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Caso Gaia Molinari: 10 anos de incertezas e impunidade
Reportagem Seriada

Caso Gaia Molinari: 10 anos de incertezas e impunidade

A investigação da morte da turista italiana em Jericoacoara passou das 30 mil páginas, teve nove delegados, dois suspeitos presos e, depois, isentados, mas não respondeu: quem matou Gaia?
Episódio 3

Caso Gaia Molinari: 10 anos de incertezas e impunidade

A investigação da morte da turista italiana em Jericoacoara passou das 30 mil páginas, teve nove delegados, dois suspeitos presos e, depois, isentados, mas não respondeu: quem matou Gaia?
Episódio 3
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O que aconteceu com Gaia Barbara Molinari? Poucos crimes na história recente do Ceará são tão paradigmáticos no que diz respeito à impunidade quanto o caso da turista italiana de 29 anos encontrada morta em 25 de dezembro de 2014 em Jijoca de Jericoacoara, município do Litoral Oeste do Estado.

Quase 10 anos depois, o inquérito que investiga o caso já passou das 30 mil páginas. Nove delegados passaram pelo caso. Dois suspeitos foram presos temporariamente, mas, inocentados, foram soltos sem sequer terem sido indiciados. As prisões suscitaram polêmicas, com alegações, inclusive, de racismo, no caso da carioca Mirian França.

O inquérito já chegou a ter o arquivamento solicitado em 2017, mas continua em aberto. Nas milhares de páginas resultantes da extração dos dados do celular de Gaia, pode haver uma última esperança de encontrar algum elemento que possa ajudar no caso. Na prática, todavia, o inquérito que apura o caso está paralisado.

GAIA, italiana morta em jericoacoara(Foto: ARQUIVO PESSOAL  )
Foto: ARQUIVO PESSOAL GAIA, italiana morta em jericoacoara

A última movimentação do inquérito ocorreu em setembro de 2023, quando um novo delegado, Ícaro Coelho, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), assumiu a investigação. De lá para cá, nenhum documento foi anexado à peça.

Na leitura do inquérito, ao qual O POVO teve acesso a trechos, surgem mais dúvidas que respostas. Além da autoria do crime, a pergunta “por que Gaia foi morta?” também não tem resposta. Ela não teve nenhum bem roubado, não foi vítima de violência sexual e nem teve nenhum desentendimento nos poucos dias que passou em Jericoacoara.

Nenhuma das testemunhas ouvidas indicou um motivo plausível para a morte — quase todos afirmaram que Gaia era uma moça simpática e afável, incapaz de suscitar ódios. Pairam dúvidas, até mesmo, sobre o que a turista havia ido fazer no Serrote, a isolada localidade onde fora encontrada.

Até mesmo as estatísticas mostram o quão fora da curva foi o assassinato de Gaia. A Polícia Civil levantou que, entre 2010 e 2014, oito estupros foram registrados em Jericoacoara, nenhum seguido de morte. No mesmo período, foram 10 homicídios, nenhum tendo mulheres como vítimas.

População flutuante em Jericoacoara(Foto: CLEISON SILVA/ESPECIAL PARA O POVO)
Foto: CLEISON SILVA/ESPECIAL PARA O POVO População flutuante em Jericoacoara

O fato da população de Jericoacoara mudar 70% a cada três dias, aproximadamente, por causa das idas e vindas de turistas e prestadores de serviço, é um dos fatores que dificultaram a elucidação do caso, conforme citado pela própria investigação. O local onde Gaia foi encontrada, de pouca movimentação e rodeado pela vegetação, também foi outro empecilho.

Para muitos dos ouvidos, o(s) autor(es) do crime não eram nativos, já que, tratando-se de uma vila pequena e de poucos habitantes, todos os moradores se conheciam e podiam, assim, identificar atitudes suspeitas. Testes de DNA foram feitos em dezenas de potenciais suspeitos, incluindo, pessoas que estiveram com Gaia ou, então, que tinham passagem pela Polícia e estavam na praia na época do crime. Nada foi identificado.

A dúvida persiste e, talvez, persistirá para sempre. Neste episódio da série “Crimes insolúveis no Ceará”, O POVO se debruça sobre o caso Gaia, apontando lacunas, desfazendo mitos e tentando responder por que um dos crimes de maior repercussão internacional da história do Estado não chegou a uma resposta.

 

 

Quem era Gaia Molinari e o que ela veio fazer no Brasil

Gaia Molinari aportou no Brasil, inicialmente, em São Paulo (SP), onde realizou serviços comunitários em troca de hospedagem. Em 16 de dezembro de 2014, ela chegou a Fortaleza, para trabalhar em um hostel no Centro, também sob regime de permuta. Foi através de um site especializado na prática que Gaia conseguiu firmar o acordo.

Gaia contou a pessoas que conheceu durante sua estadia no Ceará que há seis meses viajava pelo mundo. Ela morava em Paris, capital da França, onde trabalhava como relações públicas de uma multinacional. Gaia também já havia morado em Londres, na Inglaterra, e era natural de Piacentina, província do Norte da Itália.

A mãe de Gaia descreveu à polícia italiana — em um documento que foi transcrito e anexado ao inquérito da polícia cearense — que a filha não era uma "irresponsável" ou “desprevenida”, pois, desde os 18 anos, “agia em autonomia, viajando mundo afora".

Gaia Molinari, 29, turista italiana assassinada em Jericoacoara (Foto: Reprodução Facebook)
Foto: Reprodução Facebook Gaia Molinari, 29, turista italiana assassinada em Jericoacoara

Ainda conforme a mãe, Gaia manifestava o desejo de trabalhar com as pessoas "necessitadas", em especial, crianças moradoras de favelas. Foi por esse motivo que ela teria vindo do Brasil. Em certa ocasião em que as duas conversaram via internet, a mãe de Gaia contou que esta disse gostar “muito de crianças” e “que trabalhar com as crianças no Brasil proporciona-lhe muita alegria”.

“(Gaia) Era capaz de fazer amizade com quem quer que fosse, capaz de fazer sorrir todo mundo, contava amigos espalhados em qualquer lugar no mundo e para onde passava deixava inúmeras amizades”, depôs a mãe dela. Quase todos os depoimentos no inquérito policial acerca do temperamento de Gaia descrevem personalidade semelhante.

Algumas das descrições de Gaia feitas pelas testemunhas incluem termos como: “muito comunicativa”, “de coração bom”, “confiava muito”, “temperamento caloroso e amigável”, “comunicativa e alegre”, “não (consigo) imaginar que alguém pudesse ter raiva dela”, “carinhosa”, “extrovertida”, “simpática” e “costumava abraçar e beijar as pessoas”.

O irmão de Gaia, que também depôs à polícia italiana para colaborar com a investigação no Ceará, foi mais um a reforçar a imagem de mulher alegre, sociável e “que era capaz de fazer sorrir todo mundo”.

Coletiva de imprensa convocada pela SSPDS para prestar informações sobre o caso. Além da delegada que conduziu, inicialmente, as investigações, o então secretário da Segurança Pública, Delci Teixeira, compareceu à entrevista(Foto: Divulgação SSPDS)
Foto: Divulgação SSPDS Coletiva de imprensa convocada pela SSPDS para prestar informações sobre o caso. Além da delegada que conduziu, inicialmente, as investigações, o então secretário da Segurança Pública, Delci Teixeira, compareceu à entrevista

Gaia, conforme ele, “vivia cada instante ao máximo e queria fazer sempre mais coisas de quantas conseguisse fazer na realidade”. "A sua mente, na imaginação, ia sempre fora dos limites de tempo e de espaço; por exemplo, era capaz de programar um dia onde quisesse: dormir até tarde, fazer cooper, fazer compras para um piquenique, viajar até uma praia, ler, tomar sol, dar uma volta em caiaque, comer mesmo no caiaque, escalar, fazer longos passeios, tomar banho e ainda cumprir a viagem de volta e tudo em somente 9 horas”.

Ainda de acordo com os familiares, Gaia não andava com muitos bens de valores nem tinha muitas posses ou era rica. O corpo da turista italiana foi encontrado por volta das 13 horas do Dia do Natal. Foi um casal de turistas quem encontrou o cadáver e acionou a Polícia Militar.

Laudo cadavérico indica que Gaia foi morta por asfixia mediante estrangulamento, praticado pelo assassino com as próprias mãos. Não havia sinais de violência sexual, mas seu rosto foi “desfigurado”. Gaia não apresentava lesões de defesa, indicando que foi pega de surpresa.

O caso foi, inicialmente, investigado pela Delegacia de Proteção ao Turista (Deprotur), cuja sede fica em Fortaleza e que tinha como titular à época a delegada Patrícia Bezerra.

 

 

A primeira suspeita

Logo nas primeiras horas após o crime, o nome de um homem foi ventilado como sendo um possível suspeito. Tratava-se de um morador da vila, um homem com antecedentes criminais por violência sexual e que aparentava ter transtornos pisiquiátricos.

A suspeita se deu porque, próximo ao corpo de Gaia, foi encontrada uma baladeira e esse homem era conhecido por andar com uma pela praia. O nome dele, porém, logo foi descartado: testemunhas confirmaram que ele passou a noite de Natal com a mãe e exame de DNA também não constatou haver material genético dele na cena do crime.

Dessa forma, a primeira pessoa a ser tratada, oficialmente, como suspeita pela Polícia Civil foi a farmacêutica Mirian França, então com 31 anos. Havia sido com ela que Gaia havia viajado para Jericoacoara, após as duas tornarem-se amiga ao se conhecerem, dias antes, no hostel de Fortaleza.

Natural do Rio de Janeiro (RJ), Mirian estava em Fortaleza a passeio. Ela tinha passagens compradas para conhecer Jericoacoara e também Canoa Quebrada (em Aracati, Litoral Leste do Estado). Originalmente, ela pretendia viajar com a mãe, mas esta desistiu de vir para o Ceará. Com passagens em mão e hospedagem para mais uma pessoa já paga, Mirian convidou Gaia para ir com ela a Jeri. A italiana aceitou e as duas chegaram a Jericoacoara em 21 de dezembro.

 

Por volta das 22 horas do dia 24, Mirian deixou Jericoacoara com destino a Fortaleza e, posteriormente, Canoa Quebrada. Gaia iria junto, mas desapareceu. Mirian, sem querer perder o ônibus que partia naquela noite, foi sozinha.

Mensagens que Mirian trocou com uma funcionária do hostel de Fortaleza, a partir de 12h24min do dia 25, mostram a farmacêutica preocupada com o sumiço da amiga. Gaia, primeiramente, passaria no hostel antes de seguir para Aracati e Mirian buscava saber se ela chegara ao estabelecimento.

“A ultima vez q a vi foi as 13:30 de ontem, e ela nao responde ao whatsap”, escreveu Mirian. Seria através de um telefonema da dona da pousada em que se hospedara em Jericoacoara que Mirian soube, já em Aracati, que Gaia foi encontrada morta.

A farmacêutica foi procurada por policiais militares ainda na noite do dia 25. À funcionária do hostel, Mirian chegou a dizer que “eles (os policiais) estao com tanto descado q me mandaram prestar depoimento so na segunda-feira (29)”. A carioca chegou a dizer que queria que gostaria que o caso fosse “parar nos jornais” porque “acho q so assim p policia fazer alguma coisa”. No dia 26, porém, Mirian escreveu que estava “sentindo firmeza” na investigação policial.

Foram supostas contradições existentes nos primeiros depoimentos de Mirian que fizeram dela uma suspeita. Mirian disse em seu primeiro depoimento à delegada Patrícia Bezerra que Gaia teria aula de windsurf com um italiano, a quem as duas conheceram quando chegaram na pousada.

Esse homem, porém, negou ter saído com Gaia e, em sede de acareação, Mirian recuou e disse que provavelmente se confundiu. Ela também voltou atrás ao dizer que os italianos não tomaram café da manhã todos os dias, conforme havia dito antes, assim como reconheceu não ser verdade que ele havia demonstrado interesse em Gaia, chegando a fazer carícias em seu braço no dia do crime.

Outra suposta contradição levantada pela Polícia Civil ao pedir a prisão temporária de Mirian foram relatos de funcionários da pousada afirmando que haviam visto Gaia na piscina da pousada por volta das 18h30min, sendo impossível, portanto, ter sido por volta das 14 horas a última vez que as duas se viram.

Imagens do local onde o corpo de Gaia foi encontrado. Localidade é conhecida como Serrote(Foto: Reprodução/Pefoce)
Foto: Reprodução/Pefoce Imagens do local onde o corpo de Gaia foi encontrado. Localidade é conhecida como Serrote

(Uma testemunha que havia prestado essa informação em depoimento afirmou, depois, que pode ter confundido Gaia com uma outra pessoa. Esse novo relato surgiu após a Perícia Forense constatar que Gaia foi morta antes das 18 horas).

Além disso, a delegada Patrícia Bezerra argumentou à Justiça que Mirian, conforme depoimento de funcionários, deixou a pousada por volta das 19 horas, afirmando que iria a uma sorveteria. Imagens de segurança mostraram Mirian entrando no referido estabelecimento às 19h42min, sendo que esse percurso poderia ser feito, destacou a delegada, entre 6 e 14 minutos (Mirian diria depois que foi à sorveteria por volta das 19h30min).

“[...] por que MIRIAN omitiu em sua reinquirição [...] que teria ido à sorveteria à noite[?]”, argumentou Bezerra em contraponto ao que disseram os defensores públicos que passaram a acompanhar o caso. “Acreditamos que ela foi presa por detalhes circunstanciais e dados periféricos”, afirmou a defensora Gina Moura durante entrevista coletiva em 6 de janeiro de 2015.

O fato de morar no Rio de Janeiro também foi outro fator que pesou no decreto da prisão temporária. Com um prazo inicial de 30 dias em casos de crimes hediondos, a prisão temporária tem como intuito garantir que a investigação policial consiga êxito em obter provas — diferentemente, por exemplo, da prisão preventiva, que pode servir para a garantia da ordem ou, então, da instrução judicial.

Óculos ray-ban pertencente a Gaia e baladeira foram encontrados próximos ao corpo da vítima(Foto: Reprodução/Pefoce)
Foto: Reprodução/Pefoce Óculos ray-ban pertencente a Gaia e baladeira foram encontrados próximos ao corpo da vítima

Enquanto na preventiva, deve haver “prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria” — conforme preceitua o Código de Processo Penal — na temporária, pesam, além da imprescindibilidade para as investigações policiais, elementos como o investigado não ter residência fixa ou “não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade”.

Assim, a prisão serviu também para garantir que Mirian permanecesse no Ceará. Mais tarde, ela diria que não se recusaria a ficar no Estado se isso tivesse sido solicitado a ela. Mirian teve a prisão pedida no dia 28, tendo sido presa no dia seguinte, data para a qual estava marcado o retorno dela ao Rio. Ela ficou encarcerada até o dia 13 de janeiro de 2015.

A prisão motivou uma campanha — sobretudo, nas redes sociais — em defesa dela. Familiares, colegas de trabalho e de universidade (Mirian fazia doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro) e até mesmo pessoas que não a conheciam denunciaram que ela estava sendo vítima de uma injustiça, que teria, inclusive, componentes racistas. A página “Liberdade para Mirian França - Justiça para Mirian - Justiça para Gaia” no Facebook chegou a ter mais de 7 mil curtidas e abaixo-assinados foram realizados.

Imagem de 2015 - Ana Virginia Ferreira, ouvidora, Bruno Neves, coordenador do Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e ás Vítimas da Violência (Nuapp), Gina Kelly, defensora pública, Andréa Coelho, defensora Pública Geral do Ceará e Émerson Castelo Branco, defensor público, em entrevista no auditório da Defensoria Pública do Estado do Ceará, defendem Mirian França de Melo, suspeita de participar do homicídio da turista italiana Gaia Molinari(Foto: MAURI MELO / 06/1/2015)
Foto: MAURI MELO / 06/1/2015 Imagem de 2015 - Ana Virginia Ferreira, ouvidora, Bruno Neves, coordenador do Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e ás Vítimas da Violência (Nuapp), Gina Kelly, defensora pública, Andréa Coelho, defensora Pública Geral do Ceará e Émerson Castelo Branco, defensor público, em entrevista no auditório da Defensoria Pública do Estado do Ceará, defendem Mirian França de Melo, suspeita de participar do homicídio da turista italiana Gaia Molinari

Além da acareação, Mirian prestou três depoimentos, o último já acompanhada de por defensores públicos. Nesta oitiva, que durou dois dias, ela disse que, durante a tarde, “saiu um pouco na rua para comprar besteira para comer” e que foi, ainda, a um restaurante quando o sol já estava se pondo. Ela narrou ter voltado à pousada e, desta vez, incluiu que saiu, por volta das 19h30min, para comprar sorvete, tendo saído mais uma vez, por volta das 20 horas, para comprar um xilito e cerveja.

Até ali, Mirian disse não ter estranhado o sumiço de Gaia, já que ela costumava atrasar-se sempre. Mirian disse que dormiu, acordando por volta das 22 horas, cerca de 30 minutos antes do horário programado para o ônibus sair de Jericoacoara. Antes de pegar o ônibus, porém, ela falou com o italiano, perguntando sobre o paradeiro de Gaia, o que ele não soube responder.

Em 15 de janeiro de 2015, laudo pericial atestou que não foi encontrado material genético compatível com o de Mirian no corpo e nos objetos encontrados com Gaia na cena do crime. Dessa forma, a farmacéutica não mais voltou a ser citada como suspeita do assassinato. Inicialmente, ela chegou a ser proibida pela Justiça de deixar o Ceará, mas retornou ao Rio em 14 de fevereiro.

 

 

O segundo suspeito

Após o envolvimento de Mirian no crime ser descartado, a Polícia Civil buscou novas linhas de investigação. Foi feito um levantamento de pessoas em Jericoacoara com antecedentes por crimes como tráfico de drogas e violência contra a mulher, dando ênfase, ainda, a homens conhecidos por assediar turistas.

Também buscou-se identificar moradores que costumavam usar baladeiras, que eram adeptos de rituais que envolviam sacrifício humano, que frequentavam a região do Serrote ou, então, que foram citados em denúncias anônimas.

Além disso, os policiais foram atrás também de um casal francês que Gaia conheceu durante o trajeto entre Fortaleza e Jericoacoara e que chegou a convidá-la para “tomar uma cerveja à luz das estrelas”. Todas essas pessoas foram submetidas a exames de DNA, que não identificaram as presenças delas no local do crime. Também foi checado se um ex-namorado italiano de Gaia teria estado em Jericoacoara, o que não se confirmou.

A Polícia Civil só voltou a ter uma pista no segundo semestre de 2015. Foram analisadas cerca de 200 horas de filmagens de câmeras de vigilância instaladas em um restaurante localizado a cerca de 100 metros da pousada onde Gaia estava hospedada. Nas imagens, os policiais identificaram que, entre 12h15min e 12h20min do dia 24, uma mulher semelhante à italiana andava na região ao lado de um homem.

Câmeras de restaurante flagraram Francisco Douglas de Sousa caminhando com turista que foi confundida com Gaia (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Câmeras de restaurante flagraram Francisco Douglas de Sousa caminhando com turista que foi confundida com Gaia

Esse homem foi identificado como sendo o cearense Francisco Douglas de Sousa, então com 22 anos. Em janeiro de 2016, ele teve a prisão temporária solicitada pela Polícia. Os investigadores argumentaram que, como Douglas tinha costume de viajar à Europa, poderia perder-se o contato com ele caso a prisão não fosse decretada. Entre outubro de 2015 e 3 de janeiro de 2016, ele havia viajado para a Suécia e já tinha passagem marcada para retornar ao continente europeu.

“Não obstante a intensa movimentação policial após o fato, o suspeito em nenhum momento se manifestou, ou demonstrou sentimento de indignação, e ainda nem mesmo se apresentou para dar qualquer explicação à polícia, já que esteve na companhia da turista pouco tempo antes de um crime que foi amplamente divulgado”, citou no pedido de prisão o delegado Vicente de Paulo Aguiar Araújo.

Douglas foi preso em 2 de março em Sobral, município a 163,4 quilômetros de Jericoacoara de onde é natural. Em depoimento, ele afirmou nunca ter visto Gaia pessoalmente. Quando mostrado o vídeo em que, supostamente, aparecia ao lado da italiana, Douglas esclareceu que a mulher se tratava, na verdade, de uma outra turista estrangeira, uma mulher de dupla nacionalidade — sueca e norte-americana.

Laudo atesta que DNA encontrado no corpo de Gaia não necessariamente era de Francisco Douglas de Sousa(Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Laudo atesta que DNA encontrado no corpo de Gaia não necessariamente era de Francisco Douglas de Sousa

Diligências posteriores mostraram que Douglas falou a verdade. Em abril, a Polícia conseguiu localizar a turista citada por Douglas e esta, em videoconferência realizada direto dos Estados Unidos, confirmou ser ela nas imagens. Um exame pericial já havia constatado que a mulher que aparecia nas imagens tinha 1,56 metro de altura, enquanto Gaia tinha 1,68.

Além disso, foi encontrado um blog mantido pela sueca norte-americana em que ela descreveu o período em que esteve em Jericoacoara, chegando até mesmo a citar Douglas. Em fotos publicadas por ela, ainda é possível constatar que a mulher usava roupas e penteados semelhantes aos de Gaia.

Um fator que pesava contra Douglas foi um exame ter identificado que, no material genético encontrado no corpo de Gaia, havia perfil halotípico coincidente com o do DNA de Douglas. Entretanto, um outro laudo da Perícia Forense, elaborado aproximadamente um mês após o primeiro, esclareceu que um determinado perfil haplotípico não é exclusivo de uma única pessoa.

Gaia Molinari chegou a Fortaleza em dezembro de 2014(Foto: Reprodução Facebook)
Foto: Reprodução Facebook Gaia Molinari chegou a Fortaleza em dezembro de 2014

"O perfil haplotípico é composto por um conjunto de marcadores de regiões do Cromossomo Y com baixa taxa de mutação”, afirmam no laudo os peritos, que acrescentaram que o material encontrado poderia tanto ser de Douglas, quanto de seus descendentes ou ascendentes.

“Esses marcadores são transmitios por pais a seus descedentes do sexo masculino, por muitas gerações, portanto, toda linhagem paterna de uma família tem o mesmo perfil haplotípico do cromossomo Y”.

Douglas foi solto em 13 de abril de 2016, após ficar 42 dias preso. Em 14 de abril, ele conversou com O POVO, ocasião em que descreveu que os dias que passou preso foram os “piores da sua vida”.

“Você imagina uma pessoa que tem consciência que é inocente passando por isso tudo injustamente”, afirmou. “As condições para fazer as necessidades fisiológicas, não saber o que está se passando, não saber a hora, não ver a luz do sol”.

 

 

O caso Gaia Molinari hoje

Reconhecida a inocência de Douglas, a delegada Patrícia Bezerra afirmou, em relatório datado de 24 de abril de 2017, que todas as possibilidades investigativas haviam sido esgotadas. 

“Tecnicamente, nada mais há a fazer, de modo que continuar as investigações redundaria em injustificável desperdício de tempo e recursos que poderão ser canalizados para outros inquéritos mais recentes e com melhores possibilidades investigatórias”, escreveu a delegada ao pedir o arquivamento do caso à Justiça.

O pedido, porém, não foi aceito e, ao menos em tese, a investigação continua até os dias de hoje, tendo saído das mãos de Bezerra. Em dezembro de 2017, investigação da Polícia Federal acusaria a delegada de conivência com práticas criminosas de inspetores da extinta Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (DCTD), unidade que assumiu após deixar a Deprotur. Ela nega os crimes, tendo sido absolvida na Justiça Federal, embora ainda seja ré na Justiça Estadual.

Delegada Patrícia Bezerra investigou o caso Gaia e chegou a pedir arquivamento(Foto: Júlio Caesar)
Foto: Júlio Caesar Delegada Patrícia Bezerra investigou o caso Gaia e chegou a pedir arquivamento

Após Patrícia, assumiu o caso Gaia a delegada Socorro Portela, até então, titular da DCTD e ex-diretora do DHPP. Em abril de 2018, Portela afirmou ao O POVO ter ouvido nove pessoas e que solicitara à Perícia Forense a realização de mais três exames.

Em setembro de 2019, foi publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) portaria que informava que Socorro Portela e mais três policiais estiveram em Jericoacoara entre 3 e 7 de agosto daquele ano. Foi a última publicação no DOE de diligência do gênero referente ao caso. Socorro Portela também deixou o caso.

Socorro Portela, então titular da extinta Delegacia de Combate ao Tráfico de Drogas, assumiu o caso Gaia após Patrícia Bezerra(Foto: Fábio Lima)
Foto: Fábio Lima Socorro Portela, então titular da extinta Delegacia de Combate ao Tráfico de Drogas, assumiu o caso Gaia após Patrícia Bezerra

Ainda em dezembro de 2015, o defensor Emerson Castelo Branco, que havia representado Mirian, afirmava ao O POVO que era “impossível” descobrir quem matou Gaia. “As provas já desapareceram, os vestígios sobre o caso e tudo que foi apurado é insuficiente para apontar uma autoria. Não existe mais nada e não haverá mais nada”, disse.

Para o defensor, o autor do assassinato era “um maníaco ou um drogado”, conforme afirmou. “Em minha opinião, o principal fator para que o caso não tenha sido elucidado foi ter voltado a atenção para Mirian”.

Emerson Castelo Branco, defensor público estadual(Foto: Fábio Lima - 16/5/2017)
Foto: Fábio Lima - 16/5/2017 Emerson Castelo Branco, defensor público estadual

O POVO procurou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) solicitando entrevista com o atual delegado do caso. O objetivo era saber se há trabalhos em andamento sobre o caso e se existe perspectiva de conclusão da diligência.

A SSPDS respondeu apenas por meio de nota, que informa que o caso segue sendo investigado. A pasta afirmou que uma grande força-tarefa foi empregada pela Polícia Civil para investigar o caso, com “diligências ininterruptas por vários dias na região”.

Também foi destacado que 26 pessoas foram ouvidas, assim como dezenas de laudos técnicos foram solicitados. A SSPDS frisou que uma falha em um circuito de câmeras de segurança instaladas no caminho que leva ao Serrote comprometeu os trabalhos policiais.

“Um pico de energia na área comprometeu as câmeras, que ficaram sem funcionamento no percurso por onde a vítima passou”. A nota ainda reforça que a Polícia Civil concluiu que tanto Miriam, quanto Douglas não estavam na companhia da vítima no momento do crime.

 

A Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) informa que continua investigando o homicídio de uma turista italiana, de 29 anos, em dezembro de 2014, no município de Jijoca de Jericoacoara - Área Integrada de Segurança (AIS 17) do Estado. O caso encontra-se em aberto e está a cargo da 10ª Delegacia do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP). Logo após o crime, a Polícia Civil empregou uma grande força-tarefa que contou com apoio de delegacias da região, do DHPP, da Delegacia de Proteção ao Turista (Deprotur) e da Polícia Militar do Ceará (PMCE). Foram realizadas diligências ininterruptas por vários dias na região.

Durante os trabalhos policiais, 26 pessoas foram ouvidas pela PCCE. À época, uma mulher e um homem foram presos temporariamente durante o período das diligências, e posteriormente, foram soltos pelo Poder Judiciário. A PCCE concluiu que ambos não estavam na companhia da vítima.

À época, uma falha em um circuito de câmeras de segurança instaladas no caminho que leva ao Serrote, local onde a vítima foi encontrada, comprometeu os trabalhos policiais. Um pico de energia na área comprometeu as câmeras, que ficaram sem funcionamento no percurso por onde a vítima passou.

Dezenas de laudos técnicos foram solicitados para chegar à autoria do crime. A Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), por meio da Coordenadoria de Perícia Criminal (Copec), produziu e entregou cinco laudos, sendo três de informática, um de local de crime e um de documentoscopia. Já a Coordenadoria de Análises Laboratoriais Forenses (Calf) produziu 39 laudos no total, sendo 35 do Núcleo de DNA Forense (dez laudos com vestígios coletados de local de crime e 25 laudos de investigação de crime sexual) e dois laudos do Núcleo de Bioquímica e Biologia Forense (pesquisa de sêmen), que concluíram que não houve estupro; e dois laudos do Núcleo de Toxicologia Forense (pesquisa de álcool e drogas em sangue). A Coordenadoria de Medicina Legal (Comel) da Pefoce produziu o laudo cadavérico da vítima.

Por fim, a Polícia Civil informa que mesmo com todos os esforços empregados para elucidação do caso, as diligências e perícias realizadas até o momento, ainda não foi possível identificar o autor do crime. Os trabalhos policiais seguem em andamento pela 10ª Delegacia do DHPP, com o intuito de descobrir novos fatos que possam contribuir para a elucidação e motivação do crime.

Denúncias

A população pode contribuir com as investigações repassando informações que auxiliem os trabalhos policiais. As informações podem ser direcionadas para o número 181, o Disque-Denúncia da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), ou para o (85)3101-0181, que é o número de WhatsApp, pelo qual podem ser feitas denúncias via mensagem, áudio, vídeo e fotografia ou ainda via “e-denúncia”, o site do serviço 181, por meio do endereço eletrônico: https://disquedenuncia181.sspds.ce.gov.br/.

As informações também podem ser encaminhadas para o telefone (85) 3257-4807, do DHPP, que também é o WhatsApp do Departamento. O sigilo e o anonimato são garantidos.

 

 

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