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Arquibancada, chuteira e microfone: onde estão as mulheres no futebol cearense?
Reportagem Especial

Arquibancada, chuteira e microfone: onde estão as mulheres no futebol cearense?

De um decreto proibitivo de 1941 a salários irrisórios, a presença feminina no esporte é uma luta por direito e espaço. No Ceará, nas quatro linhas e para além delas, essas mulheres mantêm a resiliência para provar, diariamente, que têm o "direito de estar ali"

Arquibancada, chuteira e microfone: onde estão as mulheres no futebol cearense?

De um decreto proibitivo de 1941 a salários irrisórios, a presença feminina no esporte é uma luta por direito e espaço. No Ceará, nas quatro linhas e para além delas, essas mulheres mantêm a resiliência para provar, diariamente, que têm o "direito de estar ali"
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Quando o assunto "futebol" entra em qualquer conversa, as primeiras pessoas que imaginamos discutindo o tema são homens, reflexo de uma ideologia de superioridade masculina profundamente enraizado no corpo social.

Ela não se restringe à casualidade, mas reverbera por toda a indústria do futebol. De um lado, vemos os altos salários, os holofotes, os grandes investimentos e a enorme visibilidade do futebol masculino. De outro, o cenário contrastante da realidade das mulheres, que ainda lutam por maior reconhecimento e participação no setor esportivo.

A trajetória feminina na indústria do futebol é marcada por batalhas por espaço e respeito. As conquistas de hoje são resultado de um percurso árduo e de resistência contra a marginalização histórica da mulher no esporte que, no Brasil, já conviveu com a censura e a proibição legal.

Atualmente, as lutas são por melhoria salarial e valorização profissional; uma ascensão gradual que se manifesta em múltiplas frentes, inclusive no Ceará.

Isso se vê nas jogadoras que chegam à elite, na jornalista que encontra no setor feminino um campo de maior projeção para seu trabalho, e na torcedora que garante um lugar ativo no time do coração. Todas, em suas áreas, continuam a enfrentar obstáculos até "chegar ao gol" mas, inegavelmente, alcançaram o campo para disputar a partida.

 

 

A luta histórica das mulheres em campo

A relação da mulher com a chuteira no Brasil sempre foi uma batalha social. Em 1941, o Decreto-Lei 3199, artigo 54, vetou a prática de esportes que ferissem a "natureza da mulher".

Esportes de contato como o futebol, considerado “demasiadamente violento” e “masculino”, foram proibidos para o sexo feminino. Décadas depois, a presença feminina nos gramados passou a ser sustentada por novas garantias legais.

A Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998), por exemplo, determina que clubes da Série A do Campeonato Brasileiro mantenham uma equipe feminina principal e uma categoria de base, o que ajuda a evitar retrocessos no cenário esportivo.

Manchete no jornal O Imparcial em 1941 com o título "Pé de mulher não foi feito para se meter em chuteiras"(Foto: Eduardo Merege / Museu do Futebol)
Foto: Eduardo Merege / Museu do Futebol Manchete no jornal O Imparcial em 1941 com o título "Pé de mulher não foi feito para se meter em chuteiras"

Nesse contexto, o futebol jogado por mulheres ainda representa uma forma de transgressão às visões essencialistas historicamente impostas ao corpo feminino.

É o que explica Celecina de Maria Veras Sales, professora titular da pós-graduação de Avaliação de Políticas Públicas e da Educação e integrante do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Gênero, Idade e Família (Negif), da Universidade Federal do Ceará (UFC).

“Desde os anos 70, a luta das mulheres é pelo direito ao seu próprio corpo. Se a mulher é jogadora de futebol, ela não é mais aquele ideal de mulher. Porém, as mulheres são múltiplas. Então, é importante não pensar nelas como uma essência”, argumenta a professora.

Celecina de Maria Veras Sales é professora titular da pós-graduação de Avaliação de Políticas Públicas e da Educação e integrante do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Gênero, Idade e Família (Negif), da Universidade Federal do Ceará (UFC)(Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Celecina de Maria Veras Sales é professora titular da pós-graduação de Avaliação de Políticas Públicas e da Educação e integrante do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Gênero, Idade e Família (Negif), da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Celecina Sales reforça que o corpo foi usado como “argumento biológico” para sustentar um ideário de beleza e de corpo feminino sinônimo de maternidade, justificando a exclusão. Para a sociedade, a “mulher não é e nem deve ser violenta”.

O legado da Era Vargas se estendeu para além do campo, dominando o ambiente esportivo como uma indústria inteiramente masculina. Discursos morais sobre a “natureza feminina frágil” e a necessidade de preservar a delicadeza foram usados para justificar restrições e proibições ao longo dos anos.

Mesmo após a revogação da proibição iniciada em 1941, as barreiras estruturais persistem. A pouca infraestrutura, financeirização desigual, visibilidade reduzida e crenças estereotipadas reforçam, constantemente, a ideia de que as mulheres precisam provar seu “direito de estar ali”, seja nos clubes, na mídia ou nas arquibancadas.

Para a historiadora e socióloga canadense Helen Lenskyj, a habilidade esportiva da mulher é, por natureza, um agente subversivo e desafiador contra o sistema patriarcal.

Enquanto a sociedade historicamente relegou à mulher papéis de passividade e dependência, o esporte exige e destaca a força, agilidade, competitividade e autonomia, desafiando as diferenças biológicas que justificam a exclusão e a inferioridade social que lhes foram impostas.

 

 

Dentro de campo: o peso da chuteira de uma mulher no Ceará

No cenário local, a força do futebol feminino cearense possui destaques importantes com as Meninas do Vozão e as Leoas, como são chamadas aquelas que vestem as camisas do Ceará Sporting Clube e do Fortaleza Esporte Clube, respectivamente.

 

Destaques do cenário estadual no Futebol Feminino

 

A atacante Adrijane Félix Cesar, conhecida como Dri, de 31 anos, defende o Ceará, carregando consigo uma história de paixão pelo esporte. Natural de Tururu, interior do Estado, ela chegou ao Alvinegro de Porangabuçu em 2025, após passagem no Football Club Ramat Hasharon, de Israel. Antes, ela viveu e jogou por cinco anos nos Estados Unidos.

A experiência no exterior lhe deu uma perspectiva clara sobre o potencial de transformação do esporte. "Foi quando eu realmente vi que poderia mudar de vida, tanto financeiramente como culturalmente", afirma a jogadora.

Dri reconhece o esforço de seu clube atual, mas aponta o abismo de investimento entre as realidades que vivenciou: “Os Estados Unidos são uma vitrine, são outro mundo, digamos assim. Onde você realmente brilha e pensa: ‘Nossa, aqui eu consigo chegar longe’”, compara a atacante.

Adrijane Félix é atacante do Ceará SC desde 2025(Foto: Samuel Setubal/ O POVO)
Foto: Samuel Setubal/ O POVO Adrijane Félix é atacante do Ceará SC desde 2025

Analisando essa disparidade, a professora Celecina de Maria reitera que os desafios das atletas transcendem a luta de gênero: as questões raciais e socioeconômicas também permeiam a realidade das jogadoras.

Essas desigualdades refletem uma sociedade ainda marcada por valores patriarcais e por uma multiplicidade de preconceitos. Para muitas atletas, a luta diária não é apenas por espaço nos campos, mas também por respeito, oportunidades e igualdade de condições.


Campeonato Cearense Feminino transmitido no O POVO

 

 

A pressão por resultados imediatos

A falta de investidores também reflete no dia a dia da modalidade. O Campeonato Brasileiro A1 de 2025, por exemplo, começou sem patrocínio, gerando revolta em clubes e entre torcedores.

A ausência de publicidade fez com que as placas na beira do gramado fossem ocupadas por campanhas contra o racismo e o feminicídio. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não conseguiu manter os contratos com os patrocinadores Neoenergia e Riachuelo, que assinaram em 2024.

Para Celecina, a “falta de incentivo e patrocínio é desencorajadora” para atletas que já enfrentam grandes dificuldades em um espaço onde precisam lutar cotidianamente por um lugar digno.

A atacante Dri reconhece que a falta de investimento cria uma pressão quase insustentável na modalidade feminina. “Aqui no Brasil, a gente não tem muitos investidores. Quando eles querem ou fazem algum investimento, eles querem retorno muito rápido. Infelizmente, no futebol não é assim. Você tem que, primeiro, investir na categoria de base, ir crescendo, evoluindo. E, como consequência, você vai ter um retorno disso lá na frente.”

 


Outra voz importante no futebol cearense é a da meia campista Priscilla Andrade Lopes, de 30 anos. Natural de Franca, interior de São Paulo, já passou por times como Internacional de Franca-SP, Red Bull Bragantino-SP e está no Fortaleza Esporte Clube desde 2023.

Na sala de troféus do CT Ribamar Bezerra, em Maracanaú, ela compartilhou o incentivo paterno, similar ao de Dri, para conseguir dar continuidade à carreira. “Meu melhor presente no aniversário, no Natal, sempre era uma bola, um uniforme do time do coração, chuteira. Eu cresci naquele ambiente e sempre fui muito apoiada".

Priscilla relembra os tempos de desinvestimento no período em que começou a jogar. “Basicamente, durante bastante tempo, a gente pagava pra jogar futebol.”

Priscilla Andrade Lopes é natural de Franca, interior de São Paulo, e já passou por times como Red Bull Bragantino-SP(Foto: Daniel Galber/O POVO)
Foto: Daniel Galber/O POVO Priscilla Andrade Lopes é natural de Franca, interior de São Paulo, e já passou por times como Red Bull Bragantino-SP

Segundo ela, alguns clubes encaram o futebol feminino apenas como uma “obrigação e não como uma modalidade que eles devem incentivar, devem apoiar para continuar crescendo”.

Embora tenha destacado um avanço perceptível no investimento e na capacitação profissional do atual clube, além da surpresa com o engajamento do time, a atacante destacou a insegurança inicial em aceitar uma proposta no Nordeste:

“São Paulo, na verdade, é o celeiro, é uma vitrine quando a gente fala em futebol. A Federação Paulista é um exemplo a ser seguido com relação a incentivo, apoio e visibilidade. E aqui no Ceará, na verdade, no Nordeste, eu sinto um pouco de falta disso. A gente acaba vindo no escuro.”

 

 

Questionada sobre o machismo, Priscilla afirma que a reação adversa vem de homens, mas também das próprias mulheres, o que exige resiliência física e emocional para permanecer atuando como atleta. “Desde sempre o futebol feminino é visto pela sociedade como algo que não deveria acontecer”, confidencia a atleta.

 

 

O cifrão que escancara a desigualdade

O abismo financeiro é o mais evidente sintoma dessa luta por legitimidade das mulheres neste espaço. Em maio de 2025, a Fifa publicou o “Relatório de Benchmarking do Futebol Feminino”, que evidencia a persistente desigualdade global no esporte mais popular do mundo.

O salário médio anual de uma jogadora profissional era de US$ 10.900 (o equivalente a R$ 58.289,93, ou seja, R$ 4.877 por mês).

Mesmo na elite global (clubes de Nível 1 da Fifa), a remuneração média das jogadoras de futebol feminino permanece relativamente baixa. É cerca de US$ 24.030 (R$ 128.505,23) por ano, ou aproximadamente R$ 10.748,42 mensais. Em contraste, um levantamento de 2024 do Bolavip Brasil apontou que o valor anual médio pago a um jogador da Série A do Brasileirão foi de aproximadamente € 21.300.000,00, o equivalente a cerca de R$ 134,8 milhões.

A Seleção Brasileira de Arthur Elias atualmente está na disputa dos amistosos pelo Mundial (Foto: Christophe Archambault/ AFP)
Foto: Christophe Archambault/ AFP A Seleção Brasileira de Arthur Elias atualmente está na disputa dos amistosos pelo Mundial

Nos últimos cinco anos, o salário médio dos jogadores do Brasileirão masculino aumentou em média 13,5% por temporada, ampliando o abismo financeiro entre as categorias.

Apesar de elevados para o padrão do trabalhador brasileiro, os salários das atletas estão aquém quando comparados aos contratos milionários do futebol masculino. O contraste é perceptível ao observar atletas como Vinicius Junior, que, segundo um levantamento da Forbes, ocupou a sexta posição entre os jogadores mais bem pagos, com ganhos totais estimados em US$ 60 milhões (cerca de R$ 327 milhões) nos últimos 12 meses. Essa dimensão da diferença salarial é ainda mais clara quando analisamos as premiações.

Em 2023, o prêmio total da Copa do Mundo Feminina foi de US$ 150 milhões (cerca de R$ 792 milhões), um aumento de 300% em relação a 2019. No entanto, esse valor era consideravelmente menor do que os US$ 440 milhões (cerca de R$ 2,3 bilhões) distribuídos na Copa do Mundo masculina do Catar no ano anterior.


 

Microfone: a presença da mulher na comunicação do futebol

Se o campo é desafiador, o microfone não fica atrás. Segundo pesquisa de 2024 da Revista Alceu (PUC-Rio), assinada por Adriana Barsotti e Júlia da Cruz Carvalho, apenas 13,3% dos textos esportivos publicados entre julho de 2020 e julho de 2021 em O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo foram assinados por mulheres.

 

Textos esportivos escritos por mulheres e por homens 

 

Uma outra pesquisa de 2011, realizada pela International Sports Press Survey (ISPS), apontava que apenas 8% das notícias da imprensa esportiva mundial eram assinadas por mulheres. Enquanto isso no Brasil, o índice era de 7%.

Mais recentemente, a mesma pesquisa, desta vez de 2021, indicou que cerca de 98% das mulheres no jornalismo esportivo concordam que já presenciaram ou foram informadas de situações em que uma colega de trabalho foi constrangida por ser mulher.

A profissional, muitas vezes, sente que "não pode errar", pois seu erro é visto como um reflexo de ser mulher.

Giselly Corrêa é jornalista formada pela Universidade Federal do Ceará e  cobre futebol feminino no Lance! desde 2025.(Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Giselly Corrêa é jornalista formada pela Universidade Federal do Ceará e cobre futebol feminino no Lance! desde 2025.

A jornalista Giselly Corrêa, pós-graduanda em jornalismo esportivo na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e repórter setorista de futebol feminino no Lance!, sentiu esse impacto na pele. Ela, que sonhava em ser jogadora, tornou-se jornalista e explica como a permanência na área exige força.

Giselly reconhece um avanço perceptível na valorização do futebol feminino nos últimos dois anos, mas alerta que as reações adversas sempre virão.

“Toda vez que tem um avanço, tem uma reação. Quando você entra em uma área que já tem certa dominância, você gera uma reação oposta.” O gênero, nesse caso, ainda é um agravante.

Apesar dos obstáculos, Giselly percebe um crescimento gradual do apoio ao esporte feminino, que se alia a uma causa social mais ampla. Ela esteve presente na final do Campeonato Brasileiro Feminino, quando as "Brabas" do Corinthians venceram o Cruzeiro diante de um público de 41.130 torcedores na Neo Química Arena.

O público recorde de 44.136 pagantes registrado também pelo Corinthians, por si só, já evidencia o potencial da modalidade. O número se aproxima do recorde masculino do clube no Campeonato Paulista, que foi de 48.196 torcedores na final.

Apesar de todas as resistências históricas, essa empolgação da torcida demonstra que a mulher está conquistando e garantindo seu direito de ser protagonista no futebol.

Corinthians é o principal time do futebol feminino nacional(Foto: Rodrigo Gazzanel / Agência Corinthians)
Foto: Rodrigo Gazzanel / Agência Corinthians Corinthians é o principal time do futebol feminino nacional

 

 

Mulheres na arquibancada: a história de quem torce

Ao mesmo tempo, a presença feminina nas arquibancadas é cada vez mais visível, transformando o ambiente majoritariamente masculino dos estádios. A mudança, no entanto, se manifesta entre inseguranças e receios.

Os dados mostram que o caminho é longo. De acordo com um estudo de 2024 do W. Lab, intitulado “Mulheres & Futebol”, 94% das brasileiras torcem para algum time, mas apenas 40% frequentam estádios e meros 9% vão sozinhas.

O medo, a insegurança e a histórica invalidação do interesse feminino pelo esporte, frequentemente dependente da chancela masculina, são reflexos diretos.

Com mais de 14 mil seguidores no Instagram, Izabelle Machado fala sobre o Fortaleza EC nas redes sociais(Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Com mais de 14 mil seguidores no Instagram, Izabelle Machado fala sobre o Fortaleza EC nas redes sociais

Para Izabelle Machado, 24 anos, estudante de Jornalismo e criadora de conteúdo do Fortaleza, a maior preocupação ao ir ao estádio é justamente estar desacompanhada. O receio de sofrer assédio no trajeto ou nas dependências do estádio é uma sombra constante.

"Tenho muito medo de olhares, pitacos, piadas. Me certifico sempre de o Uber me deixar na frente do estádio para que eu não tenha que caminhar", relata a torcedora, tricolor desde a infância. A experiência contrasta com a visão masculina.

Janvier Raniely da Silva Jansen, de 24 anos, torcedor do Ceará, afirma que sua principal preocupação é "apenas em não passar por uma situação desagradável 'de tabela', ou seja, por conta de torcidas organizadas ou brigas".

Por outro lado, Janvier já presenciou assédio contra as mulheres "diversas vezes", notando uma diminuição somente a partir de 2020.

Especialmente em 2024, o Ministério do Esporte (Mesp) intensificou esforços para reverter o cenário de violência. Ações como a campanha “Futebol sem Misoginia”, realizada durante os jogos da Copa do Brasil e campeonatos estaduais, no mês de março de 2024, foram importantes para conscientização do combate ao assédio e a violência contra meninas e mulheres, por exemplo.

Apesar de carregar o amor incomparável pelo time no coração, a torcedora Izabelle Machado relata que sua paixão e conhecimento são constantemente questionados. "Em uma discussão em defesa de um jogador, um grupo de torcedores me devolveu perguntando o que eu estava fazendo ali, que para eles mulher nem deveria gostar de futebol. Me senti diminuída e invalidada”, desabafa.

A criadora de conteúdo reforça a dinâmica de gênero nos espaços de torcida. "Homem tende a respeitar homem", resume. Ela afirma que só não foi mais gravemente intimidada porque, geralmente, está acompanhada por um homem ou um grupo de amigos.

Janvier é torcedor do Ceará e acredita que respeito e equidade são fundamentais para valorizar e incentivar o futebol feminino. (Foto: Arquivo pessoal )
Foto: Arquivo pessoal Janvier é torcedor do Ceará e acredita que respeito e equidade são fundamentais para valorizar e incentivar o futebol feminino.

Ambos os torcedores reconhecem que as críticas voltadas para as mulheres têm interferência de gênero, devido ao estigma de que elas não teriam autoridade para falar sobre futebol com propriedade. "A régua para mulher é muito mais alta do que para o homem", conclui Izabelle.

Seja por discriminação, valores eurocêntricos e patriarcais ou a imposição de essencialismos à mulher, assim como afirma Celecina, essa régua se torna muito mais extensa para medir as diferenças na avaliação.

 


Onde estão essas mulheres? E o escudo anônimo do ódio nas redes

No mesmo período de apuração desta reportagem, a internet serviu como palco para a manifestação do preconceito. Após a publicação de um vídeo sobre a proibição da participação das mulheres em esportes de contato na Era Vargas nas redes sociais do O POVO+, os comentários replicaram exatamente as atitudes discutidas.

Sob o anonimato de perfis e usernames, a modalidade esportiva feminina foi atacada. Comentários de homens e mulheres incluíam frases como, “Futebol feminino é tão importante, tão bom que deveria passar às 3:30 da madrugada”; “E ninguém aguenta assistir até hoje”; “Não perco meu tempo assistindo uma partida de futebol feminino”; e “Se nem as mulheres querem assistir o futebol delas, imagina a gente kkkk”.

No entanto, para além da plataforma onde o anonimato serve de escudo, na vida real as mulheres conquistam cada vez mais destaque na indústria do futebol.

Seleção de comentários na publicação do OP+ sobre futebol feminino (Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Seleção de comentários na publicação do OP+ sobre futebol feminino

"Respeito e equidade. Acredito que a comunidade do futebol como um todo pode gerar campanhas de conscientização e apoio ao futebol feminino", sugere Janvier. Todos os entrevistados concordam que o crescimento é real, mas que ainda existem muitas lacunas para que a modalidade e a participação feminina sejam verdadeiramente e amplamente apoiadas.

A inclusão não deve ser vista como algo que ofende ou diminui a grandiosidade do futebol masculino, mas sim como um fator que agrega valor à sociedade e ao esporte. As mulheres aqui representadas são a inspiração para que essa valorização se torne a regra.

“As mulheres no futebol é ainda um território a conquistar. Continua sendo ainda um espaço de disputa. E em todos os âmbitos, na verdade, na política ou no esporte. Mas essa luta a gente só faz coletivamente”, finaliza Celecina.

 


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