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O passo atrás de Simone Biles e a busca pela saúde mental além do setembro amarelo
Reportagem Seriada

O passo atrás de Simone Biles e a busca pela saúde mental além do setembro amarelo

Afastada do esporte desde 2021, quando desistiu de disputar as Olimpíadas de Tóquio para cuidar da saúde mental, ginasta se consagra como hexacampeã mundial em retorno triunfante e mostra que o bem-estar da mente vale mais que ouro. Corpo em movimento está no caminho de produção do autocuidado, que também atravessa transversalidades, afirmam psicólogas
Episódio 3

O passo atrás de Simone Biles e a busca pela saúde mental além do setembro amarelo

Afastada do esporte desde 2021, quando desistiu de disputar as Olimpíadas de Tóquio para cuidar da saúde mental, ginasta se consagra como hexacampeã mundial em retorno triunfante e mostra que o bem-estar da mente vale mais que ouro. Corpo em movimento está no caminho de produção do autocuidado, que também atravessa transversalidades, afirmam psicólogas
Episódio 3
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“No fim do dia nós também somos humanos, e às vezes precisamos dar um passo atrás. Temos de proteger nossas mentes e nossos corpos, e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos”: foi com esse discurso que a ginasta norte-americana Simone Biles, maior medalhista de mundiais da história, deixou a arena das Olimpíadas de Tóquio 2020 "Prevista para o ano de 2020, a competição aconteceu somente em 2021, sem público e com medidas de isolamento entre os atletas em virtude da pandemia de Covid-19." e desistiu de disputar uma competição na qual era favorita para cuidar da saúde mental.

Simone Biles, uma multicampeã que já fez história nas Olimpíadas sucumbe diante da pressão para ganhar mais, e mais e mais(Foto: Martin Bureau / AFP)
Foto: Martin Bureau / AFP Simone Biles, uma multicampeã que já fez história nas Olimpíadas sucumbe diante da pressão para ganhar mais, e mais e mais

A admissão sincera da atleta, na época com 24 anos, seguiu a da tenista japonesa Naomi Osaka, que tinha 23 e se retirou do torneio de Roland Garros, na França, pelo mesmo motivo — decisões que colocaram holofotes globais sobre o tabu da saúde mental no meio esportivo.

Após dois anos sem competir, Biles voltou às arenas no Campeonato Mundial de Ginástica Artística de 2023, em Antuérpia, na Bélgica, e chancelou o retorno triunfante com a conquista do posto de melhor ginasta do mundo pela sexta vez.

Ao lado da brasileira Rebeca Andrade, recordista do Brasil na história da competição e vice-campeã mundial, e da americana Shilese Jones, medalhista de bronze, a hexacampeã completou o primeiro pódio totalmente composto por mulheres negras em um mundial na categoria individual geral.

Rebeca Andrade, Simone Biles e Shilese Jones no pódio do Mundial de Ginástica Artística(Foto: Lionel BONAVENTURE / AFP)
Foto: Lionel BONAVENTURE / AFP Rebeca Andrade, Simone Biles e Shilese Jones no pódio do Mundial de Ginástica Artística

Ao pisar no tatame em 2021, embora encarasse arquibancadas vazias, Biles tinha a atenção do mundo. A torcida carregava muito mais que a bandeira dos Estados Unidos: lá estavam meninas negras que testemunhavam o peso da representatividade.

Não cair nem pisar em falso era o desafio de cada coreografia elaborada para atingir a perfeição. Por trás da plenitude do sorriso, porém, uma vida nada perfeita: separada da mãe dependente química com apenas três anos, abusada por médico do comitê de ginástica, vítima de racismo, cobrada por recordes. Assim, por mais que evitasse cair no chão, durante uma das principais execuções os joelhos dobraram.

Mas a principal disputa que a ginasta mais condecorada de todos os tempos travava na capital do Japão era consigo mesma — e o passo atrás que serviu de impulso para saltos mais firmes mostrou que, para ela, o bem-estar da mente vale mais que ouro

Simone Biles dos EUA participa de uma sessão de treinamento antes da final da trave de equilíbrio feminino de ginástica artística dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 no Ariake Gymnastics Center em Tóquio em 3 de agosto de 2021.(Foto: JEFF PACHOUD / AFP)
Foto: JEFF PACHOUD / AFP Simone Biles dos EUA participa de uma sessão de treinamento antes da final da trave de equilíbrio feminino de ginástica artística dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 no Ariake Gymnastics Center em Tóquio em 3 de agosto de 2021.

“Apesar de terem grandes habilidades físicas e/ou cognitivas para desempenhar o alto rendimento, os atletas são pessoas e podem vivenciar momentos mais frágeis como qualquer outro ser humano. O caso da Simone Biles foi importante para nos lembrar disso, enquanto sociedade e na categoria de torcedores”, afirma a psicóloga Bárbara Dodt, coordenadora da Comissão de Psicologia do Esporte do Conselho Regional de Psicologia da 11ª Região (CRP-CE).

“Como todo ser humano é pressionado para render dentro do seu contexto, os atletas profissionais sofrem ainda mais com a pressão da responsabilidade social, associado a cobranças externas e internas. São quatro anos de vida bem planejados para chegar no máximo desempenho nas olimpíadas e levar medalhas para seus países”, demonstra.

“Enquanto profissionais, temos de buscar um cuidado ético em nossas vivências para lembrar aquele atleta que ele não é perfeito e que pode vivenciar momentos de fragilidade independente das situações de carreira”, retrata.

A psicóloga Bárbara Dodt é coordenadora da Comissão de Psicologia do Esporte do Conselho Regional de Psicologia da 11ª Região (CRP-CE)(Foto: Acervo pessoal/Bárbara Dodt)
Foto: Acervo pessoal/Bárbara Dodt A psicóloga Bárbara Dodt é coordenadora da Comissão de Psicologia do Esporte do Conselho Regional de Psicologia da 11ª Região (CRP-CE)

A nível nacional, a especialista observa que a saúde mental dos brasileiros enfrenta questões resultantes de uma combinação de fatores sociais, econômicos e de saúde agravada pela pandemia de Covid-19 e que afetou de maneira particular os atletas e entusiastas do esporte.

“Principalmente no momento em que foi decretado lockdown, pois muitos pararam de treinar. Em contrapartida, os esportes eletrônicos conseguiram continuar suas atividades e até ganharam mais notoriedade, porque alguns atletas conhecidos dos esportes tradicionais passaram a praticar jogos eletrônicos. Talvez até para continuar a vivenciar momentos competitivos, já que têm o hábito de treinos intensos”, aponta.

A psicóloga identifica que “há benefícios de jogar alguns destes para o raciocínio lógico, socialização, planejamento, tomada de decisão rápida, memorização, capacidade de concentração, entre outros”.

Dodt também ressalta, contudo, que a prática de exercícios físicos como um todo produz resultados positivos no que tange à saúde mental e que o corpo em movimento está entre os principais cuidados de saúde.

Equilibrar e entender as competências esperadas para cada indivíduo é essencial para que a prática do esporte seja um meio de favorecer o bem-estar, e não um campo cercado por questões como a pressão por resultados e a rotina constantemente exaustiva.

“Há evidências experimentais e empíricas a respeito das alterações em estados de humor positivos relacionados ao exercício, tais como aumento do desempenho acadêmico, melhoria da estabilidade emocional, refinação da percepção corporal, melhoria da autorregulação, melhoria da memória”, cita.

Queixas mais prevalentes de quem busca atendimento em saúde mental


Conforme explicita a também psicóloga Aparecida Estanislau, recortes de raça e etnia frequentemente desempenham um papel significativo nas disparidades de saúde mental.

“Muitos indicadores de saúde física e mental, violências, analfabetismo, renda, desemprego e subocupações, encarceramento, dentre outros, são bem mais desfavoráveis para as populações negras (pretas e pardas), o que de forma bem nítida demonstra a situação de iniquidade racial decorrente do racismo estrutural, institucional e interpessoal das relações sociais, políticas e econômicas no nosso País”, sinaliza.

Mestranda em Antropologia pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), Aparecida considera “importante entender que todos os grupos são racializados: os brancos, os negros, os amarelos, os indígenas, considerando aqui a classificação usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”.

A psicóloga clínica Aparecida Estanislau é mestranda em Antropologia pela UFC/Unilab e pesquisa temas como feminismo negro, violências familiares e artepsicoterapia(Foto: Acervo pessoal/Aparecida Estanislau)
Foto: Acervo pessoal/Aparecida Estanislau A psicóloga clínica Aparecida Estanislau é mestranda em Antropologia pela UFC/Unilab e pesquisa temas como feminismo negro, violências familiares e artepsicoterapia

“Muitas vezes as pessoas brancas não percebem que pertencem a uma raça, esta que, em dado momento histórico, passou a se considerar como referência universal em que os ‘diferentes’ seriam hierarquicamente inferiores ou, nem mesmo, pessoas”, frisa.

“Por isso a gente precisa compreender que os indicadores sociais de iniquidade social apontam para o racismo estrutural, e não para uma condição inerente à pessoa afrodescendente. Não existe, portanto, propensão de pessoas negras a adoecimentos mentais, a alcoolismo ou a outros transtornos”, denota.

O que existe, desenvolve a psicóloga, é “a possibilidade de pessoas terem sentimentos, condutas e ações decorrentes de vivências negativas de exclusão, preconceitos, tentativas de desqualificação”.

“Experiências traumáticas de ataque racista podem gerar traumas, inseguranças, depressão, ansiedade, sentimento de inadequação, passividade, ideação suicida, dentre outras possibilidades de adoecimentos ou restrições de habilidades sociais”, descreve.

“Uma criança que desde a infância recebeu olhares de reprovação, ouviu de pessoas significantes em sua vida que é feia, tem lábios grossos e cabelo ruim, pode desenvolver inseguranças que venham afetar sua autoestima, sua participação social e gerar também sentimento de inadequação”, exemplifica.

Estanislau dá outro exemplo: “Uma mãe que viu seu filho ser assassinado, ou espancado, preso, destratado por vigilantes/forças de segurança pelo fato de ser negro, pode desenvolver ansiedade, estresse, depressão, sentimento de impotência. São milhares e milhares de possibilidades de exemplos, tantos quantos as experiências que pessoas vitimadas por racismo podem contar”.

“Quando pensamos no racismo estrutural no ciclo de vida de uma pessoa, temos que desde antes do nascimento, no pré-natal da mãe, já existem situações de direitos à saúde e à vida sendo violados pela posição de raça, classe e gênero”, sobreleva.

Ainda pequena, Simone Biles recebeu o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e já adulta costuma falar abertamente sobre o assunto(Foto: Simone Biles childhood photos/Olympian in the Making)
Foto: Simone Biles childhood photos/Olympian in the Making Ainda pequena, Simone Biles recebeu o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e já adulta costuma falar abertamente sobre o assunto

O enfrentamento a esse cenário, segundo a pesquisadora, “se dá em níveis interpessoais, a partir de uma consciência racial das pessoas negras, com autovalorização e resgate de valores ancestrais e culturais que reforcem sua posição de humanidade e de sujeito; assim como da consciência racial das pessoas racistas, que podem ser inclusive, negras. A consciência do pertencimento racial se faz importante para avaliar atitude e valores incorporados pela educação e ideologia hegemônica”.

Além disso, pondera Estanislau, “a partir de ações coletivas políticas, engajadas na resistência e na luta por uma sociedade que considere as diferenças como diversidade e não como hierarquia na qual o outro diferente precise ser eliminado”.

“Os profissionais precisam estar comprometidos com uma formação crítica, que inclui uma base de compreensão dos aspectos políticos, sociais, econômicos e ecológicos. Precisam assumir o compromisso ético e humanitário com os sujeitos, sujeitas e sujeites com os quais compartilham seu fazer profissional. Um profissional ético não pode ser alienado político, comprometido somente com o saber teórico de algum intelectual europeu ou estadunidense, oriundo ou aliado do saber colonial”, adiciona.

Fases que podem servir de gatilho para transtornos mentais


A psicóloga Patrícia Marinho, que recebe pacientes pelo Serviço Social da Indústria (Sesi), da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Sistema Fiec), e também atende em uma clínica particular no bairro Aldeota, em Fortaleza, acrescenta que há um movimento crescente de pessoas à procura de acolhimento e ajuda para encontrar perspectivas que não sejam as que levam ao adoecimento ou sofrimento mental.

“Tanto do público do Sesi, que é um público mais popular, quanto do consultório, cuja maior diferença que percebo é o nível de escolaridade, as demandas principais são ansiedade e depressão, e o que observo hoje é que tem mais pessoas das classes C e D buscando ajuda, tendo consciência de que precisam de ajuda”, detalha.

A abordagem terapêutica aplicada por Marinho no atendimento aos pacientes é a da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), considerada a principal linha cognitiva da atualidade.

A psicóloga Patrícia Marinho, que trabalha com a terapia cognitivo-comportamental (TCC), atende pacientes pelo Serviço Social da Indústria (Sesi), do Sistema Fiec, e também em uma clínica particular(Foto: Acervo pessoal/Patrícia Marinho)
Foto: Acervo pessoal/Patrícia Marinho A psicóloga Patrícia Marinho, que trabalha com a terapia cognitivo-comportamental (TCC), atende pacientes pelo Serviço Social da Indústria (Sesi), do Sistema Fiec, e também em uma clínica particular

Isso porque a pesquisa e a prática clínica mostram que a TCC é efetiva na redução de sintomas e taxas de recorrência, com ou sem medicação, em uma ampla variedade de transtornos.

No dia a dia do atendimento, a psicóloga observa que há uma influência das redes sociais na tomada de consciência sobre problemas antes escondidos ou tratados com estigma, ao mesmo tempo em que existe uma banalização e glamourização de transtornos sérios.

“Hoje o autodiagnóstico está comum em todas as áreas médicas, porque se busca na internet um sintoma e vai se encontrar uma resposta, enquanto que com um profissional isso leva tempo, não é instantâneo, precisa de contexto, adaptação e retorno do paciente”, discorre.

Aplicado à saúde mental, esse contexto não é diferente, de acordo com a especialista: “Com as redes sociais há uma necessidade de rapidez, uma comparação excessiva com o outro, uma demanda por um status e pela resolução rápida dos problemas”.

“Eu não tenho tempo de ir fazer um processo terapêutico, de ir ao psiquiatra, de ter paciência para ver esses resultados. E as doenças mentais têm uma dificuldade porque elas não têm marcadores biológicos”, avalia.

Falsos conceitos associados às questões de saúde mental


Já é possível traçar um paralelo entre o uso de telas e uma retroalimentação do adoecimento mental, principalmente em questões relacionadas à infância e juventude, família, abuso de álcool e outras drogas.

É o que verifica Carolina Veras, psicóloga que atende crianças e adolescentes no Centro de Atenção Psicossocial Infantil Estudante Nogueira Jucá, o Caps infantil que recebe a população da Regional I, na Capital.

“Em um post a gente se compara ao outro, no seguinte a gente se identifica com sintomas que levam ao diagnóstico, na sequência a gente encontra uma divulgação da possível cura”, constata.

A psicóloga Carolina Veras atua no Centro de Atenção Psicossocial Infantil Estudante Nogueira Jucá, o Caps infantil que atende a população da Regional I, em Fortaleza(Foto: Acervo pessoal/Carolina Veras)
Foto: Acervo pessoal/Carolina Veras A psicóloga Carolina Veras atua no Centro de Atenção Psicossocial Infantil Estudante Nogueira Jucá, o Caps infantil que atende a população da Regional I, em Fortaleza

Veras entende o autodiagnóstico também como um movimento de protesto da população para dizer “‘eu tenho um sentimento que dói em mim’, ‘eu estou em crise’, ‘eu tenho ansiedade’, é uma auto-responsabilização daquela demanda”.

Em contrapartida, esse esforço também é encarado como uma rotulagem: “A cultura ofereceu o rótulo e a pessoa pegou para si, mas não houve uma busca ou uma condição de buscar atendimento psicológico, psicoterapia, medicamento, mudança de rotina, enfim, qualquer outra possibilidade de tratamento com diversos profissionais”.

A especialista lembra da lei sancionada em julho de 2023 para tornar oficial o uso da fita com desenhos de girassóis ou quebra-cabeças como símbolo de identificação de pessoas com deficiências ocultas "Entre as chamadas deficiências ocultas ou invisíveis estão surdez, autismo, diabetes, asma, limitações intelectuais e deficiências cognitivas." .

O chamado cordão ou colar ajuda, por exemplo, autistas e seus acompanhantes a exercerem direitos garantidos em lei como o atendimento prioritário em supermercados, lojas, consultórios, dentre outros.

Há, no entanto, um movimento de autodiagnóstico de pessoas que se identificam com sintomas que englobam essas condições de saúde e se diagnosticam sem avaliação médica ou psicológica.

“Por um lado a gente pensa que é muito problemático o autodiagnóstico, mas por outro também é muito problemático que as pessoas não tenham acesso à saúde. Esse símbolo é uma forma muito concreta de dizer para o mundo que valide e respeite a minha diferença”, conclui.

Por esses e outros motivos, a psicóloga reforça que “o movimento de pesquisa e o cuidado com a escuta precisam se renovar a cada tempo, a cada catástrofe, a cada momento de transição que as pessoas e as culturas vivem”.

Fita com desenho de girassóis para deficiências ocultas virou de uso nacional(Foto: Roberto Suguino/Agência Senado)
Foto: Roberto Suguino/Agência Senado Fita com desenho de girassóis para deficiências ocultas virou de uso nacional

Ela detalha que a forma com que os Caps promovem uma abordagem terapêutica mais ampla surge desde a idealização desses centros, que são serviços criados para descentralizar a figura do médico e pensar a partir de uma equipe multidisciplinar.

“A gente entende o ser humano pelo ponto de vista biológico, psicológico, social, espiritual, há uma abordagem multidimensional dessa pessoa porque o diagnóstico não é algo simples, ele vai de reconhecer que sou responsável pela minha própria vida até a percepção de que a gente não vive sozinho, muito menos sem a garantia de direitos básicos”, sublinha.

“Eles foram pensados para serem esses equipamentos territorializados com olhar sensível para o sujeito para que a gente não acabe medicalizando aquilo que muitas vezes é a expressão de uma questão social, a pobreza, a insônia por luto, estresses por situações que são da vida e que muitas vezes são mais intensas nas periferias que em outros espaços da cidade. gente acaba medicalizando essa população, o que não deve acontecer”, assegura.

 

 

Além do setembro amarelo: cuidado com a saúde mental deve ser presente em todos os meses do ano

“Acho que percebi que minha saúde mental começou a dar os primeiros cutucões de que não estava bem lá no ensino médio, durante o período do vestibular”, conta Mariana Lima, cientista ambiental e estudante do mestrado em Ciências Marinhas Tropicais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), que sempre costumou colocar os estudos em primeiro lugar.

“No entanto, vim perceber que era algo mais sério somente durante a metade da minha graduação, quando estava me sentindo sobrecarregada e muito ansiosa. Eu era uma criança que gostava muito de ilustração e pintura, e fazer essas atividades me fazia um bem danado. Mas à medida que cresci fui negligenciando esse meu lado em prol em colocar os estudos à frente (ou pelo menos, era o que eu me dizia)”, narra.

“É incrível como colocamos coisas simples e essenciais a nós de lado em nome da produtividade ou qualquer outro ‘motivador’ ou ‘desculpa’. No meu caso, foi uma ansiedade pelo perfeccionismo que acabei permitindo que criasse uma barreira entre mim e as coisas que eu gostava”, analisa.

Mariana Lima é cientista ambiental e mestranda em Ciências Marinhas Tropicais pela Universidade Federal do Ceará (UFC)(Foto: Acervo pessoal/Mariana Lima)
Foto: Acervo pessoal/Mariana Lima Mariana Lima é cientista ambiental e mestranda em Ciências Marinhas Tropicais pela Universidade Federal do Ceará (UFC)

Mariana, que se identifica como uma pessoa não-binária, percebe que esse comportamento a fez perder vários momentos relevantes à formação como pessoa: “Somente depois de me sentir sobrecarregada ao ponto de não conseguir fazer mais nada, foi que percebi que precisava parar, respirar e reencontrar partes de mim que perdi no meio do processo. E estou nessa até hoje”.

No caminho em busca de um melhor estado de saúde mental, foram vários os hábitos incorporados ao cotidiano. “Desde os mais básicos como alimentação, sono e exercícios. Todos acabam sendo verdade, é claro, mas o que mais tem me ajudado é ter uma rotina. E por ‘rotina’ me refiro a certas coisas que posso fazer diariamente (ou não!), mas que todas me darão algum tipo de benefício”, explica.

“A prática de yoga e meditação matinais são essenciais para começar o dia bem, mas admito que nos dias mais corridos, faço um simples alongamento. Nisso consigo não só me sentir bem fisicamente, como também mentalmente. O importante é identificar coisas que você pode inserir no dia-a-dia e te deixem mais leve. A escrita, embora não seja algo diário, é algo que me ajuda também. Escrevo alguma situação, sentimento ou simplesmente pensamento ou ideia que me surge, e por aí vai”, demonstra.

Lima expressa que tem aderido ao pensamento de criar cada vez mais tempo para si e não negligenciar pequenas coisas que considera importantes.

“Criar um momento intencional comigo para fazer o que eu gosto e o que quero é essencial, e certamente me faz sentir mais leve. É claro que muitas vezes isso não é possível todos os dias, mas faço sempre que possível. Isso pode incluir desde sair só e fazer alguma atividade que quero, como ver um filme, ir a praia ou ao parque, até mesmo só ficar em casa, tomar um banho relaxante, comer algo gostoso e fazer algo mais calmo e que eu goste”, diz.

“Percebi que são essas pequenas coisas encaixadas na correria que acabam me deixando bem mais calma, confortável e menos ansiosa. Para mim, é perceptível que quanto maior o estresse, maiores são os impactos na minha rotina de sono, por exemplo”, comenta.

Boas práticas para a manutenção da saúde mental

 
 

Com o trabalho de campo como cientista, que existe constante mobilidade e atenção, Mariana nota que precisa estar com a integridade física bem fortificada, o que acabava limitado em momentos de estresse e ansiedade.

“De longe, para mim, a principal mudança tem sido o acompanhamento psicológico, que tem me ajudado não só a lidar melhor com o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) como também com a minha caminhada de me compreender melhor como ser humano”, relata.

“Sei que, infelizmente, muitas pessoas não têm acesso à terapia, pois é algo muitas vezes inacessível com a rotina do dia-a-dia e/ou financeiramente. Sobre este último, existem algumas opções gratuitas e com preços acessíveis em Fortaleza, que com certeza darão um bom suporte”, pontua.

 

 

Valorização da vida

Caso você precise de apoio emocional, principalmente relacionado à prevenção ao suicídio, procure uma Unidade Básica de Saúde (UBS), os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) do seu município ou ligue gratuitamente para o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo número de telefone 188 ou pelo chat disponível no site https://www.cvv.org.br/quero-conversar/.

Em parceria com o SUS, o CVV realiza apoio emocional e prevenção ao suicídio, com voluntários que atendem todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e voip 24 horas todos os dias.

 

"Oie :) Aqui é Karyne Lane, repórter do OP+. Te convido a deixar sua opinião sobre esse conteúdo lá embaixo, nos comentários. Até a próxima!"

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