Em um determinado dia, um jovem resolveu visitar seu pai em São Paulo. Ao entrar no avião, sentou-se ao lado de uma mulher. Logo, começou a tremer de maneira intensa, causando desconforto na passageira vizinha, que expressou seu incômodo. À medida que o rapaz continuava tremendo, sua reclamação ganhou a atenção de todos que estavam ali presentes.
Assim, antes da decolagem, todos na aeronave estavam cientes da situação e se uniram à mulher em sua manifestação para que fizessem algo com aquela circunstância que causava tanto desagrado. O jovem, então, foi retirado do voo e submetido a uma revista pela Polícia Federal no aeroporto, para verificar se aquele rapaz portava algum tipo de substância ilícita.
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O relato acima dá conta da experiência vivenciado pelo então designer de mídia e colunista de games Bruno Sofia, após ter sido diagnosticado com a Doença de Parkinson (DP), quando tinha apenas 27 anos. Na época, Sofia trabalhava no setor de marketing O POVO. Com o diagnóstico, teve que se adaptar às suas atividades no trabalho para lidar com os sintomas iniciais do acometimento.
A história dele está no documentário Os dias de Sofia, em cartaz no OP+ a partir desta segunda-feira, 4 de outubro.
O Parkinson, segundo o médico neurocirurgião Caio Sander, é uma doença neurológica progressiva, sem cura, e idiopática, isto é, sem uma causa definida, causada pela degeneração do sistema dopaminérgico cerebral, ocasionando alterações motores e não-motores.
“Com a falta dessas células nessa área da mente, isso acaba interferindo na produção de dopamina, hormônio responsável pela sensação de prazer e humor no ser humano. Esse neurotransmissor também é responsável pelo controle motor, bem como os movimentos estomacais e esofágicos”, explica.
Segundo o especialista, a causa exata do DP ainda é desconhecida, mas já se sabe que existem fatores genéticos e ambientais que podem contribuir para o surgimento da doença. “A doença acomete mais frequentemente pessoas com idade acima de 60 anos, com predomínio do sexo masculino. Cerca de 10% dos casos surgem com idade inferior a 50 anos”, afirma.
Segundo dados informados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se haver cerca de 8,5 milhões de pessoas no mundo com a Doença de Parkinson. No Brasil, o número de casos da patologia deve chegar a 200 mil habitantes. Esses dados representam um aumento dos casos da doença nos últimos 25 anos.
A história de Bruno faz parte de uma pequena parcela da população mundial diagnosticada com a DP antes dos 60 anos, o que mostra que a atenção com o problema não deve ser direcionada somente aos idosos, mas também as pessoas mais jovens.
A experiência vivida pelo jovem no avião o marcou profundamente, causando até mesmo o desenvolvimento de crise de ansiedade e pânico. Para o médico Caio Sander, atualmente existe um grande aumento no diagnóstico com idade mais precoce, mas ainda não se sabe exatamente o motivo por trás dessa realidade.
“Sabemos que existem fatores genéticos e ambientais que provavelmente influenciam no surgimento da doença, como algumas mutações genéticas, o consumo de álcool, sedentarismo e tabagismo. Outro motivo também se deve ao diagnóstico mais precoce da doença através do melhor acesso a médicos e a exames complementares como Ressonância Magnética e ao PET”, esclarece.
Bruno Sofia relembra que o primeiro sintoma que apresentou da DP foi um tremor que não era comum a sua idade. Esse tremor, que ele chama de tremor essencial, evoluía de maneira que passavam os dias, principalmente em situações em que ele estava nervoso. “É comum que o tremor essencial não evolua, mas se mantenha na pessoa. Entretanto, no meu caso, estava aumentando”, descreve.
O neurologista Caio Sander aponta como sintomas motores os tremores, a rigidez, a lentificação dos movimentos, a instabilidade postural e o distúrbios da marcha. “A doença também provoca sintomas não motores, como alteração do sono, perda do olfato e problemas cognitivos”, conclui.
Bruno Sofia relembra que desde que apresentou os primeiros sinais da doença ele passou por situações em que lhe causaram algum constrangimento em relação à sua condição, como na vez em que foi a uma consulta e foi questionado por um médico sobre a possibilidade dele ser usuário de cocaína.
Isso gerou estranhamento ao jovem, que prontamente rebateu a pergunta do médico para saber o motivo da dúvida. Em resposta, o médico disse que a indagação se devia ao fato de ser comum que em alguns pacientes em sua idade tenham alterações na estrutura cerebral após ter feito o uso da droga em excesso.
A resposta do profissional fez com que Bruno ficasse irritado com aquela situação, o fazendo procurar por outro médico para tratar do problema que lhe estava acometendo. Dessa forma, ele começou a sua jornada para descobrir o que lhe afetava.
Sofia fez vários testes e exames para conseguir um resultado com precisão, dentre eles a administração de Levodopa, um medicamento utilizado por pacientes com DP. O remédio tem como finalidade à produção de dopamina, o hormônio extinto do cérebro com a doença.
“O diagnóstico da DP é eminentemente clínico; ou seja, através da consulta e avaliação neurológica, em que você consegue identificar no exame neurológico a presença de bradicinesia, termo técnico que a gente usa para detectar a lentidão dos movimentos, característico da doença”, esclarece Pedro Braga, médico neurologista e especialista em doença de Parkinson.
Ele, que também é professor universitário de Medicina, afirma que além da presença da bradicinesia, precisa ter mais algum outro achado clínico no exame neurológico, como o tremor e a rigidez, para você ter a primeira etapa do diagnóstico clínico.
“A segunda etapa é você pensar em outras doenças que imitem o Parkinson, ou outras doenças neurodegenerativas mais raras, através da consulta, exame neurológico e, algumas vezes, da ressonância”, pontua.
A terceira etapa desse processo se dá através do teste terapêutico, já que, ao iniciar o tratamento mais comumente usado para a doença, que são medicamentos, é aumentada a ação da dopamina no cérebro, abrindo espaço para o paciente observar se há uma melhora clínica com esse medicamento.
“Então, não existe, assim, um teste de sangue ou um exame definitivo de ressonância ou de outros exames complementares que digam para você se tem ou não tem a doença de Parkinson. É através da consulta e do exame neurológico que você vai definir esse diagnóstico”, reafirma o médico.
Após concluir todos os exames, Bruno Sofia recebeu a comprovação da DP, o que lhe causou uma onda de negacionismo, como ele próprio definiu. A partir disso, os sintomas foram crescendo com o decorrer do tempo, e Bruno começou a contar com o apoio das pessoas que estavam presentes ao seu redor.
O neurologista Pedro Braga aponta que, diferente do que está presente no imaginário popular, o tremor não é o principal sintoma que leva ao diagnóstico da patologia, mas sim, a lentidão dos movimentos. “A doença é muito heterogênea. Não é aquele perfil que todos pensam ser associado ao tremor. Nem sempre todos que têm esse sintoma são diagnosticados com a Doença de Parkinson. Já à lentidão dos movimentos é obrigatória para diagnosticar a doença”, finaliza.
Em meio a todos esses desafios, Bruno Sofia tomou a decisão de se submeter a um procedimento cirúrgico. Esse processo se dá pela implantação de eletrodos na área do cérebro atingida pela doença, possibilitando a estimulação dessa parte da mente e reduzindo os sintomas da Doença de Parkinson.
O médico Caio Sander, neurocirurgião especializado em cirurgia funcional, e que realizou a cirurgia de Bruno Sofia, relata que antes de saber se o paciente é candidato a cirurgia é preciso uma série de avaliações, como histórico clínico e psicológico, resposta ao uso da levodopa, expectativas ao tratamento, além de exames laboratoriais e cardiológicos para avaliar o risco cirúrgico.
“No dia da cirurgia, implantamos um halo na cabeça do paciente sob anestesia local e realizamos uma tomografia computadorizada do crânio. Com o paciente acordado, sob anestesia local, realizamos uma incisão atrás da linha do cabelo quando possível, fazemos um orifício no crânio de cada lado e uma ressonância magnética realizado alguns dias antes da cirurgia”, relata.
O cirurgião afirma que após isso, é implantado alguns eletrodos que estimulam o tecido cerebral para confirmar o local de implante dos eletrodos. Durante o implante, é realizado estímulos elétricos no tecido cerebral que provocam a melhora dos sintomas da DP, confirmando assim a localização dos eletrodos.
“Outro ponto positivo é avaliar as respostas adversas que possam surgir com a estimulação. Caso surja, modificamos a trajetória do eletrodo, afastando da estrutura estimulada que provocou o incomodo. Após implantado, retiramos o halo e o paciente é submetido a anestesia geral para colocação do neuroestimulador, semelhante a um marcapasso, e conectá-lo aos eletrodos já implantados”, descreve.
O neurocirurgião relata também que após a cirurgia, o paciente fica um dia na UTI e recebe alta hospitalar com 48 horas em média. Já no pós-operatório, o paciente normalmente apresenta uma leve melhora do Parkinson pela introdução dos eletrodos. “Em todo procedimento cirúrgico existem riscos. Os principais são o sangramento, a infecção e o deslocamento dos eletrodos”, alerta.
A cirurgia é ofertada aos usuários que possuem planos de saúde com direito ao procedimento. No Ceará, o SUS não conta com o serviço credenciado para realizar essa cirurgia. Os pacientes são normalmente inseridos no programa TFD (Tratamento fora do Domicílio), e realizam essa cirurgia pelo SUS em outros estados.
O médico alerta que os pacientes de DP devem fazer um acompanhamento com profissionais de áreas diferentes, como o neurologista para o ajuste periódico das medicações e o fisioterapeuta para trabalhar a motricidade e marcha. Além disso, é preciso à atuação do fonoaudiólogo para estimular a fala e a deglutição, e o terapeuta ocupacional para melhorar a adaptação das atividades do dia a dia.
“Quando os sintomas se tornam refratários ou as medicações provocam algum distúrbio ao paciente, o que normalmente acontece por volta dos 5 anos de doença, é necessário realizar uma avaliação com um neurocirurgião especializado em realizar cirurgia de Parkinson”, conclui.
O resultado da cirurgia do jornalista Bruno Sofia foi bastante positivo, e hoje em dia o jornalista consegue conviver com as sequelas deixadas pelo problema e fazer algumas tarefas que lhe dão satisfação.
“Hoje, faço alguns estudos sobre inteligência artificial. Principalmente porque existem alguns trabalhos nessa área que podem beneficiar a mim e a outras pessoas. Então, como sempre fui muito curioso, é uma coisa que eu me dedico bastante”, finaliza ele com entusiasmo.
“O tratamento da DP é baseado em aumentar a ação da dopamina no cérebro, já que à sua redução é o que gera os sintomas motores da doença, mediante usos de medicamentos, como o Levodopa, o mais eficaz e mais utilizado para o tratamento da doença”, explica o dr e professor Pedro Braga.
Ele afirma que há outras estratégias de medicamentos já comprovadamente eficazes, mas que, de uma forma geral, elas atuam na via dopaminética. “A doença é muito mais ampla do que dopamina. Tem outros neurotransmissores envolvidos em outros sintomas da doença, como memória, depressão e ansiedade e constipação”, ressalva.
O médico também destaca necessidade de um bom acompanhamento para o controle dos sinais da doença e reforça a importância da prática de exercícios físicos.
“Quando eu vejo que os pacientes se engajam mais na atividade física, observo que eles estão em melhor evolução. E os estudos mostram que isso pode ter um papel neuroprotetor, ou seja, diminui a progressão da doença”, finaliza.
No Brasil, existem algumas instituições que contam com núcleos de reabilitação e tratamento para pacientes com Parkinson. Nestas se encontram profissionais especializados em DP que podem oferecer um bom atendimento aos casos diagnosticados.
Além disso, os tratamentos alternativos podem auxiliar esse processo, como a prática de artesanato, que tem se destacado não apenas como uma forma de expressão artística, mas também como uma valiosa aliada na prevenção de doenças degenerativas e na promoção da saúde mental.
Uma pesquisa recente feita pela Universidade da Califórnia aponta que atividades artesanais, que envolvem o sistema cognitivo, são as melhores quando o assunto é Alzheimer e Parkinson. Entre elas estão os trabalhos manuais como o artesanato e as pinturas, por isso, a prática é muito recomendada para quem se encontra na terceira idade.
A artesã Maria Jeilda, proprietária do Evellyn's Moda, localizado no Centro de Turismo do Ceará, afirma que a renascença, prática artesanal muito presente no território cearense, é um bom exemplo de atividade que podem auxiliar no tratamento de quem é diagnosticado com Parkinson.
“Essa renda ajuda muito na coordenação motora, ela é feita com as mãos, lentamente, então aquela mão que se encontra enrijecida, acaba sendo estimulada com esses movimentos. Esse processo também é terapêutico, podendo proporcionar interação social, auxiliando na ansiedade e na depressão”, destaca Jeila, que também ministra aulas sobre renascença.
O dr Pedro Braga afirma que atividades manuais são importantes, ao ser outra forma de estimular os movimentos. “A dança, por exemplo, estudos vem demonstrando sua grande importunância na melhora dos sintomas motores e não-motores. O tipo de dança que tem mais estudo é o Tango”, finaliza.