Em 2017, a cantora norte-americana Selena Gomez compartilhou uma série de postagens em seu Instagram revelando ter passado por um transplante de rim devido a danos relacionados a uma doença conhecida como lúpus, a qual havia sido diagnosticada em 2015.
Com apenas 24 anos na época, o anúncio deixou toda a mídia em choque, gerando muita discussão e propagando informações sobre o laudo grave dessa doença. Conforme definição do Ministério da Saúde, o lúpus é uma doença inflamatória autoimune, sem cura até o momento.
O nome científico da doença é Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Ela pode afetar múltiplos órgãos e tecidos, como pele, articulações, rins e cérebro. Em casos mais graves, se não tratada adequadamente, pode matar. As primeiras descrições da doença são datadas desde os tempos de Hipócrates.
O termo “lúpus” é originário do latim e significa lobo, porque as lesões assemelhavam-se a mordidas de lobo. Uma das características mais clássicas é a mancha na face “em asa de borboleta”. Para fazer um alerta sobre os seus riscos, foi designado o dia 10 de maio como data para campanhas de conscientização.
A Sociedade Brasileira de Reumatologia estima entre 150 mil a 300 mil pessoas no Brasil vivendo essa realidade. Já uma pesquisa da National Library of Medicine (NIH), de 2024, mostrou que a mortalidade entre pacientes brasileiros com lúpus é maior do que a dos pacientes mundiais.
Outras doenças abarcadas pelo Fevereiro Roxo e Laranja
O Fevereiro Roxo e Laranja é uma campanha de conscientização ao lúpus, à fibromialgia, ao Alzheimer e a alguns tipos graves de câncer
É uma doença que ataca especificamente as articulações, causando dores por todo o corpo, principalmente nos músculos e tendões.
É um neuro-degenerativa que provoca o declínio das funções cognitivas, reduzindo as capacidades de trabalho e relação social. Com o passar do tempo, ela também interfere no comportamento e personalidade da pessoa, causando consequências como a perda de memória.
É uma doença maligna dos glóbulos brancos, geralmente, de origem desconhecida. Os sintomas incluem anemia, palidez, sonolência, fadiga, palpitação, manchas roxas na pele ou pontos vermelhos, bem como gânglios linfáticos inchados, perda de peso, febre e dores nas articulações e ossos.
O estudo é fruto de uma análise do panorama da condição na população brasileira entre os anos 2000 e 2019 com base em dados do SUS, revelando ainda que o número de óbitos permaneceu praticamente inalterado durante todo o período estudado. Mulheres entre 19 e 50 anos são as que mais morrem por lúpus no Brasil.
Além disso, os pacientes falecem muito mais jovens quando comparados com a população geral. Na faixa dos 16 a 24 anos, por exemplo, a mortalidade chega a ser 19,2 vezes maior. A reumatologista, Sâmia Studart, explica que o lúpus é uma doença autoimune sistêmica de caráter crônico e inflamatória.
“Ela é caracterizada por um desequilíbrio, onde o próprio sistema imunológico, que habitualmente é dirigido para nos defender contra processos infecciosos ou inflamatórios, ataca nossas próprias células. O lúpus surge em virtude da interação de fatores genéticos com interação de fatores ambientais”, afirma.
Segundo ela, os fatores ambientais mais estudados são as infecções virais, gatilhos de estresse e a exposição solar, onde os raios solares não só podem agravar os sintomas como despertar esse gatilho em indivíduos predispostos.
“O lúpus pode acometer diversas partes do corpo, desde a pele, como lesões características como eritema em face, como no couro cabeludo e orelhas. Também acomete as articulações, órgãos abdominais, pulmão, sistema nervoso central e periférico, rim (chamado nefrite lúpica) e inflamação renal”, pontua.
Perda de proteínas na urina, pancreatite, hepatite, derrames, manifestações da pele, sintomas articulares, amnésia, dormência e perda de força são umas das várias consequências desses comprometimentos, de acordo com a reumatologista.
Ela esclarece que o um dos principais tipos de lúpus é o discoide e o sistêmico, e o diagnóstico é feito com base nesses sintomas, mediante exames de sangue, onde é pesquisado a presença de anticorpos contra componentes celulares, como o procedimento
“O tratamento é mediante medicações imunossupressoras e imunomoduladoras, que controlam o processo inflamatório e a desregulação do sistema imunológico, proteção solar, evitando qualquer tipo de exposição, e os corticoides, que controla rapidamente a inflamação”, finaliza.
Pelo fato do lúpu ser uma doença desenvolvida pela quebra da tolerância imunológica, atacando o próprio corpo, ainda não se tem medicamentos para a cura de todas as variáveis e alterações provocadas pela doença. Quem explica é o reumatologista e professor de Medicina Kristopherson Lustosa.
“O organismo acredita que os órgãos são microrganismos invasores, como bactérias e vírus. Essa quebra da intolerância imunológica deriva de vários fatores. O indivíduo pode ter uma qualidade e expectativa de vida saudável se seguir todas as orientações”, diz.
Sobre a prevenção, o especialista destaca o cuidado com a exposição excessiva do sol, na qual você expõe antígenos da pele e autoanticorpos, podendo desencadear o lúpus. Em geral, no entanto, é uma doença que surge de características de herança familiar ou alguns defeitos da imunidade.
“Ainda não se descobriu uma maneira de prevenir o lúpus, mas o que sabemos é que existem pessoas predispostas ao seu desenvolvimento, com parentes com doenças autoimunes. Em casos raros, alguns medicamentos podem ser indutores, na qual chamamos de lúpus induzido por fármacos”, revela.
O médico confirma que a doença é mais comum em mulheres, pessoas com familiares com doenças autoimunes, de primeiro ou de segundo grau, e aquelas que nascem com a deficiência de um fator do complemento chamado C1Q.
“É preciso ter adesão ao tratamento, pois pacientes que tomam comprimidos a longo prazo tendem a desistir deles gradativamente, e isso faz com que a doença retorne com seu grau de atividade. O uso de protetor solar, atividade física e alimentação saudável tem que ser constante”, destaca.
Os tipos de lúpus
Esse tipo de lúpus fica limitado à pele da pessoa. Pode ser identificado com o surgimento de lesões avermelhadas com tamanhos, formatos e colorações específicas na pele, especialmente no rosto, na nuca e/ou no coro cabeludo.
Esse tipo de lúpus é o mais comum e pode ser leve ou grave, conforme cada situação. Nessa forma da doença, a inflamação acontece em todo o organismo da pessoa, comprometendo vários órgãos ou sistemas, além da pele, como rins, coração, pulmões, sangue e articulações.
Essa forma do lúpus também é comum e acontece porque substância de algumas drogas e/ou medicamentos podem provocar inflamação com sintomas parecidos com o lúpus sistêmico. No entanto, a doença, nesse caso, tende a desaparecer assim que o uso da substância terminar.
Esse tipo de lúpus é bastante raro e afeta filhos recém-nascidos de mulheres que têm lúpus. Normalmente, ao nascer, a criança pode ter erupções na pele, problemas no fígado ou baixa contagem de células sanguíneas, mas esses sintomas tendem a desaparecer naturalmente após alguns meses.
Ele ainda ressalta a importância de uma avaliação profissional adequada que vai fazer o rastreamento de lesões de órgãos alvos periodicamente. Além disso, o histórico de cada paciente está relacionado com a sua trajetória de vida.
“O paciente que tem lúpus, mesmo em remissão, não precisa ficar usando máscara, ficar dentro de casa, escondido, nada disso. Mesmo que esse publico seja mais suscetível a desenvolver resfriados, gripes e pneumonia, por conta dos imunossupressores, esse isolamento não seria nada benéfico”, finaliza.
Conhecida por Lana, a professora Francilânia Nunes, de 47 anos, vive uma realidade desafiadora e marcada por dores em todo seu corpo há quase uma década. Foi em meados do final de 2016, aos 38 anos, que a mãe de três filhos foi diagnosticada com lúpus.
Tudo começou com as fortes crises de dores da sua fibromialgia, que já era presente em sua vida na época. Desconfiando dessa piora, ela procurou um reumatologista que, com uma bateria de exames, fez a descoberta. Foi nesse momento que Lana viu seu mundo desabar.
“É uma doença sem cura, eu estava em um momento de crise quando pesquisei sobre ela. A depressão e ansiedade me dominou, eu não sei de onde tirei forças para consegui sair, mas tive que recorrer à medicação e acompanhamento psiquiátrico”, relembra.
Em seu relato, ela descreve como foi difícil o processo de aceitação do diagnóstico e de uma vida baseada em tratamentos e medicações frequentes. Além disso, o ganho e a perda de peso rápidas dele começou a ser algo constante.
Principais sintomas do lúpus
“Eu tinha que estar ali sabendo que alguns casos chegaram ao extremo, onde as pessoas não passavam de 50 anos. Você começa realmente a se questionar: será que vou aguentar? Será que vou passar de tal idade? Será que vou ver meus filhos crescerem?”, comenta.
A adaptação das dores, que aumentavam de formas migratórias e sumiam de repente, além das noites sem dormir e a dependência dos medicamentos foram obstáculos que Lana começou a enfrentar. Foi só após o diagnóstico que ela descobriu que duas primas também tinham lúpus — uma faleceu ainda na fase adulta.
“Eu tive síndrome do pânico, depressão, tive tudo, isso mexe com a nossa cabeça. Às vezes, você não sabe se tá começando a ter um infarto ou se é só um momento de crise, até você começar a conhecer o seu corpo. É um processo de mais de 2 anos, muito angustiante e desesperador”, desabafa.
A médica psiquiatra e especialista em terapia cognitivo comportamental, Isadora Gregório, esclarece que o diagnóstico de uma doença crônica e imprevisível, como o lúpus, gera sintomas de ansiedade, isolamento social, estresse e frustrações que podem levar a sentimentos de desesperança e tristeza.
“O processo de aceitação não ocorre da noite para o dia, é importante ser paciente consigo mesmo e entender que a adaptação leva tempo. Ter uma rede de apoio, suporte emocional, acompanhamento psicológico e acesso a informações confiáveis que ajudam nessa aceitação”, clarifica.
Segundo ela, um tratamento médico recomendado, no qual o paciente vai ter um alívio da dor e do desconforto com as orientações necessárias, ajuda na diminuição da carga de estresse e ansiedade, minimizando esses efeitos.
“Nem sempre será possível chegar a uma remissão completa da dor, então práticas como mindfulness, atenção plena, e técnicas de meditação podem ajudar a focar no momento presente. A psicoterapia individual, grupos terapêuticos e/ou de apoio e estratégias para a expressão não-verbal das emoções também ajudam”, afirma.
O tratamento de Lana foi marcado por muitas medicações, injeções e suporte emocional. No seu caso, a doença se manifestou com inflamação dos órgãos internos e da pele. Os sintomas começaram a aparecer em 2024, com febre, muitas dores e inchaço na garganta, algo resolvido na infância e que retornou devido à doença.
Já os rins são os órgãos mais afetados; a dor só pode ser controlada com analgésicos, em vez de anti-inflamatório. Lana está há 5 meses com dores no joelho, além de inchaços. Suas dores costumam aparecer em momento de muito estresse, calor, frio e em períodos de viroses.
“Tive que entender o que meu corpo consegue controlar e o meu emocional vai ter que começar a trabalhar. Já cheguei ao ponto de ter convulsão. Tenho que ir direto na emergência, onde além do risco de contrair uma nova bactéria, geralmente os médicos não entendem o que é o lúpus”, revela.
A psiquiatra Isadora Gregório explica que o estresse afeta o sistema imunológico, podendo desencadear ou piorar os surtos de doenças. Por isso, é fundamental o seu manejo com práticas de relaxamento, como respiração consciente e relaxamento muscular progressivo.
“É preciso aprender a reconhecer os sinais do corpo e evitar sobrecarga física e emocional. Chamamos isso de pacing, gerenciamento da energia, onde você divide as tarefas ao longo do dia, reservando períodos de descanso, e não se pressionando para realizar tudo de uma vez”, aconselha.
Manter atividade física moderada regularmente, fazer higiene do sono e cuidados com a alimentação são práticas indispensáveis para quem vive essa realidade, conforme a especialista.
Ela ainda ressalta que essas pessoas vivem com incerteza do futuro, com medo e apreensão, agravando o quadro de ansiedade, e que o processo inflamatório do lúpus, o fator biológico e o uso de alguns medicamentos do tratamento podem causar sintomas depressivos.
“Em casos mais graves, o lúpus pode afetar o sistema nervoso central (conhecido como neuro-lúpus), resultando em psicose, caracterizado pela presença de delírios e/ou alucinações. Isso ocorre quando a inflamação e os processos autoimunes afetam o cérebro e os nervos”, conclui.
Evitar exposição ao sol, maquiagens e multidões, além de perder a socialização, foram uma das consequências na vida de Lana, sem contar a luta diária em seu trabalho. Ela relembra do momento da gravidez de seu terceiro filho, o pequeno Guilherme, de 5 anos, que aconteceu depois do diagnóstico.
A gravidez foi de risco e o tratamento teve que ser deixado de lado durante o período, quando enfrentou uma apendicite e as fortes dores provocadas pelo lúpus. “Queriam fazer a cirurgia da retirada do apêndice, mas era muito risco. Bati de frente e me dei alta, ela desapareceu com um tempo”, diz.
Em 2023, Lana Nunes virou produtora cultural de eventos de rock no cenário fortalezense. Sua escolha veio como uma forma de procurar cuidar de sua mente e enfrentar a realidade vivida pelo lúpus, que como ela mesmo define “foi como sentir um alívio, um salva-vidas”.
Apesar das fortes dores nas articulações que estão piorando e os fortes medicamentos, Lana continua vivendo cada dia de uma vez, com esperança, e cuidando de seu filho mais novo. Só os dois moram juntos atualmente, mas a família é como suporte para ela.
“Estou viva. Preciso sentir algo para além da medicação e da dor. Meus filhos mais velhos cuidam de mim como podem, às vezes me distraindo das crises com uma simples ligação. Dói até quando subo nas escadas da minha casa, mas quando penso em desistir de tudo sempre lembro de meus filhos”, afirma.
Para quem vive essa realidade, ela aconselha acreditar no tratamento, lembrar que há vida para além das dores e aproveitar a remissão da doença.
“Você pode aprender a se autoconhecer e a conviver com ela. Tem o luto do diagnóstico, mas é preciso seguir. Anote os momentos de dores, onde você mais sente, como o seu corpo reage e como o seu emocional lida com isso. Filtre as informações certas”, conclui.
Ponto de vista
por Rafael Santana*
A lúpus é uma realidade recente em minha casa. Minha mãe, Cicera Ferreira, de 52 anos, recebeu o diagnóstico ano passado, em 2024.
Para uma mulher que sempre foi independente e ocupava um lugar de solucionadora dos problemas da família, se viu limitada em diversos aspectos de sua vida. Ela mora na cidade de Crato, região do Cariri, e um dos seus maiores desafios foi a não exposição ao sol.
Sua pele branca fica frequentemente avermelhada, além dos sangramentos pelo nariz em momentos agitados. As dores? Foram agravadas com a doença, pois ela já sentia com a fibromialgia. Febre e um cansaço repetindo a fazendo dormir uma tarde com mais frequência.
Até onde sabemos não existe caso parecido em nossa família, e o lúpus que ela vivencia pode ter sido desencadeado pela alta exposição ao sol, devido ao trabalho no passado, além do estresse em criar duas crianças especiais (meus irmãos).
A vida da minha mãe é atravessada por muita luta pela sobrevivência, e essa nova fase não foi diferente. Atualmente, ela segue na luta para conseguir as injeções e os exames, considerados caros para a nossa realidade.
Em nosso último encontro, ela admitiu "que não caiu a ficha até agora”, diz ela em frente ao mar à noite, único horário que conseguimos ir. Naquele momento, minha mãe decidiu viver a vida e aproveitar cada momento, foi o que ela me prometeu.
Hoje, ela está na academia e segue sorrindo, mesmo sentindo dores em seu corpo diariamente.
*Rafael Santana é estagiário de Ciência e Saúde e estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Ceará (UFC)