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O futebol brasileiro acabou? O que dizem os dados das principais ligas do mundo
Reportagem Especial

O futebol brasileiro acabou? O que dizem os dados das principais ligas do mundo

Enquanto a Seleção Brasileira acumula fracassos e baixo desempenho nas quatro linhas, os jogadores brasileiros são figuras certas nas principais ligas do futebol internacional. Esse contraste levanta questionamentos sobre os problemas da Canarinho: faltam talentos ou conceito para o futebol nacional?

O futebol brasileiro acabou? O que dizem os dados das principais ligas do mundo

Enquanto a Seleção Brasileira acumula fracassos e baixo desempenho nas quatro linhas, os jogadores brasileiros são figuras certas nas principais ligas do futebol internacional. Esse contraste levanta questionamentos sobre os problemas da Canarinho: faltam talentos ou conceito para o futebol nacional?
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A Seleção Brasileira de Futebol tem vivido um dos períodos mais conturbados da história, com sucessivos fracassos que desanimam sua torcida acostumada a conquistas. Mas apesar de estar em uma época de inúmeras dificuldades e de perspectivas incertas, o Brasil continua a se sobressair como um dos maiores exportadores de jogadores para as principais ligas de futebol do mundo. Essa dicotomia levanta questionamentos sobre a verdadeira raiz dos problemas enfrentados pela equipe nacional. Afinal, o que falta: talento, conceito, gestão?

Em análise detalhada dos campeonatos nacionais da Alemanha (Bundesliga), Espanha (La Liga), França (Ligue 1), Inglaterra (Premier League), Itália (Serie A) e Portugal (Primeira Liga), O POVO+ revela que os jogadores brasileiros figuram consistentemente entre as maiores nacionalidades estrangeiras nessas ligas. Em todas elas, a presença de atletas brasileiros está, no mínimo, entre as 15 maiores nos últimos anos. Essa constatação evidencia a qualidade e a demanda pelos jogadores brasileiros no cenário internacional, mesmo quando a Seleção não tem correspondido às expectativas.

O contraste é evidente. Enquanto os brasileiros brilham em clubes de ponta ao redor do globo, a Seleção Brasileira sofre para reencontrar seus dias de glória. A recente eliminação para o Uruguai na Copa América e as desclassificações nas Copas do Mundo de 2018 e 2022, para Bélgica e Croácia, respectivamente, ilustram a crise de resultados da equipe Canarinha. Esses reveses são agravados pelo distanciamento crescente dos torcedores, o impacto psicológico do histórico 7 a 1 para a Alemanha, e as constantes crises administrativas na Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Diante desse cenário, surgem perguntas que exigem respostas: estamos, de fato, vivendo o pior momento da história do futebol brasileiro? A questão central é a falta de talentos dentro de campo, uma vez que a Seleção não conta mais com jogadores do calibre de Romário, Ronaldo e Kaká? Ou será que o problema reside na ausência de visão e planejamento eficazes por parte dos dirigentes da CBF, que afetaria diretamente o desempenho da equipe nacional?

A discrepância entre o sucesso dos jogadores brasileiros no exterior e os insucessos da Seleção levanta um debate profundo sobre as direções que o futebol brasileiro deve tomar. Especialistas apontam para a necessidade de reflexão sobre o desenvolvimento de talentos, a gestão esportiva e uma mudança de mentalidade para entender que hoje o Brasil não está na primeira prateleira do futebol mundial. 

 

 

Brasileiros estão no top 15 estrangeiros das principais ligas do mundo

Nas principais ligas do futebol mundial, percebe-se uma mescla intensa entre jogadores nacionais e aqueles que vêm de todas as partes do mundo. A partir de dados extraídos do site especializado Transfermarkt, é possível notar uma presença marcante e significativa de estrangeiros nos seis campeonatos nacionais mais fortes atualmente.

Na Bundesliga (Alemanha), Premier League (Inglaterra), Ligue 1 (França), Primeira Liga (Portugal) e Série A (Itália), a proporção de atletas estrangeiros supera os atletas nacionais pelo menos desde 2022 – que é a série histórica levantada pela reportagem. Enquanto no Campeonato Alemão existem 271 estrangeiros e 261 nacionais (diferença de dez atletas) em 2024, no Italiano são 403 estrangeiros e 250 nacionais, com diferença de 153 jogadores de fora do país.

Único local em que esse padrão não se repete é na La Liga (Espanha), onde o número de jogadores nacionais fica na frente dos estrangeiros. Por lá, 461 atletas nasceram espanhóis, ao passo que 192 atletas que jogam a La Liga vêm de toda a parte do mundo – diferença de 269. Vale lembrar que a diferença era um pouco menor no ano anterior.

Jogadores estrangeiros e nacionais nas principais ligas do mundo

Abaixo, veja como foi a evolução em cada uma das ligas nas últimas três temporadas

 

Após identificar uma presença massiva de estrangeiros nos campeonatos nacionais mais disputados da Europa, OP+ conseguiu mapear de onde saem todos esses atletas. Seja da própria Europa, das Américas, da Ásia, da África ou da Oceania, ao todo são 111 países que fornecem os jogadores que vão brilhar nas principais ligas do futebol atual no mundo. Veja abaixo:

 

Mapa de onde saem os estrangeiros que disputam as principais ligas do mundo

 

Ao esmiuçar os dados do Transfermarkt sobre os estrangeiros nas ligas europeias, fica visível um certo destaque sobre os jogadores nascidos no Brasil. Na Primeira Liga de Portugal, por exemplo, o Brasil está disparadamente na primeira colocação entre os países que abastecem o futebol lusitano. Na temporada que se encerrou no meio de 2024, 131 brasileiros jogaram naquela liga, espalhados por diversos clubes. Para se ter ideia da disparidade em Portugal, o segundo colocado é a Espanha, com 30 jogadores, seguida por Angola, com 14.

Na Premier League, a liderança também fica por conta do país verde e amarelo. Ao todo, foram 34 brasileiros, seguidos por 28 franceses, 26 espanhóis e 26 irlandeses. Já La Liga, o domínio de estrangeiros é da Argentina, que tem 34 jogadores atuando na Espanha, frente aos 22 jogadores do Brasil.

Na Série A e na Bundesliga, por sua vez, a França é a grande dominante, com 43 e 33 atletas, respectivamente. Em solo italiano, os brasileiros aparecem na terceira colocação (22), atrás da Argentina (31). Enquanto isso, em solo alemão, apenas sete jogadores brasileiros atuam, ficando na 12ª colocação.

 

Distribuição de estrangeiros nas principais ligas de futebol

 

A análise dos dados sobre a presença de jogadores brasileiros nas principais ligas europeias entre 2022 e 2024 revela uma significativa variação na distribuição desses atletas, com destaque para a Primeira Liga de Portugal. Em 2022, o campeonato contou com 140 brasileiros, número que aumentou para 156 em 2023, mas sofreu uma queda para 102 em 2024. Ainda assim, o Brasil manteve a liderança como o principal exportador de jogadores para Portugal, evidenciando a forte ligação entre os clubes lusitanos e o talento brasileiro.

Na Premier League, a presença de brasileiros mostrou-se relativamente estável durante o período analisado. Em 2022, havia 35 jogadores brasileiros na liga inglesa; caindo para 34 em 2023 e voltando para 35 em 2024. A La Liga, por outro lado, apresenta uma queda mais acentuada, passando de 26 brasileiros em 2022 para 25 em 2023 e apenas 12 em 2024. Os números podem evidenciar tanto uma mudança de preferência dos clubes espanhóis por talentos de outras nacionalidades, como também uma maior valorização dos atletas espanhóis, conforme apontado mais acima.

Em contraste, a Série A e a Bundesliga mostraram números menores e mais estáveis de jogadores brasileiros. A Itália registrou 22 brasileiros em 2022, 21 em 2023 e 19 em 2024. A Alemanha teve uma presença ainda mais reduzida, com 6 jogadores em 2022, 8 em 2023 e 7 em 2024. A Ligue 1 francesa também viu uma redução gradual de brasileiros, com 21 em 2022, 18 em 2023 e 14 em 2024.

 

Presença de brasileiros nas principais ligas europeias de 2022 a 2024

 

 

Um breve diálogo sobre o futebol brasileiro com o historiador Airton de Farias

O futebol no Brasil vive um paradoxo curioso. De um lado, clubes europeus continuam a importar jogadores brasileiros, atraídos pela sua reconhecida qualidade técnica; enquanto isso do outro, a Seleção Brasileira atravessa um dos períodos mais conturbados da sua história. Para Airton de Farias, historiador e professor do Instituto Federal de Educação do Ceará (IFCE), as razões por trás desse fenômeno são complexas e multifacetadas.

"Primeiramente, o Brasil continua sendo um celeiro de atletas que, pela qualidade técnica, chamam a atenção dos clubes europeus", explica, ponderando que essa abundância não deve ser vista simplesmente como indicativo de qualidade. Exportados de maneira precoce em meio a um processo de mercantilização do futebol que visa o lucro, muitos desses jovens sequer estão amadurecidos e prontos.

 

"Os jogadores são mandados para a Europa sem estarem plenamente preparados, e muitos não conseguem se adaptar por diversos fatores, inclusive pela própria qualidade técnica que não é tão boa quanto se esperava" Airton de Farias, historiador, professor e autor do livro Uma história das Copas do Mundo

 

Também autor do livro “Uma história das Copas do Mundo: Futebol e sociedade”, volumes I e II, Airton de Farias aponta que, junto dessa visão mercadológica sobre o esporte, existe um movimento de elitização do futebol atual. Segundo ele, esse é um fator que acaba por contribuir para o distanciamento de torcedores em relação à Seleção.

"O futebol, que antes era o lazer da classe operária, hoje é caro demais para o trabalhador comum. Nos anos 1980, ir ao estádio era acessível. Hoje, com ingressos caros, lanches, estacionamento, o custo total é proibitivo para muitos", conta. Para o historiador, essa elitização faz com que os estádios sejam cada vez mais frequentados por uma elite abastada, enquanto a massa torcedora se contenta em assistir aos jogos pela televisão ou em bares – principalmente quando a Seleção Brasileira está em campo.

E essa mudança tem impactos visíveis nas arquibancadas: "Os torcedores que vão aos jogos da Seleção em grandes eventos, como a Copa do Mundo, muitas vezes estão mais preocupados em tirar selfies do que em apoiar o time. O futebol virou um grande negócio, e a prioridade financeira está nos clubes e torneios internacionais, não nas seleções nacionais."

Professor e historiador, professor e autor do livro Uma história das Copas do Mundo(Foto: Rodrigo Carvalho em 26 de março 2015)
Foto: Rodrigo Carvalho em 26 de março 2015 Professor e historiador, professor e autor do livro Uma história das Copas do Mundo

Outro ponto importante abordado por Farias está na politização do futebol brasileiro. "A camisa da Seleção tornou-se um símbolo político, especialmente associado a grupos de extrema direita", destaca, apontando que isso fez com que diferentes setores da sociedade se afastassem por não querem ser vinculados a essa ideologia. "A CBF não conseguiu lidar com essa situação, contribuindo para a indiferença crescente dos torcedores em relação à seleção", critica.

O professor reflete ainda sobre a crise da Seleção Brasileira no contexto histórico. "Embora o momento atual seja desafiador, é imprudente afirmar que seja o pior da história", diz, relembrando os anos 1980 e início dos anos 1990, quando a Canarinho também enfrentava dificuldades: "A Seleção que ganhou a Copa de 1994 é hoje exaltada, mas era considerada limitada na época.”

Segundo Airton de Farias, os problemas de hoje do futebol brasileiro são profundos e complexos, exigindo uma análise sincera e medidas concretas para superá-los. "Desde o 7 a 1 contra a Alemanha, pouco mudou. Falta humildade para reconhecer e enfrentar os problemas, tanto dentro quanto fora de campo", avalia.

Enquanto a exportação de jogadores brasileiros para a Europa continua a florescer, a equipe verde e amarela luta para reencontrar seu caminho. "A mercantilização e elitização do futebol, a politização exacerbada e a gestão questionável da CBF são fatores que contribuem para a crise atual. Estes são desafios que requerem vontade, visão renovada e ações efetivas para resgatar a paixão e o prestígio do futebol no País", finaliza.

 

 

>> Artigo

Seleção deve desenvolver e potencializar atletas

* Lucas Silva

Em meio à formação excessiva de atletas, que migram cada vez mais cedo para a Europa, seja para clubes de segunda ou primeira prateleira, o processo de formação e identificação, principalmente, é afetado. Não existe um trabalho desenvolvido que forme o atleta para o elenco principal da Seleção Brasileira, pelo contrário, há processos interrompidos e trabalhos questionáveis, como aconteceu no Sub-17 e no Sub-20, com o Brasil sendo eliminado para Argentina e Israel, respectivamente, nas quartas de final da Copa do Mundo.

Por exemplo, a Espanha, finalista da Eurocopa, sob o comando de Luis De La Fluente, vive um processo de reestruturação após a era vitoriosa que conquistou duas Eurocopas, em 2008 e 2012, além da Copa do Mundo da África do Sul, em 2010. O comandante espanhol, antes de chegar ao elenco principal, esteve à frente da equipe Sub-19 e Sub-20, além de ter comandado os espanhóis nas Olimpíadas, no vice-campeonato para o Brasil, em Tóquio-2020.

Repórter dos Esportes O POVO, Lucas Silva compartilha sua opinião sobre a recente situação da Seleção Brasileira de Futebol(Foto: Guido Nobre / Lucas Emanuel / FCF)
Foto: Guido Nobre / Lucas Emanuel / FCF Repórter dos Esportes O POVO, Lucas Silva compartilha sua opinião sobre a recente situação da Seleção Brasileira de Futebol

O Brasil, assim como a Espanha e outras seleções importantes do mundo, também passa por um processo de restruturação. Porém, enquanto outros países encontraram o problema e trabalharam para solucioná-lo, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), sob o comando de Ednaldo Rodrigues, segue sem um caminho.

O período pós-Tite, mostra que o Brasil nunca esteve próximo de entender os problemas, que passam pela parte técnica, mas também por falta de preparação para um período transitório. Buscaram treinadores de perfis táticos diferentes, mas com uma característica clara: “paizão”. O especulado Ancelotti, o interino Fernando Diniz e o atual treinador, Dorival Júnior, tem o atributo buscado pela CBF. Porém, não se faz um time vencedor apenas com gerenciamento de elenco.

É necessário potencializar atletas, desenvolvê-los na Seleção e, principalmente, deixá-los à vontade para performar como performam nos clubes. Vinícius Júnior, o cara para substituir Neymar Júnior, não chegou próximo daquilo que apresentou na temporada pelo Real Madrid, que o coloca como um dos principais candidatos a Bola de Ouro.

O Brasil voltará a ser o País do Futebol quando entender que, hoje, não está na primeira prateleira de seleções. Além disso, em um período transitório, é importante que, cada vez mais, haja um trabalho em equipe, entre todos os setores, da base ao profissional, para criar espírito de pertencimento e um estilo de jogo que seja aquilo buscado e esperado, seja pelo técnico ou pela instituição. E o que parece, é que a Seleção Brasileira de Dorival Júnior, assim como a de Fernando Diniz, não está próximo de entregar o que se espera.

Se este for o caminho, mais vexames estarão batendo à porta da Seleção e enfraquecendo aquilo que se foi construído durante o reinado de Pelé (58-62-70) e com protagonismo de Romário e Ronaldo (94-02). 

* Lucas Silva é repórter do Esportes O POVO desde julho de 2023, cobre futebol há seis anos, com análises sobre equipes profissionais e de base. É apaixonado por esportes desde criança

 

 

Metodologia

Para este material foram coletados dados da lista de jogadores e clubes nas temporadas de 2022 a 2024 das principais ligas de futebol no continente europeu. Foram consideradas as ligas: Premier League (Inglaterra), La Liga (Espenha), Bundesliga (Alemanha), Série A (Itália), Primeira Liga (Portugual) e Ligue I (França).

Os dados foram obtidos através da plataforma Transfermarkt, em seus serviços de API (coleta automática) e coletas manuais em páginas de valores agregados por liga, como neste exemplo. Os códigos desenvolvidos para coleta automática dos dados estão disponíveis neste link e os códigos desenvolvidos para agrupamentos e análises estão neste link. Dúvidas ou sugestões a respeito da metodologia: alexandre.cajazeira@opovo.com.br.

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