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Consolidado como a Terra do Humor, Ceará segue com destaque nacional
Reportagem Seriada

Consolidado como a Terra do Humor, Ceará segue com destaque nacional

O Almanaque do Humor discute a comédia cearense no mundo contemporâneo com Jader Soares, Karla Karenina, Ciro Santos e Tom Cavalcante, e segue com os nomes que integram a cena do humor no Estado
Episódio 2

Consolidado como a Terra do Humor, Ceará segue com destaque nacional

O Almanaque do Humor discute a comédia cearense no mundo contemporâneo com Jader Soares, Karla Karenina, Ciro Santos e Tom Cavalcante, e segue com os nomes que integram a cena do humor no Estado
Episódio 2
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Reconhecido como a Terra do Humor, o Ceará continua se destacando no cenário da comédia nacional. Nos meios tradicionais ou on-line, os cearenses estão à frente não só em quantidade de nomes, mas também em qualidade na arte de fazer rir. A análise é do humorista e historiador Jader Soares, criador do personagem Zebrinha e pesquisador de humor.

“Não quero dizer, com isso, que em outros estados do Brasil não tenham humoristas sensacionais. Nossa molecagem é diferenciada! Há um jeito de dizer as coisas, um atrevimento de subir no palco e fazer acontecer. Tem que ter muito afoitamento!”, frisa Jader. Zebrinha, Karla Karenina, Ciro Santos e Tom Cavalcante repercutem a permanência da identidade “Ceará Moleque”. O Almanaque do Humor segue com os nomes que integram a comédia no Estado de M a Z.

 

 

A alegria de difundir o humor

 

Jader Soares, humorista e historiador conhecido pelo personagem "Zebrinha", em visita guiada ao Museu do Humor Cearense (MHC), no Benfica(Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Jader Soares, humorista e historiador conhecido pelo personagem "Zebrinha", em visita guiada ao Museu do Humor Cearense (MHC), no Benfica

Com sorriso no rosto, Jader Soares recebe esta repórter no portão do prédio onde funciona o Teatro Chico Anysio (TCA), o Museu do Humor Cearense (MHC) e a Associação dos Humoristas Cearenses (Asso-H). Esta é a terceira vez que o encontro pessoalmente somente em 2022. Na primeira conversa, esse cearense de Massapê — um dos 16 filhos do sargento Gerardo e da dona de casa Raimundinha —, estava na Praça do Ferreira, comandando o Festival da Vaia num domingo de “sol quente”.

O evento comemorava os 80 anos da vaia ao sol, um dos causos mais conhecidos da história do Estado, que ajuda a entender essa identidade “Ceará moleque”. Uma roda de pessoas, formada por humoristas e transeuntes, gritava: “Iêeeeeei!”. Thais Mesquita, fotojornalista do O POVO, e eu acompanhamos a “arrumação”.

Jader idealizou o festival para difundir essa história e, consequentemente, o humor feito no Ceará. Esse espírito de difusão da comédia cearense permeia também a criação do TCA, do MHC, do Dia do Humorista, do Festival de Mentiras, Festival dos Humoristas, da Asso-H e do que mais tiver a ver com comédia. E, se for cearense fazendo graça, melhor ainda!

Da segunda vez, Fábio Lima, também fotojornalista do O POVO, e eu visitamos o Museu do Humor Cearense, anexo ao Teatro Chico Anysio. Passeamos pela história do humor feito no Ceará em acervos que destacam as histórias do nosso povo e, especialmente, o legado do mestre Chico Anysio (1931-2012). Por lá, tem a máquina datilográfica do artista, figurinos inéditos e a urna onde estavam suas cinzas antes de serem espalhadas nos Estúdios Globo e na serra de Maranguape. Tem também mais de 2000 livros e uma sala para projetar vídeos. Isso porque Jader trabalha com o humor educativo, recebendo visitas não só de turistas e curiosos, mas também de grupos de escolas.

Por último, quando cheguei ao MHC, ele pediu para aguardar um pouco. Disse que tinha que fazer “uma cirurgia”. Questionei: “Como assim?”. O Zebrinha tinha acabado de, sem querer, colar uma caneta na calça! Vê se pode!

Enfim, não importava o momento, Jader nos recebia com alegria, como se estivéssemos sempre “bem-vindos”. Numa dessas conversas, ele contou: quando se trata de humor, “o público do Ceará também é o mais exigente”. “A gente tem que dar os pulos da gente! (risos)”. Para Jader, isso acaba sendo bom. De certa forma, faz com que os talentos da cena do humor no Estado estejam em frequente aprendizado e reinvenção.

A compreensão sobre o nível de qualidade da comédia, então, está sempre “lá em cima”. É como uma locomotiva em constante movimento, numa terra em que o humor parece ser identificado no DNA, quase como algo hereditário.

 

 

Nosso sotaque no teatro, na TV, no cinema e na internet

Karla Karenina é atriz, escritora e diretora do Teatro São José(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Karla Karenina é atriz, escritora e diretora do Teatro São José

Para a atriz cearense Karla Karenina — a intérprete de Meirinha na Escolinha do Professor Raimundo, programa comandado por Chico Anysio (1931-2012), nos anos 1990, na Globo —, “a internet deu uma nova dimensão” para essa história do Ceará ser a Terra do Humor. “Mesmo essa nova forma de se comunicar com o público, o Ceará continua exportando talentos. Isso não morre mais! Depois do boom (nas décadas de 1980 e 1990), só tem se solidificado. O humor foi para a televisão nacional, acompanhei isso e fui para o cinema. Agora, há as redes sociais e as plataformas de streaming”.

A eterna Meirinha também evidencia: “Somos engraçados. Um povo que escolheu ter essa forma de driblar as dificuldades. Tem muito humorista no meio da rua, nem todos vão para o palco. De tanto ser natural para nós, fazer rir, foi sendo natural também levar para as diferentes linguagens”. Ela cita Chico Anysio e Renato Aragão como os grandes nomes que pavimentaram o reconhecimento do humor cearense a partir da segunda metade do século XX.

Karla Karenina como Meirinha(Foto: Acervo pessoal/Karla Karenina)
Foto: Acervo pessoal/Karla Karenina Karla Karenina como Meirinha

A atriz analisa: “No começo, a gente enfrentou aquele estereótipo do nordestino só ser engraçado, virando chacota. Depois, começou a dar autoestima também, de uma forma positiva. É o que tenho notado de evolução. A gente está vendo e ouvindo nosso sotaque na TV, no cinema, exportando isso através das redes sociais e até internacionalmente”.

Karla, por exemplo, integra o elenco da comédia “Cine Holliúdy”, franquia do diretor cearense Halder Gomes. O universo da produção se desdobra em curta, dois longas-metragens e uma série da Globo com segunda temporada a estrear em agosto de 2022. A artista destaca o trabalho do caririense Max Petterson, ator que foi morar em Paris para estudar teatro e acabou viralizando nas mídias sociais com seu jeito irreverente de falar, reparar e contar histórias... Enfim, cearense!

Aos 54 anos, Karla celebra quatro décadas dedicadas à arte, com trabalhos no teatro, na televisão e no cinema. “É um privilégio. É muito interessante perceber que ainda estou trilhando esse caminho do humor, acompanhando gente nova, agora, e me reencontrando com algumas pessoas da minha época”.

Karla, aliás, grava “Cilada”, de Bruno Mazzeo, filho de Chico Anysio, neste segundo semestre de 2022, para o canal fechado Multishow. “O humor sempre foi uma forma de resistência”.

 

 

As políticas públicas para o humor

 

Karla Karenina é diretora do Teatro Municipal São José, equipamento cultural fundado em 1914. No início da década de 2010, a artista acompanhou as diligências da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará para pensar os caminhos das políticas públicas para o humor no Estado. “Fui para isso, para pensar o humor como uma linguagem oficial dentro das políticas públicas. Esse lugar é uma conquista muito grande. O humor era, até então, marginalizado”.

No Teatro São José desde fevereiro de 2021, Karla destaca a criação da Quarta Cultural, programação que une talentos do humor e da música do Ceará em shows gratuitos às quartas-feiras. “É uma forma da gente divulgar mais ainda, dar espaço para novos talentos. Vejo crescendo as possibilidades do humor e de mostrar trabalhos consistentes em festivais dessa área, por exemplo. Só tende a melhorar, porque é uma tendência. O Humor no Ceará é uma grife, um patrimônio cultural”.

 

 

Modo de viver

No modo de viver dos cearenses estão interligadas, mesmo de forma inconsciente, técnicas e metodologias avançadas da arte de fazer rir, de acordo com pesquisa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (Unifor). O humor está no cotidiano, entranhado à cultura e às pessoas desta Terra. Isso, de acordo com o grupo, permite pensar o reconhecimento do humor cearense como patrimônio cultural imaterial em diversos âmbitos: desde as relações de legislações e políticas culturais dos municípios do Estado à Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Com destaque para essas ideias, o programa Sesc Ideias apresenta, no YouTube, o debate “O humor cearense como patrimônio cultural imaterial”, com Karla Karenina e Jader Soares; Allan Magalhães, doutor em Direito Constitucional; e Humberto Cunha Filho, professor da pós-graduação em Direito Constitucional da Unifor. A mediação é de Cecília Rabêlo, presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais, com apresentação de Danilo Cymrot, pesquisador do Sesc São Paulo.

 

“A arte me deu tudo que tenho”

 

O humorista e apresentador Ciro Santos tem a vida marcada pelas artes. “Humor é resistência. A arte me deu tudo que tenho”, exclama. Ele é o artista por trás da vedete Virgínia Del Fuego, dona do bordão “titia te ama, amor!”. Com a personagem, Ciro realiza espetáculos não só no Ceará, mas também em outros estados do Brasil e no exterior. Seus shows têm caracterização com trocas de figurinos, números de mágica, encenação com bonecos e improvisos. Em cena, também se descaracteriza em interação constante com a plateia. Sai Virgínia, entra Ciro. A performance segue há mais de 20 anos em cartaz. E nenhuma é igual a outra. Assim o artista conta.

Ciro Santos, humorista de vários personagens, tem a carreira marcada pelo sucesso de Virgínia Del Fuego no Ceará(Foto: Aurelio Alves e Samuel Setubal)
Foto: Aurelio Alves e Samuel Setubal Ciro Santos, humorista de vários personagens, tem a carreira marcada pelo sucesso de Virgínia Del Fuego no Ceará

No embalo das novas linguagens, Ciro também investe nas mídias sociais. O artista ainda apresenta o programa de entrevistas Ciro Santos Convida da TV Ceará e comanda o site de notícias e entretenimento “No Ceará Tem Disso Sim”. Nascido no Rio de Janeiro, mas radicado no Ceará há mais de três décadas, ele foi nomeado cidadão de Fortaleza em 2020.

“Nasci assim, querendo arte”, diz. Seu pai era bancário. Sua mãe, dona de casa. No bairro do Botafogo, cresceu brincando de teatro com sua prima. Na juventude, fez patinação artística e teatro. Aos poucos, se encontrou no humor. Em paralelo ao início da carreira artística, trabalhou como bancário. Morava na Penha, fazia teatro em Copacabana e trabalhava em Duque de Caxias. Muitas vezes, ia dormir de madrugada como artista e algumas horas depois pegava o trem para “ser bancário”. O encantamento pela arte, no entanto, parecia transbordar no tempo-espaço.

Ciro visitou o Ceará a convite do também humorista Paulo Diógenes, criador da personagem Raimundinha, quando estava de férias do banco. A estadia na Terra da Luz deveria durar 15 dias. Pediu licença do trabalho e acabou ficando um tanto mais. Retornou ao Rio de Janeiro, mas, pouco tempo depois, já estava de volta. “Sou apaixonado por esse lugar”. Ciro transferiu o emprego para Fortaleza e por aqui fez morada. Decidiu, neste solo, viver somente de arte.

Juntas, Virginia Del Fuego e Raimundinha montaram o espetáculo Caviar com Rapadura, unindo a estética chique ao brega. Ajudaram a consolidar o humor feito no Ceará, especialmente nos anos 1990, junto a nomes como Rossicléa (personagem de Valéria Vitoriano), Meirinha (de Karla Karenina), Falcão e Lailtinho Brega. O legado dessa turma se estende até hoje.

Com Virgínia Del Fuego, Ciro Santos apresenta espetáculos de comédia, música e mais possibilidades de arte(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Com Virgínia Del Fuego, Ciro Santos apresenta espetáculos de comédia, música e mais possibilidades de arte

Aos 60 anos, Ciro celebra: “Consegui viver de arte. Tudo o que consegui foi pela arte, não foi com o banco”. Dessas conquistas, ele destaca o apartamento, uma cobertura em uma das vias mais movimentadas de Fortaleza, em que mora sozinho, entre quadros e bonecos de palhaços, vitrola, retratos de uma vida e grafites estampados em paredes. O reduto colorido parece uma extensão de sua alma artística. Aurélio Alves, fotojornalista do O POVO, e eu estivemos por lá numa terça-feira, 26 de julho de 2022.

Ciro segue um ritmo frenético. Se arruma no mesmo piscar de olhos com que resolve os pormenores da programação do fim de semana. Em seu apartamento, onde nos concedeu entrevista, mostrou seu acervo de figurinos (cheios de detalhes de lantejoulas e elementos tecnológicos, produzidos por encomenda), o andar de cima em reforma e apresentou truques de mágica. Também disse: “A Virgínia é a dona de tudo isso. É a responsável por tudo, por eu ter conseguido essa maturidade profissional, de saber como levar as coisas, como fazer e mudar”.

Sobre as semelhanças com a personagem, Ciro expõe: “Não tenho nada de Virgínia, não” — com a negação dupla típica do cearense. “As pessoas falam que, quando me despeço dela em cena, é uma mudança brusca”. Virgínia é quem tem um pouco de Ciro, desde o amor pelo lugar que escolheu viver ao afeto pelo público. “Sou muito carinhoso. Ela tem isso, principalmente quando faz duetos com os bonecos”.

“E eu faço tudo isso com muito amor. Acho que tem que ser, porque, se não for, você não consegue passar para a plateia emoção. Gosto de sair suado. Dizer: ‘Tá feito! Cumpri minha missão”. A resposta do público é o que o inspira. Em vídeo, o artista fala sobre a paixão pelo humor cearense, a ética ao atuar na arte do riso e a trajetória com Virgínia Del Fuego.

 

>> Entrevista

Tom Cavalcante: “Essa hegemonia tem nome e sobrenome: Ceará, Terra do Humor”

O humorista Tom Cavalcante no reality show "LOL: se rir já era", disponível no streaming Prime Vídeo, em que humoristas são desafiados a ficarem horas sem rir(Foto: Divulgação/Prime Video)
Foto: Divulgação/Prime Video O humorista Tom Cavalcante no reality show "LOL: se rir já era", disponível no streaming Prime Vídeo, em que humoristas são desafiados a ficarem horas sem rir

O humorista cearense Tom Cavalcante torce para que a TV aberta volte a investir nos programas de humor. Nos anos de 1980 e 1990, o País contava com vários programas de comédia em grandes emissoras. Na primeira década do milênio, foram os programas de Tom nos canais abertos de televisão, por exemplo, que lançaram inúmeros artistas na arte da comédia, por meio de quadros e festivais. Ao longo do tempo, esse espaço foi minguando.

Aos 60 anos, o fortalezense que começou a fazer graça nas rádios da cidade natal e conquistou Chico Anysio no Rio de Janeiro também se reinventa na internet, com vídeos no Instagram (@tomcavalcante) e no “Canal do Tom Cavalcante” no YouTube.

O POVO - Já consolidado como artista, ter nascido no Ceará e crescido em meio a essa atmosfera do riso tem se mostrado como algo fundamental no seu trabalho?

Tom Cavalcante - Sem dúvida, é um registro, uma grife que o Brasil adotou e que carrego com muito orgulho! Aplausos para Chico Anysio e Renato Aragão, precursores dessa gigantesca onda que inspiraram a mim, a minha geração e a centenas espalhados pelos palcos do Ceará e do País, legitimando essa hegemonia que tem nome e sobrenome: “Ceará, Terra do Humor”.

OP - Você começou em rádios, passou pelo teatro e pela televisão e, agora, está na internet. O que te levou a abrigar esses novos meios? Qual o maior desafio de pensar a arte do riso nestes tempos?

Tom - Sempre estive atento, ligado às mudanças e gostos da audiência. Entrar no universo da internet nesses tempos onde os programas de humor nas TVs são raros, o YouTube veio expandir ainda mais o meu trabalho. Confesso que levei um tempo para entender o formato para entregar meu humor no tempo e na linguagem certas. O estudo é constante.

OP - Durante um tempo, foram os seus programas que lançaram inúmeros humoristas Brasil afora. Ainda pretende voltar a ter programas na TV aberta?

Tom - Torço para que os nossos dirigentes despertem para investir nesse produto mágico que é o humor.

OP - Como você se vê hoje, aos 60 anos de idade? Há muito daquele menino fortalezense?

Tom - Vivo um momento de muita paz e realização pessoal, profissional junto à família, ao meu público. Vou terminar minhas respostas citando meus queridos amigos Fernando Brant e Milton Nascimento: “Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração… Toda vez que o adulto balança ele vem para me dar a mão!”.

 

 

Almanaque do Humor

 

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