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A classe empreendedora: relações trabalhistas, política e sonhos em jogo
Reportagem Especial

A classe empreendedora: relações trabalhistas, política e sonhos em jogo

Entenda quem é o trabalhador brasileiro e porque a ideologia do empreendedorismo mudou tanto a forma de se relacionar com a noção de trabalho e prosperidade

A classe empreendedora: relações trabalhistas, política e sonhos em jogo

Entenda quem é o trabalhador brasileiro e porque a ideologia do empreendedorismo mudou tanto a forma de se relacionar com a noção de trabalho e prosperidade
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Estão formalizados no site do Simples Nacional aproximadamente 14,6 milhões de microempreendedores individuais (MEIs) no Brasil em 2024. Esse número corresponde a 18,8% do total de ocupados formais e representa um crescimento de 1,5 milhão de MEIs em relação a 2021.

Além desse público corresponder a cerca 68% das empresas brasileiras, o Perfil do MEI 2024, feito pelo Sebrae, mostra que a atividade empreendedora é a única fonte de renda de 76,2% desse segmento.

A pesquisa do Sebrae revelou que 70% dos MEIs estão formalizados há pelo menos cinco anos, destacando um cenário de estabilidade para muitos desses empreendimentos(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES A pesquisa do Sebrae revelou que 70% dos MEIs estão formalizados há pelo menos cinco anos, destacando um cenário de estabilidade para muitos desses empreendimentos

Essa parcela expressiva da população muitas vezes não se enxerga mais enquanto uma “classe trabalhadora”. A flexibilização de vínculos trabalhistas, desarticulação de associações sindicais pode estar moldando a nova percepção que essas pessoas têm do mundo e do trabalho.



Quem é o empreendedor do Brasil?

De acordo com a pesquisa Perfil do MEI 2024, realizada pelo Datasebrae, o Microempreendedor Individual (MEI) no Brasil apresenta características e desafios que refletem tanto a diversidade, quanto a resiliência dos pequenos negócios no país.

O levantamento foi feito com mais de 7 mil entrevistas e contou com um erro amostral de apenas 1,17%, fornecendo um panorama detalhado sobre quem são esses empreendedores e como estão inseridos no mercado.

A maioria dos MEIs brasileiros está na faixa etária de 30 a 49 anos (59,2%), com significativa representação também de jovens entre 18 e 29 anos (12,3%) e pessoas de 50 a 59 anos (19,2%).

O gênero masculino predomina entre os empreendedores, representando 52,3% do total, enquanto o feminino responde por 45,4%. Em termos de cor e raça, 46% se identificam como brancos, seguidos por pardos (37,7%) e pretos (10,9%).

 

Veja, em gráficos, os dados demográficos dos microempreendedores do Brasil 

 

No que diz respeito à escolaridade, mais de um terço dos MEIs (36,2%) concluiu o ensino médio, enquanto 22% possuem ensino superior completo. Esses dados mostram que, embora o nível educacional varie, há uma concentração maior de empreendedores com formação básica ou intermediária.

A necessidade de ter uma fonte de renda foi a principal motivação para formalizar o negócio, apontada por 56,2% dos entrevistados. Por outro lado, 37,8% afirmaram que o impulso veio de uma oportunidade de negócio identificada.

A pesquisa revelou que 70% dos MEIs estão formalizados há pelo menos cinco anos, destacando um cenário de estabilidade para muitos desses empreendimentos. Os setores de atuação predominantes são Serviços (49,2%), seguidos de Comércio (36,2%) e Indústria (14,6%).

 

Veja mais dados sobre os empreendedores brasileiros

 

Ainda segundo a pesquisa, a formalização dos negócios como MEI é motivada, em grande parte, pela possibilidade de acessar benefícios previdenciários, como o INSS (35,3%), e pela emissão de notas fiscais (31,2%). Apesar disso, muitos empreendedores enfrentam desafios para manter suas atividades.

Entre aqueles que encerraram suas empresas, 52% o fizeram de forma temporária, enquanto 33% optaram pelo encerramento definitivo, sendo a falta de dinheiro para investimento e o desconhecimento sobre a atividade as principais razões.

 


O que é ser empreendedor?

Na economia, é impossível falar de empreendedorismo e inovação sem citar o trabalho do austríaco Joseph Schumpeter. O economista destaca o conceito de "inovação", assim como o de "empreendedor", para explicar o funcionamento da dinâmica capitalista.

Para ele, o empreendedor, ao inovar, deve agir ativamente sobre os consumidores, estimulando o consumo do novo mediante propagandas e promoções.

Joseph Schumpeter foi um economista austríaco e um dos primeiros a considerar as inovações tecnológicas como motor do desenvolvimento capitalista(Foto: Instituto de Economia da Universidade de Freiburg)
Foto: Instituto de Economia da Universidade de Freiburg Joseph Schumpeter foi um economista austríaco e um dos primeiros a considerar as inovações tecnológicas como motor do desenvolvimento capitalista

Nesses termos, o resultado da inovação é, de certa forma para Schumpeter, mérito dos empresários, depositando sobre eles o sucesso ou o fracasso das próprias decisões.

Há quem diga, porém, que a construção teórica de Schumpeter foi apropriada e reinterpretada por outras escolas da economia. É o que defende Otávio Augusto Cunha, doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Grupo de Estudos Marxistas em Comunicação e Cultura (Gemccult).

Dentro dessa perspectiva, o empreendedor é apresentado como o único ser social viável, pontua o professor. "Segundo Kirzner, em alinhamento à aversão de von Mises a qualquer controle sobre a ação do mercado, trata-se de fazer a escolha certa, característica do sujeito econômico moldado nessa sociedade, que aprendeu a maximizar seus benefícios a partir de suas ações práticas", pontuou.

Esse raciocínio, que opõe a "democracia do consumidor" à "ditadura do Estado", redefine o empreendedor, afastando-o da figura do capitalista inovador de Schumpeter, responsável pela "destruição criadora", para torná-lo um sujeito comercial alienado dos problemas sociais, focado exclusivamente em identificar oportunidades de lucro.

Otávio A. Cunha afirma que a ideologia empreendedora faz emergir um sujeito social focado exclusivamente em identificar oportunidades de lucro.(Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil Otávio A. Cunha afirma que a ideologia empreendedora faz emergir um sujeito social focado exclusivamente em identificar oportunidades de lucro.

Erika Valentim, mestra em Serviço Social e pesquisadora das relações entre empreendedorismo e formalização do trabalho na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), aprofunda as reflexões sobre o papel da “ideologia empreendedora”.

“Na contemporaneidade, os diversos discursos do empreendedorismo também afirmam o empreendedor como um indivíduo que se coloca acima da questão de classe – de ser um trabalhador, ou de ser um capitalista”, explica.

Assim, de acordo com Erika, a ideologia da qualificação, do trabalhador que precisa estar constantemente qualificado para conseguir um emprego, perde lugar para a figura do empreendedor.

Este, para além de ser um indivíduo qualificado, necessita dispor de um conjunto de competências como o “otimismo”, “flexibilidade”, “resiliência”, “proatividade”, “persistência”, “iniciativa”, entre outras, responsáveis pelo seu sucesso ou fracasso econômico.

Para prosperar, para além de ser um indivíduo qualificado, o empreendedor necessita dispor de um conjunto de competências como o “otimismo”, “flexibilidade” (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Para prosperar, para além de ser um indivíduo qualificado, o empreendedor necessita dispor de um conjunto de competências como o “otimismo”, “flexibilidade”

Otávio Augusto Cunha prossegue, afirmando que, ao serem propagadas como soluções individuais para questões sociais, essas teorias estão "completamente deslocadas da realidade concreta dos sujeitos, da história e da luta de classes cotidiana".

Segundo Cunha, os chamados "novos empreendedores" não devem ser vistos como agentes isolados, mas como “trabalhadores pauperizados, lançados à própria sorte” por um discurso mercadológico que os responsabiliza integralmente pelos problemas sociais ao seu redor.

Ele destacou ainda que essa narrativa está diretamente conectada à flexibilização das relações de trabalho e à falsa sensação de liberdade, processos que, segundo ele, têm forte articulação com entidades como o Banco Mundial, o BID e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Pesquisadores apontam que a lógica empreendedora é uma estratégia que, ao invés de solucionar, agrava as desigualdades sociais e retira direitos(Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil Pesquisadores apontam que a lógica empreendedora é uma estratégia que, ao invés de solucionar, agrava as desigualdades sociais e retira direitos

"O ataque aos direitos trabalhistas e à proteção social dos trabalhadores – como seguro-desemprego, auxílio-doença e aposentadoria – é uma marca desse discurso neoliberal", enfatizou, apontando a disseminação da lógica empreendedora como uma estratégia que, ao invés de solucionar, agrava as desigualdades sociais.

Juliane Peruzzo, professora do curso de Serviço Social da UFPE, destacou as transformações no conceito de empreendedorismo e no que chamou de "elasticidade" do termo, empregada atualmente.

Segundo ela, essa flexibilidade conceitual é evidente em definições como a da Global Entrepreneurship Monitor (GEM), uma das principais organizações responsáveis pela disseminação da ideologia empreendedora em âmbito internacional.

A pesquisadora da UFPB afirma que embora compartilhem algumas características com os empresários, os micro e pequenos empreendedores ainda se assemelham muito mais aos trabalhadores CLT(Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)
Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil A pesquisadora da UFPB afirma que embora compartilhem algumas características com os empresários, os micro e pequenos empreendedores ainda se assemelham muito mais aos trabalhadores CLT

Juliane cita a definição da GEM de 2010, que descreve o empreendedorismo como "qualquer tentativa de criação de um novo negócio ou uma nova iniciativa, tal como emprego próprio, uma nova organização empresarial ou a expansão de um negócio existente, por um indivíduo, equipe de indivíduos, ou negócios estabelecidos".

Na análise dela, embora pequenos empreendedores e microempreendedores individuais apresentem características que lembram o perfil do capitalista – como a autonomia sobre a produção e a propriedade de meios de produção –, não podem ser considerados capitalistas do ponto de vista marxista.

"Esses trabalhadores fazem parte da classe trabalhadora, uma vez que, no processo de acumulação, sua produção é subordinada e expropriada pelo grande capital", conclui.

 

 

A política envolvida

Dentre os muitos pesquisadores que se dedicam ao tema, se destaca Rosana Pinheiro Machado. Uma das suas linhas de investigação tenta estabelecer a relação entre precarização do trabalho e o crescente conservadorismo em certos segmentos da população mais pobre.

Em uma entrevista ao podcast Café da Manhã em meados desse ano, a pesquisadora alerta: "Muitas vezes a gente esquece que as pessoas que estão defendendo o desmonte do bem-estar social são pessoas que não tiveram acesso a muitas das vantagens do estado de bem-estar social, que estão na informalidade, que estão aí, trabalhando de camelô 15 horas por dia."

Segundo ela, é com essas pessoas que um projeto de esquerda tem que dialogar, pensando em formas de abarcá-las, com mais direitos sociais, mais provisão de bens e direitos.

A antropóloga Rosana Pinheiro Machado explica que serviços, produtos e valores do empreendedorismo estão diretamente ligados à democracia(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE A antropóloga Rosana Pinheiro Machado explica que serviços, produtos e valores do empreendedorismo estão diretamente ligados à democracia

Rosana coordenou uma pesquisa que aponta que a ideologia empreendedora é potencializada nas redes. No ambiente virtual, influenciadores que se apresentam como “mentores” ou “coaches” são capazes de vender projetos de futuro para um naco relevante da população.

"Hoje, além das igrejas evangélicas, a lógica do marketing digital é a grande mola propulsora da criação de sonhos e de fantasias, muitas vezes deslocadas na realidade", disse em entrevista à Folha de S. Paulo.

Para a mobilidade social, diz a pesquisadora, as pessoas precisam de capacidade de sonhar. "Mas, se ela mira desde criança que vai ser jogador de futebol, a chance de só um na turma ser jogador de futebol é muito grande, e o resto deve fracassar, é necessário ter esse equilíbrio dos sonhos."

A pesquisasdora Juliane Peruzzo diz que a pejotização mascara a relação empregatícia ao transformar o trabalhador em pessoa jurídica(Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil A pesquisasdora Juliane Peruzzo diz que a pejotização mascara a relação empregatícia ao transformar o trabalhador em pessoa jurídica

Além disso, Juliane Peruzzo acrescenta que o fenômeno da pejotização é muito complexo, tratando-se de uma estratégia que mascara a relação empregatícia ao transformar o trabalhador em pessoa jurídica.

Ela destaca que o problema apresenta uma contradição política intrínseca, uma vez que o MEI foi instituído pelo governo Lula, e ao se tornar, aparentemente, um "empreendedor", o trabalhador sofre significativas perdas, como o enfraquecimento de seus direitos trabalhistas e a exclusão do reconhecimento enquanto classe trabalhadora.

"Se o microempreendedor estiver inadimplente, perde o acesso a benefícios como aposentadoria, auxílio-doença, salário-maternidade e auxílio-reclusão", explica.

Entrada de sede do INSS em Fortaleza; normalmente, mesmo trabalhadores registrados que têm direito a aposentadoria precisa esperar meses pelo benefício (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Entrada de sede do INSS em Fortaleza; normalmente, mesmo trabalhadores registrados que têm direito a aposentadoria precisa esperar meses pelo benefício

A professora ressaltou que o índice de inadimplência entre os MEIs é alarmante. Dados da Receita Federal de abril de 2024 mostram que 41,2% dos microempreendedores individuais estão inadimplentes, o que equivale a 6,5 milhões de pessoas desprotegidas de direitos trabalhistas.

Esse é o segundo maior índice da série histórica, ficando atrás apenas de abril de 2021, no auge da segunda onda da pandemia de Covid-19, quando 7,1 milhões de MEIs estavam em débito com o Fisco.

Para Peruzzo, os números reforçam a precariedade dessa modalidade de inserção no mercado de trabalho, que, “longe de proteger, expõe os trabalhadores a uma vulnerabilidade ainda maior”.

Por outro lado, esse entendimento não parece dialogar muito com o que pensam os próprios trabalhadores. É aí que os discursos mais próximos à direita - seja mais moderada ou radical - conquistam o público. 

Dados do Instituto Locomotiva mostram que 56% dos trabalhadores não registrados preferem trabalhar por conta própria do que sob a CLT(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Dados do Instituto Locomotiva mostram que 56% dos trabalhadores não registrados preferem trabalhar por conta própria do que sob a CLT

Depois do desempenho abaixo do esperado no primeiro turno das eleições de 2024, até o presidente Lula parece ter se dado conta disso. 

Duas semanas depois do primeiro turno, em uma histórica mudança de discurso durante um evento em São Paulo, Lula reconheceu que parte da população brasileira "não quer mais carteira assinada", mas sim montar um negócio ou ganhar dinheiro por conta própria.

"Meu mundo é um mundo de fábrica, assim como o mundo do ministro Marinho. Liguei para ele e disse que é importante a gente saber que tem uma parte da sociedade que não quer ter carteira assinada, quer ter o próprio negócio. É preciso que a gente aprenda que mundo mudou, o mundo dos negócios no Brasil mudou", afirmou o presidente na ocasião.

"Uma parte da sociedade que não quer ter carteira assinada, quer ter o próprio negócio. É preciso que a gente aprenda que mundo mudou"

E a percepção é corroborada por dados, como os de uma pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva sob a encomenda da revista Veja, que identificou a disparidade entre o que os pesquisadores e a esquerda colocam e como a população se percebe.

Enquanto o governo Lula trava embates para levar a estabilidade do emprego formal aos motoristas e entregadores de aplicativo, 56% deles preferem trabalhar por conta própria, em vez de carteira assinada, sob a alegação de que é a forma mais eficiente de ganhar dinheiro e ascender socialmente. 

Nesse sentido, discursos como o de Pablo Marçal (PRTB-SP) e Marcel van Hattem (NOVO-RS), que ganhou o prêmio Congresso em Foco 2019 na categoria especial "apoio ao empreendedorismo", se alinham mais facilmente aos interesses do público. Quando van Hattem foi condecorado com o prêmio, ele acenou ao eleitorado que se sente parte dessa "classe empreendedora". 

“Não posso deixar de celebrar receber este prêmio do júri como deputado que mais deu apoio ao empreendedorismo, porque o grande motivo por eu estar na política é justamente para representar a ambição de tantas pessoas empreendedoras que não participaram da política, mas se indignaram com o que acontecia e acontece ainda na política”, discursou.

 

 

Como mostrar que a classe empreendedora é trabalhadora?

A questão parece dialogar com a escritora e filósofa Marilena Chauí na sua obra de 2013 "A Nova Classe Trabalhadora". Para ela, um dos fatores que leva a confusão na divisão entre empresários e trabalhadores é o fato de que a sociedade brasileira, conservadora e autoritária, costuma dividir a sociedade entre o privilégio e a carência, associando os trabalhadores à pobreza, desnutrição e vulnerabilidade social.

O crescimento da parcela dos indivíduos que, no Brasil, detém direitos e é capaz de participar do consumo de massa fez com que surgisse essa enorme confusão. Ao mesmo tempo, para a autora, há uma nuance ideológica para a definição desses grupos - que emergem como detentores de direitos e consumidores - como representantes da classe média.

A filósofa Marilena Chauí em foto de 2017, quando recebeu o título de professora emérita na USP(Foto: Fábio Nakamura/STI/FFLCH/USP Imagens)
Foto: Fábio Nakamura/STI/FFLCH/USP Imagens A filósofa Marilena Chauí em foto de 2017, quando recebeu o título de professora emérita na USP

A classe trabalhadora foi historicamente associada ao protagonismo social e ao embate político em busca de direitos sociais e de maior justiça e igualdade social.

Enquanto isso, à dita classe média e alta interessa a conquista e a permanência de seus privilégios, sem pretender que esses se tornem direitos, ou seja, que passem a ser universalizados. Afinal, nesse caso deixariam de ser privilégios.

E são os jovens que estão capitaneado este barco. Uma pesquisa do Ministério do Trabalho em parceria com o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) apontou que para 51% dos estagiários entrevistados, o desejo é ser efetivado na empresa em que trabalham e, para outros 20%, ser contratado no modelo CLT.

Apenas 3% responderam que querem empreender, mas isso não quer dizer que eles não estejam organizando seus próprios negócios.

Isso porque a pesquisa destaca um grupo de indivíduos que, apesar de ainda não estarem formalmente contratados, já estão imersos no mercado de trabalho tradicional. Foram entrevistados quase 12 mil estagiários, com uma idade média de 26 anos entre os do Ensino Superior e de 18 anos entre os do Ensino Médio ou Técnico. A bolsa-auxílio média desses estagiários foi de R$ 1.108,10.

Criatividade é um dos motores para o empreendedorismo e a inovação(Foto: Colin Behrens/Pixabay )
Foto: Colin Behrens/Pixabay Criatividade é um dos motores para o empreendedorismo e a inovação

Em contrapartida, a pesquisa do Datasebrae, publicada este ano, revelou que o número de empreendedores entre 18 e 29 anos no Brasil aumentou em 23% durante 2023. Os jovens representaram 16,5% dos cerca de 30 milhões de empreendedores ativos no país nesse período.

Adicionalmente, um estudo feito pela plataforma de serviços financeiros Rico, também divulgado em 2024, mostrou que 19% dos jovens entre 24 e 35 anos que já realizaram algum tipo de investimento têm como objetivo de longo prazo acumular capital para iniciar um negócio próprio.

Resta, então, entender se há uma saída viável à questão do diálogo. Carlos Águedo Paiva, doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor do mestrado em Desenvolvimento Regional das Faculdades Integradas de Taquara, analisou criticamente a postura da esquerda contemporânea diante das transformações globais.

Para ele, a insistência em copiar iniciativas superficiais, como o que chamou de "coachismo pilantrópico dos Marçais da vida", subestima a riqueza intelectual e a diversidade da própria esquerda.

"Propostas não faltam. Massa crítica e inteligência, tampouco. O que falta é interesse, sentido de urgência e vontade de pensar e mudar", afirma, apontando para o que considera o cerne da crise da esquerda atual.

Ele destaca que o mundo está em transformação acelerada, impactando milhões de pessoas que são lançadas em um mercado desigual, "sem barco, sem boia, sem prancha, sem apoio e sem senso de direção". Enquanto isso, a esquerda, segundo ele, permanece inerte, "observando tudo do rochedo de suas certezas inabaláveis".

Para ele, essa abordagem não apenas ignora as complexidades do mercado, mas também contribui para a alienação de milhões de trabalhadores e empreendedores que buscam alternativas em um cenário global marcado pela desigualdade e incertezas.

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