Os grandes invernos registrados na história hídrica do Ceará mostram que, ciclicamente, em diversos períodos da história recente, a água em excesso trouxe tantos problemas quanto os longos períodos de seca. De acordo com registros do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), no inverno de 1974 choveu cerca de 17,8 bilhões de metros cúbicos; no inverno de 85, 19,9 bilhões de m3. Já em 2009, último inverno com grande volume de chuvas registrado, foram 8 bilhões de metros cúbicos.
As enchentes do rio Jaguaribe durante os dois primeiros invernos citados eram impiedosas com a população que vivia em municípios próximos do curso do rio. A de 74, por exemplo, representou uma tragédia em Aracati, onde populações ficaram ilhadas nos pontos mais altos e precisaram ser resgatadas de barcos. A situação ficou ainda pior pois, devido às enchentes, algumas cidades ficaram sem acesso terrestres, sofrendo privações de abastecimento de alimentação. Na época, o governo Geisel enviou o Ministro do Interior, Maurício Rangel. Em 74, entre os flagelados das enchentes havia mais de 500 crianças, segundo matéria do O POVO da época.
Já no inverno de 85, ainda em fevereiro o Açude Orós já tinha sangrado com três dias de chuva, anunciando as inundações que viriam. Naquela época, Orós era o maior açude do estado. Nesse contexto, começaram as discussões sobre a construção da barragem, mas o acidente geográfico Boqueirão do Cunha, local onde hoje se localiza a barragem, foi mapeado pelo geólogo americano Roderic Crandell, pela Inspetoria Federal de Obras contra as Secas, Ifocs, em 1910.
Até o ano de 1985, quando o Castanhão surgiu no cenário cearense, o Dnocs jamais havia previsto qualquer reservatório de acumulação no Boqueirão da Cunha, de acordo com Cássio Borges, engenheiro aposentado do órgão e autor do livro "A face oculta da barragem do Castanhão". Até hoje, Cássio sustenta a ideia do Castanhão ter sido um erro, construído naquelas proporções. A ideia do órgão era da construção de 12 barragens de médio porte (200 a 500 milhões de metros cúbicos) no alto Jaguaribe e na bacia do rio Salgado, localizada na região sul do Estado. Entre 1985 e 1989, a imprensa cearense foi palco de discussões entre a comunidade científica e políticos, através de artigos, defendendo a viabilidade ou não da construção do açude gigantesco.
A ordem de serviço foi assinada pelo governador do Estado, na época Tasso Jereissati (PSDB), em dezembro de 1995. Nesse ínterim, a população de 7 mil habitantes viveu esse impasse, à espera das águas do Castanhão e da nova morada. Foi nesse período também que, segundo a própria zeladora do cemitério da cidade demolida, em entrevista ao O POVO em 13 de dezembro de 1995, aumentou a morte de idosos, segundo a funcionária de "desgosto", por ter que sair dos seus locais de origem. A transferência da população foi anunciada em novembro do mesmo ano.
O Castanhão é o maior açude do mundo já construído em uma região semiárida. Com capacidade máxima de acumulação de 6,7 bilhões de metros cúbicos de água, o açude surgiu como uma redenção do Nordeste, e a solução para o abastecimento hídrico da capital. O investimento foi de 200 milhões, com os custos adicionais da construção da Jaguaribara. De acordo com o engenheiro agrônomo e técnico do Dnocs, Evandro Bezerra, os açudes de Orós, Castanhão e Banabuiú, tem praticamente a mesma vazão regularizada com 12 m3/s, 12,35m3/s e 11m3/s, respectivamente. Ou seja: o fato de uma barragem ser grande não significa necessariamente que os benefícios hidrológicos também sejam grandes. Para se ter uma ideia, o Açude do Castanhão é seis vezes maior que o de Banabuiú, e três vezes e meia maior que o de Orós.
Um dos pontos de maior contestação da barragem até hoje é sua evaporação, contada no Relatório de Impacto Ambiental (Rima), de 2.893,5 mm. A barragem tem a forma de um prato raso, o espelho das águas era muito grande o que significa uma maior evaporação em contato com o calor da região. "Castanhão é uma construção que não serve para todos os objetivos que foi pensada", contesta Reginalda Brito, que, além de historiadora, trabalha em uma empresa que vende ração para peixe em Jaguaribara. "Compreendo que o barramento é para guardar águas para períodos secos. Hoje o Castanhão atende principalmente os grandes grupos do baixo Jaguaribe e do Pecém. Eu digo isso com muita tristeza", lamenta Reginalda, mostrando o bloco de "fiados"que ficaram dos últimos 5 anos, quando a cidade de Jaguaribara deixou de ser a maior produtora de tilápia do Brasil e sentiu o amargor do nível das águas baixando no Castanhão.
De acordo com o técnico do Dnocs responsável pelo Castanhão, Braulino Coelho, 18 mil litros de água por segundo são liberados do açude para a capital e RMF. Atualmente o açude está com 10,45% da sua capacidade. O açude sangrou pela primeira vez em 2004, quando houve um inverno atípico, que acumulou 250 milhões/m3 em um dia. Na cidade de Jaguaribara, há quem diga que nunca mais sangrará novamente.
Passado um ano da inauguração do Castanhão, o volume acumulado na barragem saltou 5,4% em 2004 para 71,9% em 14 de março do mesmo ano. Em 27 de fevereiro as comportas foram abertas pela primeira vez com 55,65%. Pelas 12 comportas do açude, passaram mais de 360 milhões de litros d’água.
Nesse contexto, a piscicultura em larga escala encontrou terreno fértil. Em 5 de julho de 2003 foi quando a primeira gaiola entrou no açude. Em 2013, por conta do Castanhão, Jaguaribara chegou a ser a maior produtora de tilápia do Brasil.
O último inverno de grandes proporções no Ceará foi visto em 2009. No mesmo ano, o Castanhão chegou perto de sua capacidade máxima com 97,6%. Isso significa que dos 6,7 bilhões de metros cúbicos que a barragem aporta, mais de 6,4 estavam preenchidos. Num inverno totalmente atípico choveu 1.044,5 mm. Em 1984, por exemplo, foram registrados 941,7 milímetros.
Em 25 de abril de 2009 a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), anunciou a abertura de 4 das 12 comportas do açude, localizadas em Alto Santo. Juntas, as quatro comportas jogaram 400 metros cúbicos de água por segundo para o Rio Jaguaribe.
Em 24 de janeiro de fevereiro de 2018, atingiu seu volume mais baixo, com 2,10%. Em 2020, atingiu a marca de 2,39% da sua capacidade. Atualmente, a barragem está com 10,30% do volume.
Além das memórias trazidas pelas marcas do que já é cidade e já foi água, de 2015 a 2019 a piscicultura na cidade foi lentamente chegando ao fim. De acordo com Braulino Coelho, fiscal do Dnocs no Castanhão, até 2017 os grandes piscicultores, ao invés das 25 gaiolas por hectare, 5 metros de distância entre as gaiolas, eram colocadas de 80 a 100 gaiolas por hectare, sem espaço entre elas, o que ajudou a diminuir a oxigenação da água. Nestes quatro anos, algumas toneladas de peixes mortos foram retirados do local.
Para Reginalda Brito, de 2015 pra cá houve má administração da Cogerh. “O que acontece é que de lá pra cá a água vai embora, a Cogerh faz isso sem o menor controle e respeito pelo piscicultor. O governo até hoje ainda não ressarciu esses trabalhadores. Até hoje ainda não saíram as indenizações. E nada foi feito em seguida”, explica. A piscicultura movia toda uma cadeia de produção na cidade de Jaguaribara além da própria criação: a filetagem, o artesanato com o couro, a ração, a alimentação, a canoagem, a criação de alevinos, atravessadores, fábrica de gelo.
De acordo com a Cogerh, a perda da oxigenação pode ser explicada por alguns fatores, dentre eles, o manejo inadequado de piscicultores como o uso de ração inadequada. “Quando ele diminui seu volume de água perde a qualidade, é natural isso”, explica. O outro fator é a quadra chuvosa, que traz novas águas causando alguns fenômenos na água, como a inversão térmica, quando as águas superficiais com maior concentração de oxigênio misturam-se as mais profundas com menos oxigênio e nutrientes. De acordo com gerente da Bacia do Médio e Baixo Jaguaribe na Cogerh, Hermilson Barros, a mortandade ocorre de forma cíclica, sempre no período chuvoso.
O Castanhão é o reservatório que recebe a água da transposição. Em marco, o governo federal deu início as operações pela barragem de Jati. A Secretaria de Recursos Hídricos decidiu aproveitar o impulso das chuvas da quadra neste ano para bombear os 65 milhões de m3 de água que chegaram ao Castanhão, destes, 55 milhões tiveram Fortaleza como destino e 10 milhões ficaram no açude, de acordo com a Cogerh. As águas do São Francisco chegaram em 10 de maio na barragem, mas já em abril o bombeamento precisou ser interrompido por problemas em duas estações de bombeamento do eixo norte.
Em agosto, o fluxo foi retomado para o eixo leste, que não beneficia diretamente nenhum município cearense. "Mesmo se fosse retomado, com a vazão de 8,6 m3 por segundo não chegaria aqui", finaliza Hermilson. De acordo com a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), as operações devem ser retomadas em 2022, no próximo inverno. De acordo com Hermilson, o custos de bombeamento são altos e está sendo discutida uma redução da tarifa de energia entre a SRH e o Governo Federal.
Essas águas não impactaram no volume do açude porque, como bacia receptora, a água vem em caráter emergencial para atender a população na capital. As águas acumuladas no reservatório estão sendo usadas na região do Vale do Jaguaribe, atendendo parte da população e projetos de irrigação e carcinicultura. "Começamos esse ano com 12,3% da capacidade com uma vazão de pouco mais de 8m/s, avançando no máximo 150 km. O pessoal que tá abaixo fica com dificuldade. Vamos chegar com (volume de) 7,3% no próximo ano. Pouco mais de 490 bilhões de m3. Se não chover no próximo ano, a água que vamos ter no Castanhão para atender o que der com restrição é 7,3%. Imagine os piores cenários, onde ele não consegue pegar água. A lei prioriza o abastecimento humano até onde puder", prevê Hermilson.
As histórias de localidades do Ceará que, de forma planejada ou emergencial, foram evacuadas e transferidas para a construção dos maiores açudes do Ceará