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20 anos da 1ª cidade planejada: memória e a nova história na reinvenção de Jaguaribara
Reportagem Seriada

20 anos da 1ª cidade planejada: memória e a nova história na reinvenção de Jaguaribara

A história da primeira cidade planejada do Ceará se relaciona com a construção da maior barragem em região semiárida no mundo e às profecias de Frei Vidal do século XVIII
Episódio 1

20 anos da 1ª cidade planejada: memória e a nova história na reinvenção de Jaguaribara

A história da primeira cidade planejada do Ceará se relaciona com a construção da maior barragem em região semiárida no mundo e às profecias de Frei Vidal do século XVIII
Episódio 1
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A história da primeira cidade planejada do Ceará completa 20 anos neste dia 25 de setembro. É a data que marcou, em 2001, o início da história da nova Jaguaribara, ou da nova história de Jaguaribara. Um nome e uma cidade que já tinham história bem antes disso. O nome e as pessoas foram transpostos para dar lugar à barragem do Castanhão, o maior açude em região semiárida do mundo, principal fonte de abastecimento de água do Ceará. Para trás ficou o território. O lugar da antiga Jaguaribara, inundada pelas águas.

O novo lugar da velha cidade foi planejado para cerca de 70 mil pessoas. Os mortos foram os primeiros moradores. O cemitério da antiga cidade tinha cerca de 200 túmulos quando foi interditado em maio de 1999. Parou de receber sepultamentos porque, os corpos só podem ser desenterrados após dois anos. Antes de a nova e planejada Jaguaribara receber os vivos, os cadáveres da cidade antiga foram exumados e transferidos. As ossadas estão dispostas em gavetas nas paredes do cemitério da cidade nova.

Praças de Jaguaribara, primeira cidade planejada do Ceará(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Praças de Jaguaribara, primeira cidade planejada do Ceará

Na vez dos vivos, a cidade planejada recebeu os pouco mais de 7 mil habitantes da antiga Jaguaribara. Na mais recente estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente a 1º de julho deste ano, são 11.580 habitantes.

Cemitério de Jaguaribara. Os mortos foram os primeiros a realizarem a mudança para a nova sede da cidade. O cemitério foi o primeiro espaço a ser inaugurado(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Cemitério de Jaguaribara. Os mortos foram os primeiros a realizarem a mudança para a nova sede da cidade. O cemitério foi o primeiro espaço a ser inaugurado

O POVO foi a Jaguaribara na semana passada. O nome da cidade é Jaguaribara, apenas, e há rejeição à alcunha dada no marketing governamental da época, "Nova Jaguaribara". A data de celebrar o Município é o 9 de março, quando houve a emancipação, em 1957. Para as pessoas com quem O POVO conversou, o 25 de setembro é propício para refletir sobre o que ficou para trás, as promessas da mudança e a cidade que ainda é sonhada pela população.

Até 2012, a antiga Jaguaribara ficou encoberta pelas águas do Castanhão. Os cinco anos de seca até 2016 fizeram com que, gradualmente, ruínas ressurgissem no meio das águas, trazendo as memórias de antigos habitantes em um luto que perdura.

Local da sede da antiga Jaguaribara. Cidade foi evacuada para construção do açude Castanhão e submersa pelas águas. Por causa das secas, as ruínas da antiga cidade voltaram a aparecer(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Local da sede da antiga Jaguaribara. Cidade foi evacuada para construção do açude Castanhão e submersa pelas águas. Por causa das secas, as ruínas da antiga cidade voltaram a aparecer

Na edição impressa do O POVO de 14 de agosto de 2001, a jornalista Eleuda de Carvalho deixou o registro da descrição de como era o ponto central da cidade velha que, semanas depois, começou a ser demolida:

"A cidade rasa tem um pequeno outeiro central, olhando a praça. No meio dele, uma calçada alta rodeia a igreja que está sob a proteção dupla de Santa Rosa de Lima e de São Gonçalo. No adro, uma imagem da padroeira se assenta num pedestal, ao lado do cruzeiro. O prédio de arquitetura simples, bem ao modo das igrejas velhas do sertão, está pintado de amarelo claro com frisos de cor mostarda. Há uma torre no alto de onde se avista todo o sertão em volta. Desse minarete simplificado, o sino anunciava as funções, o toque de missa, o dobre soturno dos finados. Esses badalos não se escutam mais. O sino e os santos do altar já estão em sua morada."

 



 

A "velha" Jaguaribara

Jaguaribara situava-se na região do Médio Jaguaribe, região central do Estado do Ceará e ficava a 287 Km da capital do Estado. Antes, tinha uma área de 731 km² e ficava entre os municípios de Alto Santo (norte); Jaguaribe (sul); Iracema (leste) e Jaguaretama (oeste). O território antigo data do século XVII e os habitantes originários foram os índios das tribos Jaguaribara e Tapuias Paiacus. Por necessidade da província no período colonial para expandir as terras, os colonizadores chegaram ao vale do Jaguaribe.

Local da sede da antiga Jaguaribara. Cidade foi evacuada para construção do açude Castanhão e submersa pelas águas. Por causa das secas, as ruínas da antiga cidade voltaram a aparecer(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Local da sede da antiga Jaguaribara. Cidade foi evacuada para construção do açude Castanhão e submersa pelas águas. Por causa das secas, as ruínas da antiga cidade voltaram a aparecer

O capitão João da Fonseca ocupou no século XVII na região onde hoje é Jaguaribara, um sítio então denominado por ele de Santa Rosa. Daí a origem da devoção dos moradores à padroeira Santa Rosa de Lima.

Em 22 de fevereiro de 1694, os colonizadores, dentre eles o português Domingo Paes Botão, foram expulsos pelos indígenas. Dez anos depois, o mesmo colonizador voltou, desta feita munido com melhores condições e mais pessoas para combater e expulsar os povos originários e ocupar a região. Com a conquista das terras, teve início a Fazenda de Santa Rosa, com atividades de pecuária.

Em 1786, parte das terras foi doada ao patrimônio da igreja, onde deveria ser erguida uma capela a São Gonçalo do Amarante — segundo padroeiro de devoção de Jaguaribara. Ali foi formado o povoado de Riacho do Sangue, que mais tarde passou a ser chamado de povoado de Santa Rosa, depois elevado à categoria de vila.

Igreja Matriz de Jaguaribara, com letreiro em homenagem à padroeira Santa Rosa de Lima(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Igreja Matriz de Jaguaribara, com letreiro em homenagem à padroeira Santa Rosa de Lima

Em 31 de outubro de 1824, a Jaguaribara hoje (parcialmente) submersa foi palco de embate entre tropas imperiais e os revoltosos da Confederação do Equador, movimento que sonhou com o Nordeste independente e tentou instaurar uma república em território brasileiro. O confronto travado às margens do Rio Jaguaribe resultou na captura e assassinato do líder da Confederação no Ceará, Tristão Goncalves de Alencar Araripe. O Instituto Histórico do Ceará ergueu no local, denominado Alto dos Andrade, no Sítio Tapera, zona rural da cidade demolida, um pequeno monumento ao herói. Supostamente, os restos mortais foram sepultados na capela do povoado.

 

 

O aniversário comemorado

Em 9 de março de 1957, Jaguaribara se emancipou do município vizinho, Jaguaretama. O rio Jaguaribe pode ser traduzido como a espinha dorsal do Município e, consequentemente, o motivo da fertilidade daquelas terras e do lazer da população, que também tirava dali o seu sustento da pesca e a venda de porta em porta dos alimentos decorrentes. O rio também era fonte de renda para as mães que trabalhavam como lavadeiras. O 9 de março continua motivo de festa para a população jaguaribarense, diferentemente da data que marca a entrega da cidade planejada.

Neste ano, de acordo com a secretária da Cultura da cidade, Mariane Alves, a ideia é fazer deste 25 de setembro um momento de reflexão para a população sobre a cidade desejada para o futuro. Ela reconhece ainda que, ao longo desses 20 anos, pouco das tradições culturais foram recuperadas.

“O processo de mudança teve um acompanhamento, mas o pós-mudança não foi acompanhado. Os idosos, em sua maioria, enfrentam processos depressivos devido à mudança e esses mais velhos eram justamente aqueles que detinham saberes que deveriam ser repassados para gerações futuras. Então, aí a gente já encontrou uma dificuldade muito grande em relação à cultura para manter viva algumas tradições”, explica.

 

 

A profecia do Frei Vidal

Em 25 de agosto de 1985, enquanto a população comemorava o feriado da padroeira Santa Rosa de Lima, o telefone da igreja tocou com a notícia de que seria construída uma barragem naquele local. O professor aposentado Isac da Silva, 62 anos, conta que frei Vidal da Penha já havia profetizado que Jaguaribara viraria uma “cama de baleia”.

Panfleto distribuído à população quando se rompeu a barragem do Orós(Foto: REPRODUÇÃO)
Foto: REPRODUÇÃO Panfleto distribuído à população quando se rompeu a barragem do Orós

De acordo com o cordelista Arievaldo Viana no livro “No tempo da lamparina”, conta-se que tendo parado às margens do rio que corta Santana do Acaraú, Frei Vidal, profeta do sertão na passagem do século XVIII para o século XIX, aproveitou para beber água e banhar-se. Deixou o chapéu no galho de uma árvore.

Um sujeito aproveitou a distração dele para defecar dentro do chapéu. Ao sair dali, Frei Vidal tirou as sandálias, bateu o pó que as impregnava e profetizou que Santana estaria fadada a tornar-se “cama de baleia” e crescer sempre para baixo. As cidades que nasceram às margens do Rio Jaguaribe também foram ameaçadas com igual profecia.

Segundo Vidal da Penha, Aracati seria a primeira da lista e as águas invasoras de um possível tsunami iriam transformar a distante Icó em porto de navio. Coincidência ou não, em março de 1960 a barragem de Orós, ainda em construção, arrombou parcialmente e inundou o médio e baixo Jaguaribe. Posteriormente, em 1985, surgiu a notícia de que Jaguaribara, às margens do rio, seria inundada para a construção do Castanhão.

 

 

O Castanhão

O funcionário público Jeso Freitas, 59 anos, foi vice-presidente da Associação dos Moradores de Jaguaribara, na década de 1980. O grupo organizado fez oposição à construção da barragem de 1985 até 1995. Jeso lembra que, quando chegou a notícia da construção da barragem, dada por telefone pelo ex-prefeito Francini Guedes (PSDB), a população ficou apavorada. Daquele momento em diante, o objetivo era descobrir como aconteceria a construção.

Na época, Jeso tinha 23 anos e era politicamente ativo no grupo de juventude. A Igreja Católica, por meio da irmã Bernadete, apoiou o movimento de resistência à construção da barragem. “A igreja estava lotada nesse dia porque o bispo diocesano dom Pompeu estava presidindo a missa. Quando foi dada a notícia, as pessoas quase enlouquecem, ninguém acreditava”, lembra.

Em 5 de setembro do mesmo ano de 1985, a associação se reuniu com o então governador Gonzaga Mota (PDS), em Fortaleza, onde foi confirmado para os moradores que a barragem não seria mais construída. “Nós saímos de lá (Fortaleza), a população se preparou e foi a noite todinha de festa”, completa.

O Castanhão voltaria aos planos, todavia, em 1989, quando o então deputado Paes de Andrade era presidente da Câmara dos Deputados e assumiu interinamente a Presidência da República, durante ausência do à época presidente José Sarney. Paes assinou o edital para construção do Castanhão. Governador do Ceará na ocasião, Tasso Jereissati (PSDB) era inicialmente contra. Porém, mudou de opinião. Quando retornou ao cargo, em 1995, atuou intensamente para viabilizar o açude, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Vista aérea do açude Castanhão(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Vista aérea do açude Castanhão

Com capacidade para 6,7 bilhões de metros cúbicos de água, o Castanhão foi apresentado como a principal estrutura para, em períodos de seca, assegurar o abastecimento hídrico da Capital, Região Metropolitana de Fortaleza até o complexo industrial e portuário do Pecém. Além disso, seria um amortecedor das enchentes do rio Jaguaribe nas grandes quadras chuvosas, a exemplo de 1974 e 1985.

 

 

Rumo à terra prometida

A propaganda da mudança da população prometia um lugar ideal de desenvolvimento. Por um lado, trouxe dignidade a muitas famílias que nunca nem sonharam com a perspectiva de casa própria. O Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) fez cadastro as famílias, que tiveram direito a uma casa simples ou maior, conforme aquela que possuíam. Quem não tinha casa, mas podia provar que morava em Jaguaribara havia certo tempo ganhou uma residência nos moldes mais simples, as de mutirão.

Por outro lado, nenhum dos moradores estava pronto para a ruptura com o território, que começou a partir de 25 de setembro de 2001.

De acordo com a doutora em Psicologia Fátima Bertini, o trauma dessas pessoas em relação ao território vem da emoção do afeto impedido. "Eu vejo a questão do trauma das pessoas, principalmente, pela sensação da perda do território e da certeza de que não pode voltar para o lugar onde vivenciou a juventude, infância e outros momentos da vivência", disse. A pesquisadora escreveu tese de doutorado analisando os afetos da população em relação ao território a partir da ótica do filósofo Baruch de Spinoza. Na tese Mudanças urbanas e afetos: estudo de uma cidade planejada, ela analisa o trauma e o luto dessa população por meio de entrevistas com os antigos moradores e com crianças que já nasceram na nova cidade.

"Muitos me falaram durante as entrevistas que sonhavam andando na cidade inundada e que pisavam nas calçadas, nas praças. Os entrevistados disseram também, em contrapartida, que nunca sonharam estar na cidade nova. Os sonhos eram sempre muito recorrentes nas falas da população, principalmente essa imagem de andar na cidade velha. Talvez pela perda da intimidade de andar na cidade, essa repressão foi pros sonhos", explica Fátima.

Na tese, ela ressalta que os mais velhos desacreditaram da história. Falavam: "Isso é conversa! Onde já se viu construir uma cidade do zero?" O projeto da construção foi liderado por um time de arquitetos cearenses e contou com participação popular. O maior símbolo era uma réplica em tamanho maior da igreja que havia na cidade antiga.

Igreja Matriz da cidade de Jaguaribara. Igreja foi construída idêntica à original, da cidade que foi submersa pelas águas do Castanhão, porém com tamanho maior(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Igreja Matriz da cidade de Jaguaribara. Igreja foi construída idêntica à original, da cidade que foi submersa pelas águas do Castanhão, porém com tamanho maior

Apesar dessa busca por elos de identidade que tornassem o novo território palpável para a população, Fátima explica que essa reconstrução afetiva em relação ao território tem de vir de dentro para fora, não o contrário. "Os idosos tiveram um impacto emocional maior, porque a identidade emocional do idosos é muito ligada à memória. Quando tiram o aspecto material dessa vivência, no caso a cidade velha, eles têm mais dificuldade de reconstruir (a identidade), devido à própria questão de o idoso ter maior tendência a buscar no passado uma identidade pessoal do que no novo. Por não terem referências simbólicas da cidade velha, eles foram decaindo. Não adiantava pra eles ter uma igreja igual, porque ali não era a vida deles", disse Fátima.

Para a professora de História Reginalda Brito, é sempre um desafio quando a questionam sobre o lugar de onde nasceu. "Uma vez estava numa aula na faculdade e um colega me perguntou de onde é que eu era. Eu disse que era de uma cidade que não existe mais. Você já pensou o quanto isso é doloroso?" Ela aponta que não existe elo na atual Jaguaribara que acenda o sentimento de pertencimento da população tão poderoso quanto o rio Jaguaribe, que atravessava o meio a cidade hoje inundada.

Apesar de demonstrar o orgulho que a população de Jaguaribara sente por ter deixado seu território por um bem maior, a construção do Castanhão, Jeso Freitas acredita que, se as estruturas das casas da antiga Jaguaribara estivessem de pé, a cidade antiga teria voltado a ser morada dos jaguaribarenses tão logo as águas baixaram.

Parada de ônibus remanescente entre as ruínas da cidade antiga(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Parada de ônibus remanescente entre as ruínas da cidade antiga

 

 

A cidade planejada 

A nova cidade, assim que foi entregue, possuía uma uma população de 3.689 pessoas na área urbana. Parte da população rural ficou em assentamentos da região em municípios vizinhos. O custo de construção, em 2001, foi de R$ 71.082.721,08. O sistema de saneamento é um aterro com 26 hectares, quatro estações elevatórias de esgoto e uma estação de tratamento, composta de três lagoas de estabilização.

Das novidades da cidade inaugurada há 20 anos, os antigos moradores costumam ressaltar nas entrevistas a estação de telefonia móvel celular. Naquela época, a tecnologia trouxe esperança de desenvolvimento. Durante muito tempo, o único telefone da cidade velha era o fixo que ficava na paróquia.

Na área residencial, foram entregues 1030 unidades habitacionais. Para o comércio, foi construído um mercado público, um matadouro, seis centros comerciais varejistas, dois centros comerciais atacadistas, agrupando juntos 100 lojas. Doze praças e um parque urbano, com arborização e paisagismo. Duas igrejas católicas, sendo uma delas réplica da igreja da cidade antiga, uma igreja evangélica e o cemitério. Para educação e cultura, um Liceu, uma escola com oito salas de aula, duas creches e duas quadras esportivas. Um posto policial, uma delegacia distrital, um hospital com 30 leitos e um centro de saúde.

Imagem de Santa Rosa de Lima, levada da igreja da cidade antiga para a nova, em Jaguaribara(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Imagem de Santa Rosa de Lima, levada da igreja da cidade antiga para a nova, em Jaguaribara

Quando entregue, as casas da cidade eram todas iguais nas cores: brancas com as portas pintadas de azul. Algumas mais simples, construídas em mutirões. Outras maiores e mais pomposas, mas tudo semelhante. Aos poucos, cada um dos moradores vai modificando sua casa: seja pintando uma fachada, aumentando o muro, mudando o portão e tornando a casa irreconhecível em relação ao imóvel entregue em 2001. De acordo com Fátima Bertini, essa foi uma das potencias identificadas em sua pesquisa junto a população sobre como esse elo com a cidade pode ser construído a partir dessas modificações nos lares.

A cidade possui a alcunha de cidade-fantasma, descrição utilizada de forma recorrente pelos moradores entrevistados para definir as ruas depois das 20 horas. Com vias muito largas e retornos extensos, a sensação remete a um tipo de solidão. Diferentemente da cidade antiga, onde maioria das casas eram conjugadas, muros, hoje altos, rodeiam as residências atuais. A partir das 20 horas é difícil encontrar gente nas ruas ou estabelecimentos abertos.

O maior problema enfrentado pelos moradores foi na economia e trabalho. Acostumados a pescar de tarrafa e com toda a comodidade trazida pelo rio próximo, eles ficaram espantados com a ideia de criação de peixe em gaiolas, no açude. "Gaiola é pra passarinho!, diziam os pescadores mais experientes", lembra a professora Reginalda Brito. 

Com todos essas mudanças, o principal problema da cidade é que a população de pouco mais de 11.500 habitantes, com a arrecadação e as transferências constitucionais correspondentes, não sustenta a estrutura de uma cidade planejada para 70 mil. A desproporção entre quantidade de moradores e a estrutura preparada para receber sete vezes mais provavelmente reforça a sensação de vazio.

Praças e vias da cidade nova de Jaguaribara(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Praças e vias da cidade nova de Jaguaribara

Ao longo das gestões que já passaram nesses 20 anos, muitos dos equipamentos foram fechados ou abandonados. Em julho de 2011, a empresa distribuidora de energia no Ceará, na época Coelce, ganhou na Justiça o direito de cortar a energia da cidade que estava inadimplente havia cinco anos.

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