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Machosfera cresce e atrai jovens com discursos radicais
Reportagem Especial

Machosfera cresce e atrai jovens com discursos radicais

Disfarçado de autoajuda e rebeldia, o discurso "red pill" circula livremente em plataformas como TikTok, X e Discord, moldando comportamentos e naturalizando a violência entre os jovens. O POVO+ monitorou as redes por 15 dias e conta como os algoritmos entregam a arma da radicalização em vídeos curtos

Machosfera cresce e atrai jovens com discursos radicais

Disfarçado de autoajuda e rebeldia, o discurso "red pill" circula livremente em plataformas como TikTok, X e Discord, moldando comportamentos e naturalizando a violência entre os jovens. O POVO+ monitorou as redes por 15 dias e conta como os algoritmos entregam a arma da radicalização em vídeos curtos
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E se a sua visão de mundo fosse uma mentira cuidadosamente programada? Em Matrix (1999), o personagem Neo encara essa escolha: seguir na ilusão ou despertar para a dura verdade? Tudo que ele precisa fazer é engolir uma pílula. 

Passadas duas décadas e meia, a tal “pílula vermelha” saiu da ficção e virou símbolo de uma realidade ainda mais sombria: a ascensão da machosfera, subcultura que transforma ódio e preconceito em influência digital — e fala diretamente com meninos e adolescentes nas redes sociais.

O filme 'Matrix' faz referência a uma das obras de Jean Baudrillard e aposta em um futuro distópico onde a verdade está oculta da maioria da população(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação O filme 'Matrix' faz referência a uma das obras de Jean Baudrillard e aposta em um futuro distópico onde a verdade está oculta da maioria da população

Disfarçado de autoajuda e rebeldia, esse discurso circula livremente em plataformas como TikTok, X e Discord, moldando comportamentos e naturalizando a violência. Em 2025, a série britânica Adolescência acendeu o alerta e O POVO+ mergulhou por 15 dias nos algoritmos para entender como essa rede de ideias se espalha — e por que ela é tão atraente para os mais jovens. 

 

 

Na superfície da internet, um discurso profundamente masculinista

É preciso dizer de antemão: o conteúdo encontrado pelo O POVO+ não está em chans "postagens em grupos anônimos"  nem em sites da dark web. Ao contrário, é absolutamente popular, amplamente disseminado e está remodelando silenciosamente como milhões de pessoas - especialmente os últimos representantes da geração Z - percebem a masculinidade.

Enquanto para os adeptos, a ideologia promove conhecimentos valiosos necessários para navegar na sociedade moderna, os críticos consideram que é uma das maiores ameaças ao progresso dos direitos das mulheres e, por extensão, dos direitos humanos.

Nas redes sociais, o pensamento aparece, de início, de forma sutil, e vai gradualmente escalonando até chegar a níveis crassos de misoginia.

Na ilustração de Carlus Campos, vemos uma mulher de frente a um laptop que irradia uma cor vermelha em direção ao seu rosto, simbolizando a violência que começa na internet e se materializa no mundo real (Foto: Ilustração: Carlus Campos)
Foto: Ilustração: Carlus Campos Na ilustração de Carlus Campos, vemos uma mulher de frente a um laptop que irradia uma cor vermelha em direção ao seu rosto, simbolizando a violência que começa na internet e se materializa no mundo real

Foi por meio de Enzo RD, o perfil modelo criado pelo O POVO+ no TikTok e no X que analisamos como o uso não supervisionado das redes sociais pode influenciar o pensamento de crianças e jovens.

A conta fictícia representa um adolescente nascido em 2009, que ao longo de 15 dias, teve a “for you page” bombardeada por conteúdos que vão desde desinformação até discurso de ódio.

Outros vídeos de caráter político, em apoio ao ex-presidente Bolsonaro e pronunciamentos do deputado federal Nikolas Ferreira também apareceram, inclusive nos primeiros minutos de uso das plataformas.

Um dos perfis mais populares é o do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que soma 7,8 milhões de seguidores somente no TikTok. Na imagem, Nikolas aparece na tribuna na Câmara Federal usando uma peruca longa e loira, ocasião em que atacou a presença de pessoas transgênero no Congresso(Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados Um dos perfis mais populares é o do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que soma 7,8 milhões de seguidores somente no TikTok. Na imagem, Nikolas aparece na tribuna na Câmara Federal usando uma peruca longa e loira, ocasião em que atacou a presença de pessoas transgênero no Congresso

Em seguida, foi a vez conteúdos categorizados como “educação financeira”, mas que, na verdade, promovem cursos de investimentos e de day trading "Day trading é uma estratégia de investimento que consiste em comprar e vender ativos no mesmo dia, buscando lucro com variações rápidas de preço. Apesar de atrativa, envolve alto risco e pode gerar prejuízos significativos, especialmente para iniciantes" .

Conforme o discurso vai avançando para o desenvolvimento pessoal e como se tornar um “homem de valor”, começam a aparecer influenciadores que divulgam suas rotinas diárias, envolvendo academia, suplementação alimentar, e indicação de leituras.

As recomendações literárias incluem e obras como “A guerra cultural: reflexões críticas para uma Nova Direita”, de Agustín Laje, “A arte da masculinidade - Habilidades e costumes clássicos para o homem moderno”, de Brett McKay e “Sujeito Homem” de J.F Rozza, cuja escrita já mirou em atingir o público masculino. Entretanto, outras obras como "A Arte da Guerra", de Sun Tzu, "Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas", de Dale Carnegie e "Como tirar proveito dos inimigos e como distinguir os aduladores dos amigos", do grego Plutarco são interpretados à gosto pelos influenciadores que associam trechos e ideias aos seus ideais. 

Veja no quadro a seguir alguns livros que O POVO+ identificou como recomendação durante a apuração desta reportagem.

 

Com ou sem o suporte de uma bibliografia, o storytelling é construído para revelar uma verdade supostamente oculta. A ala mais alarmista dos vídeos e posts usam frases como "você sabia...?", "o que não te contam sobre...", "saiba a verdade por trás...", "a verdade oculta de..." e por aí vai.

Aguçando a curiosidade do espectador, a rede de desinformação, doutrinação ideológica e apologética à violência se espalha vertiginosamente. 


 

Dominação, poder e identidade: o que é ser macho

Com cinco dias de uso da plataforma, ficou evidente que o discurso adotado pelos criadores de conteúdo defende a tese de que os homens - em especial os brancos - têm sido oprimidos por feministas, pessoas LGBTQIA+, de esquerda e racializadas.

Para eles, é preciso reconstruir a masculinidade heterossexual, inclusive em níveis hormonais, chegando a recomendar a reposição de testosterona para recuperar a agressividade "necessária" para ser um homem respeitado.

Em nível biológico e simbólico, o título de "macho" é colocado em um pedestal e associado à dominação, poder e identidade. Nessas comunidades, o uso do termo reforça um ideal específico de masculinidade, moldado por normas sociais, culturais e comportamentais — inclusive de aparência — que definem o que é “ser macho”.

Mulheres e feminismos são os principais alvos de hostilidade. Os vídeos contestam leis e normas que consideram injustas com os homens, como as que tratam de divórcio, pensão, custódia dos filhos e denúncias de violência sexual.

A exaltação da figura masculina e de uma postura dominante é regra entre os redpill. Na montagem aparecem trechos de três influenciadores que se destacam no nicho: Thiago Schulz, Andrew Tate e Rafael Aires (Foto: Montagem/O POVO+)
Foto: Montagem/O POVO+ A exaltação da figura masculina e de uma postura dominante é regra entre os redpill. Na montagem aparecem trechos de três influenciadores que se destacam no nicho: Thiago Schulz, Andrew Tate e Rafael Aires

Outra simbologia muito presente é a da repressão, vinculada à imagem da polícia. Nosso personagem Enzo foi exposto a uma série de conteúdos que exploram a ação de agentes policiais, tanto brasileiros quanto estrangeiros.  No caso dos vídeos capturados por câmeras corporais, que são majoritariamente norte-americanos, o discurso e as ações truculentas são frequentemente dirigidos a pessoas negras.

Já no caso dos vídeos nacionais, é comum a gravação de vídeos de opinião, rotinas diárias e narração de operações policiais, alçando agentes como o perito Renato Amoedo e o policial Diego Corrêa, conhecido como ‘SD Corrêa’, ao status de celebridade virtual.

Um dos vídeos mostrados traz Diego fazendo ameaças sérias durante uma abordagem. Sem contexto e sem aviso de conteúdo sensível, a publicação teve milhares de curtidas e foi amplamente elogiada nos comentários por usuários do TikTok.

Conteúdos relacionado à agentes de segurança são fortes no nicho. Na montagem, aparecem trechos de vídeos do SD Correa, de um vídeo de abordagem policial nos Estados Unidos e uma entrevista com Renato Amoêdo, o Renato Trêsoitão (Foto: Montagem/O POVO+)
Foto: Montagem/O POVO+ Conteúdos relacionado à agentes de segurança são fortes no nicho. Na montagem, aparecem trechos de vídeos do SD Correa, de um vídeo de abordagem policial nos Estados Unidos e uma entrevista com Renato Amoêdo, o Renato Trêsoitão

E falando em conteúdo sensível, a machosfera também toca no assunto da saúde mental, especialmente suicídio. A alta taxa de suicídio entre os homens é citada como um “sintoma da crise”, atribuída à falta de modelos masculinos e paternos, ao divórcio, aos feminismos ou ao sistema legal.

Mulheres são acusadas de levá-los ao suicídio por terminarem relacionamentos e advogarem por leis contra a violência doméstica. 

Eles consideram essas práticas uma inversão de valores, frequentemente associando o discurso a textos bíblicos, que pregam a submissão da figura feminina, colocando que a mulher não deveria ter espaço de decisão fora do lar e que contrarie a vontade do marido.

Ao colocar a figura feminina e todos os símbolos associados a ela como culpados pelo fracasso individual de milhares de homens, a mensagem é clara: se você não conseguiu ser um macho alfa, é porque o sistema comandado pelas mulheres não deixou

 

 

Adolescência - quando a frustração e a radicalização se encontram 

Você consegue lembrar de algum filme que retrata a realidade de uma escola? Como, por exemplo, “O Clube dos Cinco”. E consegue rememorar alguma vez que, durante a adolescência, se sentiu deslocado, mal compreendido ou injustiçado?

O psiquiatra Miguel Boarati, especialista do Programa de Transtornos Afetivos da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas da USP, explica que a adolescência é uma fase de transição repleta de desafios e descobertas, na qual os jovens embarcam em uma jornada rumo à independência e à autodescoberta, levando frequentemente a uma tendência à solidão e ao isolamento.

“A busca por conexões sociais autênticas e significativas é uma necessidade universal, mas, na era digital e em um mundo cada vez mais acelerado, muitos jovens se veem presos em um ciclo de isolamento emocional”, explica.

Miguel Boarati é médico Psiquiatra da Infância e Adolescência e membro do Programa de Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência - PRATA, da Universidade de São Paulo (Foto: Acervo Pessoal)
Foto: Acervo Pessoal Miguel Boarati é médico Psiquiatra da Infância e Adolescência e membro do Programa de Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência - PRATA, da Universidade de São Paulo

Na era das trends, dos filtros e do engajamento, sensação de inadequação começa na escola, mas não se restringe a ela devido à onipresença das redes sociais.

Para um jovem que enfrentou dificuldades genuínas, como perda, pobreza, bullying ou solidão, a mensagem Red Pill pode ser convincente, validadora e até mesmo empoderadora.

Esta é justamente a isca, uma espécie de operação psicológica, que atrai meninos e homens vulneráveis para uma visão de mundo distorcida. Ao misturar encorajamento genuíno com veneno sutil, influenciadores transformam as lutas de jovens e homens em armas, transformando as dificuldades em radicalização.

Nas redes sociais, ao misturar encorajamento genuíno com veneno sutil, influenciadores transformam as lutas de jovens e homens em armas, transformando as dificuldades em radicalização. Na ilustração de Isac Bernardo, uma figura triste aparece no centro de uma tela de celular, cercado por dedos apontados e balões de fala(Foto: ISAC BERNARDO)
Foto: ISAC BERNARDO Nas redes sociais, ao misturar encorajamento genuíno com veneno sutil, influenciadores transformam as lutas de jovens e homens em armas, transformando as dificuldades em radicalização. Na ilustração de Isac Bernardo, uma figura triste aparece no centro de uma tela de celular, cercado por dedos apontados e balões de fala

Nas figuras mais velhas e bem-sucedidas, os jovens enxergam a seriedade de um pai preocupado, alertando que a sociedade está perdendo o rumo devido ao desaparecimento dos papéis tradicionais de gênero.

Eles misturam tópicos complexos, como psicologia e histórias religiosas, para criar uma mensagem simples: os homens devem ser fortes, disciplinados e estar no controle.

Os conteúdos oferecem soluções para jovens em crise, incluindo táticas como negging "Negging é uma técnica de manipulação emocional que consiste em fazer comentários aparentemente inofensivos para enfraquecer a autoestima da vítima. É uma armadilha psicológica que pode ter consequências a longo prazo." , uma forma de minar a autoestima feminina, e minimização de casos de estupro e violência doméstica. 

 

Na internet, homens ensinam táticas de minar a autoestima feminina, e minimizar de casos de estupro e violência doméstica. Na ilustração de Carlus Campos, uma mulher de vestido vermelho aparece sentada, triste, com a cabeça entre os joelhos e de frente a um laptop(Foto: Ilustração: Carlus Campos)
Foto: Ilustração: Carlus Campos Na internet, homens ensinam táticas de minar a autoestima feminina, e minimizar de casos de estupro e violência doméstica. Na ilustração de Carlus Campos, uma mulher de vestido vermelho aparece sentada, triste, com a cabeça entre os joelhos e de frente a um laptop

Além disso, temas comuns incluem o foco em si, o respeito aos pais, a evitação do gênero oposto e a busca por “peixes raros”, mulheres às quais atribui-se valor, distinguindo-as da maioria que, na perspectiva deles, não merecem nenhum apreço.

Também há a glorificação da força, da violência contra homens e da humilhação das mulheres. Especialmente no caso dos brasileiros, a chave do sucesso é vendida em formas de estratégias de isolamento, acumulação de riqueza, consumo ostensivo e uma estética corporal musculosa para o desenvolvimento pessoal.

Taísa Machado, linguista e integrante do Grupo de Estudos no Campo Discursivo da Universidade Federal de Santa Catarina, estudou o discurso red pill nas redes sociais e chama atenção para o papel dos algoritmos nesse cenário.

Especialistas debatem o papel dos algoritmos na disseminação de conteúdos violentos. Na imagem, uma mão segura um celular cuja tela mostra o logo do TikTok e ao fundo, um céu azul encoberto por nuvens(Foto: Reprodução/Instagram/Kon Karampelas )
Foto: Reprodução/Instagram/Kon Karampelas Especialistas debatem o papel dos algoritmos na disseminação de conteúdos violentos. Na imagem, uma mão segura um celular cuja tela mostra o logo do TikTok e ao fundo, um céu azul encoberto por nuvens

Segundo ela, há um jogo claro de interesses e poder por trás dessa dinâmica. “Os algoritmos não surgem do nada, nem funcionam de forma neutra ou orgânica. Pelo contrário, seriam dispositivos criados com objetivos específicos, que interagem tanto entre si quanto com os usuários”, afirma.

Taísa destaca que os discursos digitais acabam sendo moldados por essas tecnologias, que influenciam, alimentam e até constroem as narrativas, com cada vez menos interferência humana.

Entretanto, ainda que operados por máquinas, tudo parte de decisões humanas — inclusive os próprios algoritmos, que hoje controlam boa parte dessa engrenagem.

Em nota protocolar, o TikTok afirma que "está fortalecendo as ferramentas de segurança e bem-estar dos jovens na plataforma" e desde 2020, com o  lançamento da Sincronização Familiar – ferramenta de controle parental do TikTok -, "a plataforma tem adicionado continuamente novos recursos com base no retorno e observações das famílias, bem como na orientação de especialistas líderes do setor".

Além disso, a empresa informou que segue utilizando tecnologias, como aprendizado de máquina, "para impedir que pessoas com menos de 13 anos estejam no TikTok e garantir que os adolescentes estejam na experiência apropriada para sua idade".

 

 

Pai, afasta de mim essa pílula

No mundo real, os reflexos são os piores possíveis. Dados da organização SaferNet mostram o Brasil está em nono lugar no ranking de países que mais recebeu denúncias.

Ao longo dos seus 19 anos de existência, a Central de Denúncias recebeu e processou 87.059 denúncias anônimas de Violência ou Discriminação contra Mulheres envolvendo 32.047 páginas (URLs) distintas, das quais 21.612 foram removidas. Só em 2024, foram 4.289 denúncias.

Os temas mais frequentes de denúncia foram relacionados à ameça a saúde mental e bem-estar, exposição de imagens íntimas, cyberbullying e conteúdos ofensivos, além de cyberstalking e aliciamento sexual, como mostrado no gráfico a seguir.

 

Já a Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180, administrada pelo Ministério das Mulheres, realizou 750.687 atendimentos em 2024 — uma média de 2.051 por dia.

Ao todo, 573.131 violações foram reportadas ao Ligue 180 em 2024, sendo o ambiente doméstico e familiar foi o cenário mais comum. A “Casa da Vítima” apareceu em 53.019 denúncias, seguida pela “Casa onde reside a vítima e o suspeito” (43.097 denúncias) e “Casa do Suspeito” (7.006). Já o ambiente virtual somou 6.920 denúncias.

No Ceará, a SaferNet registrou 773 denúncias vindas de mulheres em 2024, sendo 362 casos de ameaça ao bem-estar e a saúde mental, 87 casos de ameaças de exposição de imagens íntimas, 70 casos de cyberbullying e 10 casos de aliciamento sexual.

Foto ilustrativa sobre violência contra mulher, onde aparecem as pernas de um homem em primeiro plano e uma mulher acuada, sentada ao fundo em um sofá e escondendo o rosto(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Foto ilustrativa sobre violência contra mulher, onde aparecem as pernas de um homem em primeiro plano e uma mulher acuada, sentada ao fundo em um sofá e escondendo o rosto

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social informou que, conforme os indicadores da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), o Ceará encerrou o primeiro trimestre de 2025 com 482 denúncias de registros tipificados com base na Lei Maria da Penha, ocorridos em ambiente virtual.  A SSPDS também contabilizou oito casos de feminicídio no mesmo período.

Pensando na proteção das mulheres, Joanna Burigo, pesquisadora, colunista do portal Catarinas e autora do livro “Patriarcado Gênero Feminismo”, o foco deve estar em políticas públicas que realmente protejam mulheres e meninas — principais vítimas de infanticídio, tráfico sexual e controle social.

Segundo ela, ignorar discursos de ódio contra as mulheres contribui para limitar sua liberdade, pois passa a ideia de que é normal odiá-las, criticar sua sexualidade, chamá-las de "puta" ou "piranha", ou julgá-las pelo corpo, ou cor do esmalte.

“Quando deixamos esse ódio se espalhar, estamos dizendo que está tudo bem que elas saiam de casa com um molho de chaves na mão, como forma de defesa, com medo de serem estupradas”, acrescenta.

As consequências são reais: mais insegurança para as mulheres, mais violações aos direitos humanos e homens cuja construção de identidade passa necessariamente, pelo crivo da violência e da desumanização. Se a receita do sucesso é a pílula vermelha do sangue das mulheres, talvez esteja na hora de trocar a prescrição. 


Em casos de violência contra a mulher, denuncie 

 

 

 

Metodologia 

Para a realização desta reportagem, foi criado um perfil fictício em duas redes sociais — TikTok e X (antigo Twitter) — com o objetivo de analisar o tipo de conteúdo direcionado a adolescentes do sexo masculino. A persona adotada foi Enzo, um jovem de 15 anos, representando o perfil típico de um usuário adolescente brasileiro em 2025: nativo digital, interessado por entretenimento, humor, cultura pop, jogos e influenciadores. A construção da identidade seguiu padrões realistas e condizentes com essa faixa etária, incluindo nome de usuário informal, foto de perfil genérica, biografia descontraída com emojis e interesses populares entre adolescentes.

No TikTok, após a criação da conta, foi realizada uma simulação de navegação semelhante à de um adolescente real. O perfil começou a seguir criadores populares entre o público jovem, interagiu com vídeos de humor, dança, memes, desenvolvimento pessoal e conteúdos fitness e de bem estar,  formatos que costumam atrair esse grupo.

Essa interação inicial teve como objetivo alimentar o algoritmo da plataforma e, assim, observar como o conteúdo recomendado se transformava com o tempo. A aba "Para Você", principal via de consumo da rede, foi monitorada diariamente, com registro dos temas que ganhavam destaque, da linguagem utilizada, dos formatos predominantes e do aparecimento progressivo de conteúdos voltados à masculinidade tóxica, como vídeos red pill, falas de influenciadores masculinistas e mensagens que reforçam estereótipos de gênero.

No X, o processo foi semelhante. O perfil seguiu páginas de memes, influenciadores jovens e contas voltadas a temas populares entre adolescentes. As interações — curtidas, retuítes e tempo de permanência em determinados conteúdos — também serviram para moldar o algoritmo da plataforma. Com o tempo, foi possível observar o surgimento de postagens e threads com discursos alinhados ao movimento red pill, geralmente camuflados sob a aparência de conselhos sobre autoestima, produtividade ou relacionamentos.

Durante todo o processo, foram coletadas capturas de tela, links e anotações dos conteúdos mais relevantes para a investigação. A análise teve como foco principal a forma como o discurso masculinista se infiltra em ambientes digitais frequentados por adolescentes, muitas vezes utilizando uma estética jovem e linguagem acessível, o que facilita sua naturalização e adesão. Os perfis foram utilizados exclusivamente para fins de observação e análise, respeitando os limites éticos da pesquisa e evitando qualquer tipo de interação que pudesse influenciar ou manipular discussões reais.

 

"Olá! Eu sou Mateus Mota, repórter do O POVO+. Gostou da reportagem? As plataformas tem responsabilidade sobre o que é consumido ou os pais devem supervisionar os filhos? Deixe sua opinião nos comentários. Até apróxima!"

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