importante sinalizar e mudar de faixa gradualmente para evitar colisões com outros veículos ou ciclistas.
Manter pneus em boas condições: Verificar regularmente a pressão dos pneus e o estado de conservação deles. Os equipamentos em boas condições são menos propensos a furar ao passar por buracos.
Comunicar aos órgãos responsáveis: Ao registrar buracos perigosos, a população pode solicitar serviços de infraestrutura e malha viária por meio de abertura de processo na sede das Secretarias Regionais ou por telefone, pela Central 156.
Fonte: Flávio Cunto, doutor em Engenharia de Transportes e professor do Departamento de Engenharia de Transportes, da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Cuidado redobrado
Diminuir a velocidade ao se aproximar de áreas conhecidas por terem buracos ou perceber algum problema na via.
Manter uma distância adequada do veículo à frente, permite que o tempo de reação, se necessário, seja suficiente para desviar de um buraco inesperado.
Evitar manobras bruscas ao se deparar com um buraco.
É importante sinalizar e mudar de faixa gradualmente para evitar colisões com outros veículos ou ciclistas.
Verificar regularmente a pressão dos pneus e o estado de conservação deles. Os equipamentos em boas condições são menos propensos a furar ao passar por buracos.
(Fonte: Flávio Cunto, doutor em Engenharia de Transportes e professor do Departamento de Engenharia de Transportes, da UFC)