Quem acompanha o esporte mais popular do País, mesmo que de maneira superficial, provavelmente já ouviu falar de algum “galo”, “leão” ou até mesmo “vovô”.
Esses personagens, que cativam as crianças, animam os adultos e contribuem para as festas nos estádios de futebol, são chamados de mascotes, os quais carregam identidades e significados que refletem a história, os valores e a paixão que envolvem as equipes e seus torcedores.
O termo mascote faz referência a uma opereta francesa de 1880, chamada
Com o passar do tempo, principalmente após as mudanças trazidas pela Revolução Industrial no século XX, algumas empresas e instituições passaram a buscar formas de atrair o público a consumir seus produtos e serviços. Uma dessas estratégias foi a de adotar seus próprios “talismãs comerciais”.
Não demorou muito para que essas figuras também chegassem às páginas esportivas dos periódicos, usadas principalmente como um recurso de chargistas para representar visualmente os clubes.
Para a jornalista Bruna de Souza, mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e autora do artigo “Mascote, Futebol e Imprensa”, os jornais impressos deram o primeiro passo para a construção dessa forte marca das equipes brasileiras.
“As mascotes eram uma forma que os jornais tinham de representar os jogos. Não tinha como mandar fotógrafo em todos os jogos, então na hora de escrever a crônica, se usava uma ilustração. E a mascote servia, de fato, para marcar quem era o clube”, explica a jornalista.
Além disso, a autora gaúcha conta que os mascotes passam por momentos de altos e baixos entre as eras da comunicação.
“As mascotes passam pela primeira fase, que é sua criação no jornal impresso nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Depois dá uma 'murchada', reascende a partir de 1970 com a popularização da televisão, 'amorna' novamente na década de 1990 e ressurge com a popularização da internet a partir de 2014”, detalha.
Os mascotes dos grandes eventos esportivos sediados no Brasil na década passada – Fuleco, na Copa do Mundo de 2014, e Tom e Vinícius, nas Olimpíadas do Rio de 2016 – também influenciaram um novo “boom” de popularidade.
Desde então, as representações físicas das principais figuras de cada time passaram a ter presença ativa nos estádios do País.
Apesar disso, a pesquisadora destaca que há uma diferença significativa entre os mascotes de competições e as de clubes. Enquanto os primeiros são feitos pensando em abraçar um público geral, enquanto os outros devem focar na identificação com o recorte social de sua torcida.
Mesmo surgindo com propósitos similares, os mascotes brasileiros possuem singularidades que os diferenciam, até mesmo quando são representados pelo mesmo tipo de figura.
Mapa com os 40 mascotes utilizados oficialmente nas Séries A e B
Clique nos símbolos para ter informações sobre os mascotes
Do sucesso esportivo de um histórico à defesa de bandeiras sociais, a razão de cada uma dessas alcunhas é repleta de curiosidades e simbologias, que convidam qualquer fã de esporte a conhecê-las e discuti-las. Nesta reportagem especial, O POVO+ destaca algumas das principais histórias de mascotes marcantes do nosso futebol.
A história do carismático Vovô, principal símbolo do alvinegro de Porangabuçu, possui alguns relatos de origens diferentes. A que ficou mais conhecida no imaginário popular cearense, remete aos anos de 1930.
Em depoimento ao clube, Aníbal Câmara Bonfim, um dos fundadores do América-CE, atribuiu o apelido a um fato curioso envolvendo as duas equipes. Segundo ele, alguns garotos das categorias de base do clube alvirrubro costumavam treinar no campo do Ceará, que à época era presidido por Meton de Alencar Pinto.
O presidente alvinegro teria o costume de se referir carinhosamente aos jovens como “meus netinhos”. A moda pegou e os americanos passaram a retornar o tratamento com uma alcunha familiar, popularizando a expressão “vamos treinar no Vovô”.
Essa versão, contudo, mostra algumas inconsistências cronológicas que já foram apontadas pelo próprio clube. Em artigo escrito em junho de 2020 por Pedro Mapurunga, à época diretor cultural do alvinegro, o autor traz à tona dois empecilhos para a curiosa história do mascote.
O primeiro é de que há um registro do jornal “A Razão”, de 1936, que já se referia ao Ceará como vovô, além de que, durante seu último mandato, Meton tinha menos de 40 anos de idade, o que dificulta imaginar sua caracterização como vovô, argumenta o autor.
O segundo, é que, no período, a equipe ainda não possuía sede, impossibilitando, portanto, de receber atletas de outras equipes em uma dependência que sequer existia.
Os filhos do ex-mandatário alvinegro até confirmam que o pai realmente chegou a apelidar alguns jovens atletas de “netinhos”. Entretanto, é mais plausível que o fato tenha sido influenciado pela já existência do apelido de vovô, e não o contrário. A versão adotada oficialmente pelo clube desde então é que a origem para o nome do mascote tenha surgido do simples fato da equipe ser a mais antiga do Estado.
A escolha de um imponente Leão como mascote oficial do tricolor do Pici é mais recente, se comparada a do seu principal rival. A criação é datada ao final da década de 1960 e tem autoria atribuída ao jornalista e ex-dirigente do clube, Silvio Carlos, com contribuição do também jornalista Vicente Alencar.
O motivo pela escolha do animal está envolto de simbologias semióticas relacionadas a valores esportivos e culturais que semeiam a instituição.
Algumas características do rei da savana, como dedicação e garra, foram associadas como uma homenagem aos jogadores que fizeram parte da história do tricolor cearense, além de transmitir força e tradição.
Conhecido popularmente como Juba, o principal símbolo do Fortaleza ganhou uma importante companhia no ano de 2020.
Em outubro, mês de seu aniversário de fundação, o clube anunciou oficialmente a adição de uma mascote feminina aos jogos, eventos e ações oficiais promovidos pelo tricolor, sendo uma das poucas equipes no Brasil a contar com essa iniciativa.
A leoa ganhou o nome de Stella, como uma forma de homenagear o extinto clube de mesmo nome, criado pela lendária figura de Alcides Santos, que posteriormente viria a ser base de inspiração para fundação do Fortaleza Esporte Clube, pelo mesmo mandatário.
Os bastidores dos clubes brasileiros no início do século passado costumam ser repletos de fatos curiosos e únicos. Seja pela superstição de dirigentes, ritos de jogadores ou costumes de torcidas, essas histórias marcantes se tornaram fatores importantes nas escolhas de seus mascotes.
Confira a seleção de seis dessas figuras e conheça suas histórias.
Histórias de mascotes tradicionais do futebol brasileiro
Ultrapassando a barreira das ilustrações, os mascotes agora assumem o papel de ser um verdadeiro representante das torcidas em campo, fortalecendo o elo passional dos milhões de aficionados no País. Por essa razão, as escolhas de suas identidades visuais devem ser cada vez mais bem pensadas e construídas.
Ao O POVO+, o designer e mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Guilherme Pedrosa, destaca que essas escolhas devem transmitir alguns valores e características dos clubes que representam.
“A partir do design, da composição do personagem, das cores e das formas utilizadas, a gente começa a construir e deixar um pouco mais palpável esses valores que não estão presentes em outros elementos visuais do clube”, afirma.
Por possuírem essa ligação com os valores esportivos e o contexto social em que estão inseridos, é comum que as figuras dos mascotes passem por frequentes mudanças de design.
Desde 2016, por exemplo, com a nova versão oficial do Canarinho da Seleção Brasileira, instalou-se uma tendência entre os clubes de adotar características agressivas e intimidadoras para seus mascotes, algo que já era comum dentro de torcidas organizadas.
Para Guilherme Pedrosa, esse tipo de identidade é pensada propositalmente para contemplar esse nicho de público, que costuma ser o consumidor mais assíduo daquele “produto”.
Em contrapartida, o pesquisador cita os exemplos dos mascotes de torneios como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, que “têm outros apelos para além desse público”, com “características bem mais amigáveis e uma abordagem mais próxima do desenho infantil”.
Nessa mesma proposta, o marketing de algumas equipes também explora essas formas de caracterizações com seus mascotes. Entre 2019 e 2020, por exemplo, a produtora Animaking obteve a licença de alguns mascotes e criou uma websérie com veiculação no YouTube, intitulada como Liga dos Mascotes.
A produção contava com curtas animados baseados em seis figuras: Almirantinho (Vasco da Gama), Galinho (Atlético-MG), Moby (Santos), Mosqueta (Corinthians), Santo Paulo (São Paulo) e Urubuzinho (Flamengo).
Na opinião do designer, em um cenário ideal, os mascotes deveriam ser uma figura que centralizasse uma representação diversa e plural de sua própria torcida, mas ele não vê essa mudança drástica como algo realista no momento.
O que se tem observado, dentro de um panorama mais focado no presente, são avanços graduais desde a metade da década passada.
Encabeçados pelo Bahia em 2014, alguns clubes têm criado versões alternativas e mais diversas de seu mascote principal, mas que ainda são pouco exploradas em comparação às representações tradicionais.
Ao visualizar por uma linha cronológica, o Athletico-PR foi o segundo a se aproximar de uma nova representação, porém de maneira mais discreta.
Em dezembro de 2018, junto com o anúncio de sua nova identidade visual, o rubro-negro anunciou seus novos mascotes, batizados de Família Furacão, que é composta por um pai, uma mãe, um filho, uma filha e o cachorro Fura-Cão.
No ano seguinte foi a vez do Remo, que apresentou a Leona Azulina junto ao seu novo uniforme. Em 2020, os destaques ficam para Fortaleza e Cruzeiro, que também adotaram uma versão feminina do leão e da raposa, respectivamente. Os dois exemplos mais recentes são de Avaí e Sport, que adotaram suas leoas em 2024.
Quando observamos os 40 mascotes das equipes que disputam as duas principais divisões do Campeonato Brasileiro de 2025, a aparição de figuras femininas ainda está restrita ao sete clubes citados, demonstrando que ainda há uma baixa adesão ao movimento.
Para a pesquisadora Celecina Sales, mestre em Sociologia pela UFC, esse cenário de baixa associação de figuras femininas ao futebol vem de um contexto histórico.
No passado, alguns fatores como uso de força e os constantes contatos físicos faziam com que o esporte fosse considerado inapropriado para as mulheres.
Essa construção teve como consequência a criação de um ambiente extremamente masculinizado que, mesmo com o crescente aumento da participação feminina, segue refletindo alguns padrões mais conservadores.
Linha do tempo com marcos importantes para a prática do futebol por mulheres no Brasil
Para além da prática esportiva, a representação feminina dentro da torcida dos clubes, que eram marcantes durante o início do século XX, foi afetada ao longo do tempo. Apesar de nunca terem sido oficialmente barradas dos estádios, essa participação massiva tem voltado a ganhar força no século XXI.
Uma pesquisa realizada pelo UOL em parceria com a startup MindMiners no ano de 2022, apontou que 68,9% das mulheres no Brasil torcem para alguma equipe de futebol.
Considerando que os mascotes têm entre seus principais objetivos gerar um senso de identificação dos torcedores com seu clube, a baixa representatividade para esse grande público consumidor pode ser considerada um problema.
Ranking das maiores torcidas femininas do Brasil em 2024
Ainda segundo a socióloga, a invisibilidade das mulheres no futebol continua muito forte, e esse aspecto é reforçado ao observarmos os mascotes, que seguem trazendo os valores de uma maioria conservadora e patriarcal.
“É uma sociedade que continua patriarcal. Então se ele (o mascote) representa um time de homens, ele vai apresentar características que são ditas como características importantes para representar os homens na sociedade”, ressalta.
A identidade dos mascotes brasileiros reflete algumas características de um contexto, social e esportivo, conturbado em que foram historicamente estabelecidos.
Contudo, é impossível dissociar o futebol das mudanças estruturais da sociedade. O resultado dessa conexão tem sido observado, ainda que a passos curtos, no surgimento de cada vez mais novos rostos dentre os tradicionais símbolos do principal esporte do País.