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Lesão, desamparo e Justiça: a realidade de atletas do futebol cearense exposta no Tribunal
Reportagem Especial

Lesão, desamparo e Justiça: a realidade de atletas do futebol cearense exposta no Tribunal

A falta de infraestrutura e a negligência institucional revelam a fragilidade da carreira no futebol de base a partir da trajetória de dois jovens jogadores. Wrian e Weslei denunciam a violação de seus direitos trabalhistas por parte de um clube cearense, exigindo justiça contra um sistema que os deixou desamparados no momento mais crítico de suas carreiras. Suas histórias revelam as dificuldades enfrentadas por atletas em todo o Brasil

Lesão, desamparo e Justiça: a realidade de atletas do futebol cearense exposta no Tribunal

A falta de infraestrutura e a negligência institucional revelam a fragilidade da carreira no futebol de base a partir da trajetória de dois jovens jogadores. Wrian e Weslei denunciam a violação de seus direitos trabalhistas por parte de um clube cearense, exigindo justiça contra um sistema que os deixou desamparados no momento mais crítico de suas carreiras. Suas histórias revelam as dificuldades enfrentadas por atletas em todo o Brasil
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Longe das grandes arenas internacionais, em um cenário promissor para muitos jovens em todo o Brasil, o sonho de alcançar a glória no futebol por vezes esbarra em frustrações. Diante de uma realidade dura, com gramados de baixa qualidade, salários modestos e infraestrutura precária, as esperanças de ascensão convivem com as incertezas diárias, transformando o que deveria ser o início de uma carreira de sucesso em uma luta por direitos.

Na busca por suas conquistas pessoais com a bola nos pés, dois jovens se viram imersos nesse contexto logo em seus primeiros contratos profissionais, firmados com um clube que igualmente tenta seu crescimento no futebol cearense. Apesar de apresentarem bom desempenho dentro de campo, esses jogadores tornaram-se protagonistas de uma história que reflete a difícil trajetória de muitos outros no cenário esportivo brasileiro.

Após assinarem com o Grêmio Recreativo Pague Menos, hoje conhecido como Cefat Tirol, o volante Wrian da Silva Santos de Oliveira e o atacante Márcio Weslei Silva Santos tiveram seus contratos antecipadamente encerrados enquanto ainda passavam por tratamentos médicos devido a lesões sofridas em campo. A dupla recorreu à Justiça alegando violação de seus direitos trabalhistas e agora exige do clube indenizações que, somadas, superam R$ 1,5 milhão.


Documentos obtidos pelo O POVO+ revelam detalhes dos processos que tramitam na Justiça do Trabalho, incluindo contratos, gravações e a batalha jurídica dos atletas pelo reconhecimento de seus direitos. Em uma verdadeira luta por reparação, a dupla aponta irregularidades, negligência e desamparo logo após sofrerem lesões ao defender as cores azul, preto e branco da equipe cearense.

De acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), solicitados pela reportagem, entre 2020 e 2025, a Corte já julgou 273 casos envolvendo clubes das Séries A e B do Campeonato Brasileiro. Além do mais, os números revelam que mais de 8,8 mil casos já foram tratados em 1ª e 2ª instâncias envolvendo os 40 maiores times do futebol nacional entre 2020 e início de 2025.

 

 

Atletas acionam Justiça contra time cearense por demissão indevida

Nos grandes centros do futebol mundial, o glamour, o dinheiro e os holofotes transformam atletas de diferentes origens em verdadeiras celebridades. Por outro lado, nos pequenos clubes, a realidade é bem menos reluzente. Com salários modestos e estruturas muitas vezes precárias, o campo de jogo se torna não apenas local de competitividade esportiva, mas também espaço de ambições, incertezas e sonhos que nem sempre se concretizam.

Em Fortaleza, essa realidade se impõe com desafios constantes, especialmente nos clubes de menor expressão. Exemplo disso são as trajetórias de Wrian da Silva Santos de Oliveira e Márcio Weslei Silva Santos, ex-jogadores do Grêmio Recreativo Pague Menos, equipe cearense que hoje atende pelo nome de Centro de Formação de Atletas do Tirol SAF (Cefet Tirol).

Além do desejo de construir carreira no esporte, Wrian e Weslei compartilham um destino comum a muitos atletas: as lesões. No caso deles, porém, há um agravante. Ambos tiveram seus contratos rescindidos dias antes do prazo previsto, por decisão unilateral do clube, enquanto ainda se recuperavam das contusões sofridas. O encerramento precoce dos vínculos os deixou desamparados no meio do tratamento médico, acendendo um alerta sobre a vulnerabilidade dos jogadores que atuam fora dos grandes palcos.

Ainda em processo de recuperação, Wrian teve seu contrato rescindido pela equipe cearense(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Ainda em processo de recuperação, Wrian teve seu contrato rescindido pela equipe cearense

O primeiro a ficar longe dos gramados foi Wrian. Com carreira marcada pela ascenção, lesão e uma disputa judicial, ele é natural de Aracaju, em Sergipe, e atua nas quatro linhas do campo como volante. Ele assinou seu contrato com o time cearense em julho de 2022 para receber um salário de R$ 2.000, não demorando muito para mostrar um bom desempenho com a bola nos pés.

Titular da equipe campeã Cearense Sub-20 de 2022, responsável por uma campanha com 12 vitórias, dois empates e duas derrotas, Wrian brilhou com a camisa do Tirol. Foram 14 jogos de destaque naquela temporada, os quais lhe renderam até uma proposta de R$ 400 mil por seus direitos federativos e esportivos para jogar pelo Ceará Sporting Club.

Apesar da proposta, Wrian não se transferiu e permaneceu no Tirol para o ano seguinte, quando começaria também a disputar a Série B do Cearense, já no futebol profissional. Em 14 de março de 2023, no entanto, durante uma partida contra o Itapipoca pelo torneio estadual, Wrian sofreu uma grave lesão: o rompimento total do ligamento cruzado anterior (LCA) no joelho direito.

O incidente o afastou das atividades e desencadeou um impasse entre atleta e clube. No início, Wrian foi imediatamente submetido ao protocolo Price (Proteção, Repouso, Gelo, Compressão e Elevação), além de receber medicação anti-inflamatória. Uma ressonância magnética também foi prontamente providenciada pelo clube, confirmando a ruptura completa do LCA e outras lesões associadas.

Captura de tela de email recebido pelo Cefat Tirol com uma carta proposta para Wrian jogar no Ceará Sporting Club(Foto: Via WhatsApp O POVO)
Foto: Via WhatsApp O POVO Captura de tela de email recebido pelo Cefat Tirol com uma carta proposta para Wrian jogar no Ceará Sporting Club

Diante da gravidade da contusão, um tratamento mais invasivo foi considerado absolutamente necessário e Wrian foi submetido a uma cirurgia de reconstrução por vídeo em 18 de maio. Durante a operação, foi detectada e tratada ainda uma lesão em "flap" do menisco medial, que não havia sido identificada na ressonância inicial. O médico do clube, que acompanhou o procedimento, considerou a cirurgia um sucesso.

Agora seriam necessários seis meses de recuperação, que incluia sessões de fisioterapia pós-operatória de forma intensiva nas instalações do clube. No entanto, durante esse período, Wrian foi surpreendido com sua demissão em 18 de outubro de 2023.

Em áudio anexado ao processo trabalhista, o presidente do clube, Savyo de Paula, comunicou que o contrato não seria renovado e se encerraria naquele mesmo dia – apesar de o acordo inicial demarcar 31 de dezembro de 2023 como a data final do vínculo. Ainda assim, o dirigente afirmou que o jogador continuaria recebendo salários até a liberação médica, mesmo sem mais nenhum vínculo empregatício em vigor.

Isto é, além de estar em recuperação de uma lesão grave, o atleta se viu na prática desempregado, sem garantias e longe de sua cidade natal. Apenas com uma promessa “de boca” de que continuaria recebendo um salário que agora também passaria a ser utilizado para bancar por conta própria suas terapias de recuperação.

Para completar, Wrian afirma que não recebeu a indenização do Seguro Obrigatório, uma vez que o clube não teria registrado a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) "CAT é um documento que formaliza acidentes ou doenças ocupacionais, sendo emitido pela empresa para registrar o ocorrido junto ao INSS e garantir os direitos do trabalhador" ; bem como o pagamento da cláusula compensatória desportiva prevista na Lei Pelé (Lei nº 9.615/98) devido à rescisão antecipada do contrato. De imediato, o jogador buscou a Justiça.

De Senhor do Bonfim, na Bahia, Weslei recebeu o convite para jogar pelo Cefat Tirol em 2022(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal De Senhor do Bonfim, na Bahia, Weslei recebeu o convite para jogar pelo Cefat Tirol em 2022

Então companheiro de clube de Wrian, Weslei também vivenciou um pesadelo parecido no Tirol. De Senhor do Bonfim, na Bahia, ele recebeu o convite para jogar pelo clube cearense em 2022. Aos 18 anos, ele vinha de uma das bases mais renomadas do Brasil, a do Santos, e assinava seu primeiro contrato profissional para atuar pelo Tirol.

Era a concretização de um sonho infantil, que rapidamente se tornou realidade com boas atuações tanto no Sub-20 quanto na Série B do Campeonato Cearense entre 2022 e 2023. Em poucos jogos, mostrou seu instinto de goleador, balançando as redes adversárias e acumulando 16 gols em 41 partidas ao longo desses dois anos.

Com um bom futebol, a ideia de receber propostas de clubes maiores, de centros esportivos nacionais e até internacionais, começava a surgir em sua mente de forma quase natural. Seu brilho nos gramados parecia estar prestes a se refletir também fora deles, trazendo melhorias não apenas para sua carreira, bem como para sua família. O sonho juvenil de jogar profissionalmente e ajudar os seus estava mais próximo do que nunca de se tornar realidade.

Aos 18 anos, Weslei veio para o futebol cearense após passar pela base do Santos, uma das mais renomadas do Brasil(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Aos 18 anos, Weslei veio para o futebol cearense após passar pela base do Santos, uma das mais renomadas do Brasil

Mas por ser o futebol um esporte de contato físico, até mesmo em atividades simples do dia a dia os jogadores ficam suscetíveis aos contratempos. E foi isso que aconteceu em 18 de julho de 2023, conforme relembra Weslei. “Foi numa terça-feira, durante o treino regenerativo. Colocaram um campo reduzido e nesse treino eu torci o joelho", relata, detalhando ter sentido uma forte dor na perna direita, o que lhe tirou da atividade.

Weslei logo recebeu atendimento médico do clube, sendo avaliado e levado para a realização de exames, bem como encaminhado à fisioterapia, onde começou tratamento com gelo. Os diagnósticos foram difíceis de serem digeridos: uma ruptura de grau 2 do ligamento cruzado posterior e ligamento colateral medial do joelho direito.

Os diagnósticos de Weslei foram de uma ruptura de grau 2 do ligamento cruzado posterior e ligamento colateral medial do joelho direito(Foto: Acervo pessoal / Imagens anexadas ao processo)
Foto: Acervo pessoal / Imagens anexadas ao processo Os diagnósticos de Weslei foram de uma ruptura de grau 2 do ligamento cruzado posterior e ligamento colateral medial do joelho direito

A previsão para esse tipo de condição é de pelo menos seis meses para voltar às atividades com bola, principalmente porque a equipe médica do clube optou por um tratamento mais conservador. Ou seja, nada de cirurgias, somente trabalho de fortalecimento dos músculos do quadríceps e adutores, além de sessões de fisioterapia nas instalações do próprio time.

Weslei relata, porém, que o tratamento recebido não foi dos melhores, pois havia muitos atletas em processo terapêutico para poucos profissionais, o que dificultava sua recuperação. "Eram uns 15 atletas na fisioterapia para um profissional. Era muito difícil. Eu chegava às 14 horas, o tratamento começava às 15h10min, 15h30min. Não era um tratamento adequado, era tudo fora de controle", desabafa.

Com boas atuações, Weslei disputou o Sub-20 e a Série B do Campeonato Cearense entre 2022 e 2023(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Com boas atuações, Weslei disputou o Sub-20 e a Série B do Campeonato Cearense entre 2022 e 2023

Apesar de inicialmente fornecer recursos para o tratamento, o clube aos poucos começou a parar de prestar auxílio médico, segundo aponta o jogador. Além do mais, não teria sido emitido pelo time o CAT, o qual garantiria a Weslei a possibilidade de recebimento do Auxílio Doença.

Diante dessa situação, o jogador buscou tratamento particular com o apoio de Werner Feitosa, advogado que faz sua gestão jurídica e de outros atletas (entre eles Wirian). O clube, por sua vez, teria alertado que, caso um outro tratamento acontecesse fora das instalações da agremiação, qualquer eventualidade, como o agravamento ou novas lesões, seriam de responsabilidade do próprio jogador.

Em meio a essa sucessão de episódios de desgaste, Weslei diz já ter ficado desconfiado sobre o que poderia acontecer sobre seu futuro no clube, o qual tinha como data de encerramento originalmente marcada para 31 de dezembro de 2023. O que era receio, porém, não demorou para se concretizar na prática.

A poucos dias do fim do contrato, Weslei diz ter sido surpreendido pelo próprio presidente Savyo de Paula, que o comunicou sobre o encerramento do vínculo. Em uma conversa com o dirigente, gravada de maneira escondida em 18 de dezembro de 2023, Weslei é informado que receberia do setor pessoal do clube os termos da rescisão para assinatura ainda naquela semana, justificando a antecipação pelo fato de o clube não funcionar na semana seguinte.

 

 

Jogadores cobram indenizações após demissão

A rescisão contratual antecipada dos dois jogadores pelo Tirol levou a disputas judiciais que escancaram questionamentos sobre direitos trabalhistas e desportivos no Brasil. Wrian da Silva Santos de Oliveira e Marcio Weslei Silva Santos passaram a travar batalhas nos tribunais para garantir compensações após suas dispensas, em um cenário que evidencia os desafios enfrentados por atletas profissionais quando desligados de seus clubes.

No caso de Wrian, sua ação trabalhista pleiteia uma indenização inicial de R$ 980.188 e já obteve decisões favoráveis em instâncias inferiores da Justiça do Trabalho. O jogador alega que foi demitido em 18 de outubro de 2023, mesmo estando em período de estabilidade provisória devido a um acidente de trabalho sofrido em 14 de março do mesmo ano.

Wrian foi titular da equipe do Sefat Tirol durante a campanha campeã do Campeonato Cearense Sub-20 de 2022(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Wrian foi titular da equipe do Sefat Tirol durante a campanha campeã do Campeonato Cearense Sub-20 de 2022

Wrian argumenta que o clube não emitiu a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) nem efetuou o pagamento do seguro obrigatório previsto no artigo 45 da Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé). Pela legislação, os clubes são obrigados a contratar seguro de vida e de acidentes de trabalho, visando amparar os riscos decorrentes da atividade dos atletas profissionais de futebol, garantindo uma indenização em caso de lesão ou morte.

Isso acontece porque o atleta depende de sua plena aptidão física para desempenhar sua atividade laboral. Desse modo, o objetivo da indenização visa amenizar o futuro impedimento ou a limitação ao trabalho devido os riscos aos quais os atletas se sujeitam durante a prática desportiva profissional.

Na ação judicial, obtida pelo O POVO+, a defesa do Tirol sustenta que o seguro foi pago e que não havia obrigatoriedade de indenização por incapacidade temporária, contestando a necessidade da CAT e a alegação de estabilidade, afirmando que o próprio atleta teria concordado com os termos da rescisão.

Por outro lado, a Justiça do Trabalho, em primeira instância, condenou o clube, decisão mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-7). O caso agora segue para o Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília, última instância da Justiça do Trabalho.

Weslei alega na ação que foi dispensado do Cefat Tirol antes de cumprir completamente seu Contrato Especial de Trabalho Desportivo, e, por isso, deveria ter sido mantido com estabilidade no emprego(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Weslei alega na ação que foi dispensado do Cefat Tirol antes de cumprir completamente seu Contrato Especial de Trabalho Desportivo, e, por isso, deveria ter sido mantido com estabilidade no emprego

Já Marcio Weslei Silva Santos entrou com uma reclamação trabalhista no valor de R$ 699.713,85 após a rescisão de seu contrato. Na ação, o atleta alega que foi dispensado antes de cumprir integralmente seu Contrato Especial de Trabalho Desportivo e que, por isso, deveria ter sido mantido sob estabilidade. Ele pleiteia o pagamento de uma multa compensatória calculada com base em seu salário da época (R$ 1.373,60) multiplicado por 400.

Na ação, o advogado do Tirol na ação, Ranieri Mena Barreto, contesta as alegações e afirma que o pagamento das verbas salariais ao atleta dispensou a necessidade de acionamento do seguro do INSS. Segundo a defesa, o afastamento com emissão de CAT poderia prejudicar contratos de patrocínio, sendo uma decisão "bilateralmente pactuada e inerente à atividade de atleta profissional".

O processo de Weslei tramita na 4ª Vara do Trabalho de Fortaleza, vinculado a outra ação trabalhista. Audiências foram marcadas e adiadas por motivos diversos. Em primeira instância, Weslei obteve sentença favorável, estando agora no prazo para recurso ao TRT-7.

Procurado pelo O POVO+, o Tirol prontamente respondeu aos questionamentos da reportagem sobre as ações trabalhistas movidas por Wrian e Weslei. A equipe destacou que a Justiça Trabalhista, em primeira instância, reconheceu apenas 5% dos pedidos feitos pelos jogadores contra o clube, reduzindo significativamente os valores pleiteados.

Em resposta ao O POVO+, o Tirol respondeu questionamentos a respeito dos processos trabalhistas movidos pelos atletas Wrian e Weslei(Foto: Instagram / Tirol Cefat)
Foto: Instagram / Tirol Cefat Em resposta ao O POVO+, o Tirol respondeu questionamentos a respeito dos processos trabalhistas movidos pelos atletas Wrian e Weslei

Além do mais, o Tirol ressaltou que ambos os atletas passaram a atuar profissionalmente por outro clube já em janeiro deste ano, demonstrando plena recuperação física. O clube também ressaltou que sua estrutura passou por um processo de profissionalização após a transição para o modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF), garantindo maior conformidade jurídica e otimização de recursos.

Abaixo, as respostas enviadas pelo clube na íntegra, com ajustes ortográficos para maior clareza.

O POVO+: Ambos alegam que foram dispensados antes do fim do período de estabilidade, previsto pela legislação trabalhista. O clube considera que os desligamentos respeitaram a legislação vigente?

Tirol: Sim. No caso de um dos atletas, sequer houve desligamento, pois ele não teve o contrato rescindido. No segundo caso, o próprio Poder Judiciário definiu que a rescisão ocorreu quando o atleta já estava recuperado e apto a jogar.

O POVO+: A defesa dos atletas aponta que não houve pagamento do seguro de acidente de trabalho, previsto pela Lei Pelé. O clube confirma esse pagamento? Se sim, poderia detalhar como foi feito?

Tirol: O pagamento do seguro ocorre em caso de dano efetivo. Os atletas foram tratados e recuperados, tendo posteriormente atuado em ligas profissionais de elite fora do país. O acionamento do seguro está vinculado a essa condição. Além disso, todos os atletas do Tirol possuem seguro.

Tirol defende que rescisão aconteceram qando os atletas já estavam recuperados e aptos a jogar(Foto: Instagram / Tirol Cefat)
Foto: Instagram / Tirol Cefat Tirol defende que rescisão aconteceram qando os atletas já estavam recuperados e aptos a jogar

O POVO+: No caso de Wrian, ele alega que o clube não emitiu a CAT após sua lesão. O Tirol entende que não havia necessidade dessa comunicação?

Tirol: Existe uma máxima no direito que determina que as pessoas devem ser tratadas de forma igualitária, considerando suas necessidades. No futebol, a emissão da CAT implica o afastamento do atleta para recebimento de remuneração pelo INSS. No entanto, no futebol profissional, essa prática é inviável, pois os jogadores precisam estar sob os cuidados das equipes, onde recebem salários geralmente superiores ao benefício previdenciário, devido a contratos acessórios, como o de direito de imagem.

O POVO+: A defesa do clube argumenta que os atletas concordaram com os termos da rescisão. Houve algum documento assinado por eles atestando essa concordância?

Tirol: Os contratos eram por prazo determinado. No caso de Márcio Weslei, sequer houve rescisão, mas sim abandono de emprego. O clube certificou o chamamento dele via postal e extrajudicial, sem resposta. Já no caso de Wrian, o contrato encerrou conforme o prazo previsto, não havendo dispensa, apenas o término natural do vínculo.

O POVO+: O clube avalia que essas ações trabalhistas podem impactar sua gestão financeira, uma vez que, somadas, as reivindicações dos atletas ultrapassam R$ 1,5 milhão? Há alguma estratégia para evitar novos litígios trabalhistas no futuro?

Tirol: A legislação permite que qualquer pessoa faça os pedidos que desejar, mas, na prática, embora os valores inicialmente somassem esse montante, as sentenças já reduziram o montante em R$ 1.460.000, restando apenas valores salariais correspondentes ao período entre a rescisão e o fim da estabilidade. Isso, inclusive, está em grau de recurso.

Ou seja, esse valor deve diminuir ainda mais, indicando uma redução de mais de 95%, podendo chegar à totalidade. Quanto aos impactos, desde sua transição para SAF, o Tirol tem investido na profissionalização de todos os setores e na adoção de medidas modernas de conformidade. Apesar de ser um projeto social, focado na transformação da comunidade do Pirambu e na formação humana dos atletas e suas famílias, o clube busca excelência na gestão do futebol, garantindo que sua performance esportiva continue impactando positivamente a comunidade.

 

 

“Não deixem o medo superar a coragem de lutar”

A defesa dos direitos trabalhistas no futebol profissional é essencial para garantir condições justas aos jogadores, especialmente diante de situações parecidas com as vivenciadas por Wrian e Weslei. Diante disso, surge a necessidade de que atletas estejam em alerta constante sobre seus próprios direitos, bem como buscarem respaldo legal quando necessário.

Presidente do Sindicato dos Atletas de Futebol Profissional do Estado do Ceará (Safece), Marcos Gaúcho comenta que, no contato constantes com os jogadores, são realizadas orientações e possibilidades de apoio jurídico e trabalhista quando necessário. “Estamos sempre à disposição para prestar assistência aos atletas que nos procuram", afirma.

Ele destaca que o conhecimento prévio sobre os direitos trabalhistas, garantidos pela CLT, é fundamental para evitar abusos, e que o sindicato busca soluções extrajudiciais antes de recorrer à Justiça. A conscientização dos atletas sobre seus direitos e deveres, inclusive, estaria entre as iniciativas da Safece que, anualmente, realiza visitas aos clubes e promove eventos para munir os jogadores de conhecimento para que possam identificar e se sentir mais seguros para reivindicar seus direitos quando preciso.

"O medo existe, mas não pode ser maior do que a necessidade de lutar pelos próprios direitos. Clubes sérios enxergarão isso com bons olhos" Werner Feitosa, advogado

Mesmo com isso, em casos em que haja a necessidade de o sindicato agir em defesa de um atleta, Marcos Gaúcho afirma que, primeiramente, a própria Federação Cearense de Futebol (FCF) e os clubes são procurados para tentar resolver o assunto. “Mas quando precisamos da esfera jurídica, sempre tivemos apoio do MPT (Ministério Público do Trabalho), em audiências que foram em sua grande maioria, a favor das nossas reivindicações”, pontua.

Werner Feitosa é advogado especializado na gestão jurídica de atletas, auxiliando na profissionalização deles no futebol(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Werner Feitosa é advogado especializado na gestão jurídica de atletas, auxiliando na profissionalização deles no futebol

Já o advogado Werner Feitosa, que atua na gestão jurídica de atletas que estão em busca de sua profissionalização no futebol, há uma necessidade especial em garantir direitos trabalhistas sobretudo para jovens que, muitas vezes, não possuem estrutura financeira suficiente para enfrentar disputas jurídicas contra clubes. Para ele, a luta pela busca de direitos não se resume a valores financeiros, mas ao respeito à dignidade dos atletas.

Segundo o advogado, a legislação trabalhista garante estabilidade de um ano após a recuperação de uma lesão, inclusive para jogadores de futebol. "Eles têm direito a esse período de estabilidade e às remunerações correspondentes”, esclarece, reconhecendo ainda, por outro lado, que mover processos do trabalhistas pode gerar receio de represálias por parte de outros clubes.

“O medo existe, mas não pode ser maior do que a necessidade de lutar pelos próprios direitos. Clubes sérios enxergarão isso com bons olhos", afirma. Werner também critica a lógica empresarial de algumas equipes, que tratam jogadores como ativos descartáveis. "Enquanto geram lucro, recebem atenção. Mas, ao se lesionarem, tornam-se apenas um prejuízo", lamenta.

Para Werner, além de buscar reparação, as ações movidas contra empregadores que descumprem as leis trabalhistas servem como alerta para outros atletas e trabalhadores em geral. "Não deixem o medo superar a coragem de lutar. A Justiça existe para garantir direitos, e é preciso ter voz para reivindicá-los", conclui.

Meses após serem desligados do Tirol, Wrian e Weslei assinaram novos contratos com outros clubes. Atualmente, Wrian atua pelo Barcelona-RO, enquanto Weslei joga pelo Tiradentes-CE.

 

 

Os conflitos trabalhistas que dominam os tribunais

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem sido palco de uma série de decisões que refletem as questões mais recorrentes nas disputas trabalhistas no Brasil. A partir de dados obtidos diretamente com a Corte, é possível traçar um panorama das questões que mais geram litígios entre jogadores e os principais clubes do futebol brasileiro.

De acordo com as informações compartilhadas com O POVO+, temas como o pagamento das verbas rescisórias, multas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a questão do FGTS figuram como os principais pontos de disputa.

Entre os tópicos mais prevalentes, as multas do artigo 477 da CLT, que tratam do não pagamento das verbas rescisórias no prazo estipulado, se destacam, com 3.325 registros. Esse número reflete uma constante preocupação com o cumprimento das normas que asseguram o direito do trabalhador de receber as verbas devidas após o término do vínculo empregatício.

A multa prevista no artigo 467, que se refere ao pagamento das verbas incontroversas, também ocupa uma posição relevante, com 2.603 casos. Essas multas visam garantir que o trabalhador não seja prejudicado pela inadimplência da empresa, e seu volume expressivo de processos demonstra que a efetivação desses direitos ainda é um desafio no universo trabalhista dos jogadores.

 

Assuntos dos processos julgados a partir de 2020 e pendentes em janeiro de 2025

 

Os dados fornecidos pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) também revelam o número de processos julgados entre 2020 e 2025, mostrando uma tendência de aumento na quantidade de litígios, principalmente nas instâncias de 1º grau e 2º grau. Em 2020, foram julgados 784 processos no 1º grau, 658 no 2º grau e 37 no TST. Em 2021, o número de processos aumentou, com 874 processos no 1º grau, 772 no 2º grau, e 63 no TST.

O ano de 2022, porém, foi o que mais registrou aumento de processos julgados no 1º grau, com 1.022 processos no 1º grau, 983 no 2º grau, e 45 no TST. O alto número de casos continuou em 2023, com 896 processos no 1º grau, enquanto que no 2º grau houve um salto para 1.139 processos.

Já em 2024, houve uma leve queda nos números, mas com 727 no 1º grau, 945 no 2º grau, e 58 no TST. Até o começo de março de 2025, os números registrados são de 25 processos no 1º grau, 25 no 2º grau e 6 no TST.

 

Processos pendentes e julgados: comparativo de 2020 a 2025

 

De modo geral, há um total significativo de processos ainda pendentes, em janeiro de 2025, em diferentes fases. A maior parte desses casos encontra-se na fase de cumprimento de sentença no 1º grau, com 1.784 processos aguardando a execução das decisões. A fase de conhecimento no 1º grau, que refere-se à fase inicial onde se analisa o mérito das questões, possui 402 processos pendentes.

No 2º grau, onde as decisões das instâncias inferiores são reavaliadas, há 262 casos pendentes, enquanto no TST, a instância superior, são 55 processos ainda aguardando julgamento.

 

Ações ainda pendentes em janeiro de 2025

 

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