"O racismo é estrutural e estruturante da sociedade. Ele adentra as relações sociais, ele adentra os âmbitos da economia, da política e da subjetividade". A fala é da assistente social Wanessa Brandão em uma reportagem publicada pelo O POVO em maio de 2018. Hoje, cinco anos depois, Wanessa é coordenadora Especial de Políticas Públicas para Promoção da Igualdade Racial pela Secretaria de Igualdade Racial do Ceará (Seir).
Aos 28 anos, Wanessa também é a gestora mais jovem da pasta criada neste ano e liderada pela secretária Zelma Madeira. Ao O POVO, ela fala que o Ceará tem evoluído na busca de uma educação racializada, mas destaca que a complexidade do problema exige tempo para uma transformação mais ampla.
Mestra em Serviço Social, Trabalho e Questão Social pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Afrobrasilidades, Gênero e Família da Uece, a fortalezense afirma que é preciso dar o protagonismo aos estudantes negros e fala na necessidade de "construir um projeto de vida possível" para manter essa população na escola.
O POVO - Como a desigualdade racial se mostra quando falamos em educação?
Wanessa Brandão - A desigualdade racial, quando ela se apresenta na educação, a gente tem que pegar um pouco mais atrás. A gente sabe que, na educação, a gente sempre foi impedido de estar nesse lugar. No tempo da escravização, esse era o modo normalizado. Havia leis específicas de manutenção desse sistema, inclusive da educação, onde a gente não poderia participar, nem ter acesso a aulas. Depois de um tempo, essa legislação mudou, e a gente pôde ter acesso às aulas noturnas. Colocar as aulas no modo noturno já é um traço disso. A gente era impedido. Abriu-se um pouco desse espaço para que a gente pudesse acessar a educação, mas no modo noturno porque a gente precisava passar o dia inteiro trabalhando. Isso veio se arrastando.
No pós-abolição, temos o racismo estrutural, como conceituou o nosso ministro dos Direitos Humanos (Silvio Almeida) — que a gente já lia antes de ele ser ministro. O racismo estrutural vai dizer que é essa reconfiguração desse modo que a gente vivia na escravização e passa no pós-abolição. Esse processo das desigualdades raciais afeta muito a educação desde esse princípio. Nós não tivemos o mesmo ritmo de educação, de acesso a direitos sociais nesse período. Hoje, já temos 20 anos da Lei 10.639, mas ainda persistem muitas lacunas nesse processo. As pessoas mais analfabetas do nosso País são as pessoas negras. E mesmo as que já têm acesso ao ensino regular passam por esse processo de não ter esse acesso qualificado. Essas desigualdades na educação vêm se arrastando desde a escravização. Nós temos várias entidades do movimento negro organizado com essa pauta, que é uma pauta fundamental para todos os desenvolvimentos sociais negros. Mas mesmo assim temos uma dificuldade muito grande dessa implementação.
A gente faz esse resgate histórico e entende que nesse momento ainda não estamos nesse lugar que a gente gostaria, mas a gente tem conseguido avançar um pouco mais. Inclusive com a promoção de atividades específicas para isso. A gente já tem conseguido a passos lentos mudar essa realidade, mudar de conversar sobre isso apenas em novembro. Então, a gente já tem acompanhado o processo de escolas na educação básica já implementando projetos o ano inteiro. Aqui na secretaria recebemos o convite de uma escola em Camocim, onde eles têm um projeto o ano inteiro, e em novembro é a culminância desse projeto. Nesses passos a gente vai avançando nessas desigualdades, tentando buscar um futuro mais de equidade racial mesmo.
OP - Não consigo não pensar nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), levantados pela ONG Todos Pela Educação, que mostram que os negros estão uma década atrasados no ensino médio.
Wanessa Brandão - E ainda somos as pessoas que estão mais fora da escola e as que têm maior evasão escolar também. Até o presidente Lula falou sobre isso recentemente, apesar de ele não ter racializado o debate, mas sabemos quem são as pessoas que estão nesses dados que ele fala. Então, é a importância de se colocar uma bolsa pra manutenção dessas pessoas na escola porque vai incidir diretamente na nossa população, que é a maior que está se evadindo e está fora da escola no ensino regular.
OP - Quem sente primeiro o racismo são as crianças pretas. Como a educação infantil pode impactar nesse processo?
Wanessa Brandão - O processo do racismo nas crianças é um tema muito sensível porque é justo quando a criança está começando a se desenvolver. A gente pesquisou que os efeitos do racismo no desenvolvimento infantil são a rejeição da própria imagem, problemas de socialização, falta de autoconfiança diretamente ligada à autoestima, ela vai ter dificuldade de aprendizagem, ansiedade, fobia, depressão. Um estudo da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal prevê inclusive que há uma propensão de desenvolvimento de doenças crônicas na fase adulta se você não trata a questão racial com a criança preta na primeira infância. A educação infantil é fundamental para combater todos esses problemas promovendo atividades com materiais didáticos, implementando de fato a Lei 10.639, que não é só falar sobre racismo no mês de novembro.
Uma questão que a gente tem debatido muito é como a educação infantil pode também estar ligada ao processo desde a gestão da escola à formação continuada de professores e desse atendimento direto às crianças. O racismo, por ele ser estrutural, vai ser preciso da força de toda a comunidade para combatê-lo. E quando eu digo de toda essa comunidade, eu digo todo mundo mesmo, de todas as etnias, para que a gente possa chegar em um futuro de equidade racial. Sabendo desses dados, desses problemas na educação infantil, a gente pode apontar algumas soluções desse desenvolvimento infantil e do combate ao racismo na infância pela promoção de políticas públicas, trabalhando com as famílias dessas crianças. Porque quando elas sofrem racismo no ambiente escolar ou mesmo na rua isso envolve também a família da criança. Então, não estou falando só daquele indivíduo que está se formando, mas da rede que o acompanha, que são as famílias e a própria comunidade escolar.
Então, produção de materiais didáticos direcionados ao protagonismo das crianças negras. Acho que começar a produzir esses materiais pedagógicos, mas também voltar o nosso olhar a partir da gestão escolar. Eu não posso só sensibilizar e formar os professores se a gestão da escola não estiver acompanhando esse processo de evolução para um futuro de equidade racial. Hoje a gente já compreende que pra combater o racismo na infância precisamos mexer com toda essa rede, que é gestão escolar, formação continuada dos professores, produção de materiais didáticos, a incidência desses temas nas aulas, em todas as áreas do conhecimento. A gente já supera essa noção de que só as ciências humanas podem dimensionar isso. A gente pode conversar sobre a questão racial em tudo. Seguindo essa linha de pensamento que a gente precisa de toda a comunidade, é também promover o desenvolvimento da autoestima da criança e fazer o atendimento correto com a família. Por isso que acho que precisamos debater a importância do assistente social nas escolas, porque para atender a uma demanda é preciso envolver vários atores. Outra questão é a própria pobreza. Hoje, 73,5% da população que vive abaixo da linha de pobreza é negra. Então, não posso dizer que isso é só um problema social, é um problema racial.
OP - Você falou da importância do assistente social. Esse profissional faz parte da realidade da educação hoje no Ceará?
Wanessa Brandão - Não. Tem vários assistentes sociais especialistas na educação, mas a gente ainda não tem essa legislação específica dos assistentes sociais nas escolas porque isso também corre a nível federal. Mas a gente tem o sindicato que tem buscado muito essa pauta. No serviço social temos um lema que é até título de um artigo da professora Renata Gonçalves. Ela fala que a questão racial é o 'nó que amarra a questão social'. Nós não podemos achar que as desigualdades sociais estão atreladas apenas a uma dimensão de classe. Ela está atrelada também a uma dimensão de raça e possivelmente também a uma dimensão de gênero. O serviço social tem muito esse entendimento, mas ainda precisamos avançar para conseguir a implementação disso. Tem timidamente, mas precisamos consolidar essa realidade.
OP - E o racismo na infância também tem um peso muito forte na saúde mental.
Wanessa Brandão - Sim, esse aspecto é um tema delicado porque muitas crianças não sabem comunicar. Elas ainda não têm essa consciência do que estão vivendo e que aquilo tem uma palavra. Por isso a importância de toda a comunidade atuar, não só a escola, mas também a família. A gente ainda tá nesse processo de educar e construir uma consciência racial no País. A criança no primeiro impacto, talvez ela nem entenda naquele momento. Ela vai se fechando, ela vai criando uma depressão, uma ansiedade, problema com a autoestima, ela acha que o cabelo da outra criança é mais bonito. Ela vai passando por coisas que ainda não sabe nomear. Então, precisa de uma rede que possa entender, por exemplo, será que ela criança está tímida na escola porque ela é tímida mesmo ou porque está sofrendo um processo de racismo? É uma questão que precisa tocar e sensibilizar porque como é difícil identificar, é difícil atuar também na resolução desse problema. Precisa de um esforço coletivo.
OP - Isso também passa muito pela criação das referências.
Wanessa Brandão - Muito bem pontuado. Porque o debate que perpassa a saúde mental da população negra nesse primeira infância é a construção dessas referências que a gente não têm, ou quando a gente desconstrói referências que são equivocadas. Por exemplo, a gente fala de vulnerabilidade, mas a gente também fala de potência. Eu não posso só focar em “as crianças estão depressivas” porque elas também estão construindo muita potência. Hoje a gente tem vários adolescentes que há um tempo estavam discutindo sobre essa questão da saúde mental e a retomada da autoestima. Hoje nós vemos mães dizendo que o cabelo dela é bonito, que não precisa alisar. Em outra realidade a gente tinha esse movimento muito grande, principalmente de que as mulheres negras tinham que alisar o cabelo e que os homens negros tinham que raspar a cabeça.
Mas gosto de pontuar que a gente fala de construção de referência, não gosto quando a gente cai só no identitarismo. A gente tem uma tendência a achar que falar de negritude é muito lindo, “os cabelos são lindos, eu queria ter a cor da sua pele”, mas não é só isso que é ser uma pessoa negra desde a primeira infância. O que isso vai me fazer ter consciência do que eu tô passando? Hoje temos crianças e adultos sem a consciência racial de quem são porque estão enveredando por outras referências. As referências que chegam pra nós é desse caminho da marginalidade. Temos um alto índice de pessoas negras encarceradas, e isso gera uma referência como se esse fosse nosso único caminho. Isso vem desse passado colonial. Nós não saímos desse pensamento colonial porque, 388 anos de escravização e 135 de abolição, a conta não fecha. Então, não tenho como mudar esse pensamento colonial de um dia para o outro. Eu ainda tenho hoje a construção de referência negativa da nossa imagem. Estamos andando na contramão para mostrar que existe vulnerabilidade, mas existe muita potência. As mães e pais já estão entendendo a necessidade de positivar essa identidade. Tô aqui pra chegar e dizer: seu cabelo é bonito, sua pele é bonita. Hoje a gente já consegue discutir com as crianças a diversidade de cor também no Brasil, porque a população negra não é só preta. Muitas crianças já entendem que é errado dizer que existe um lápis “cor de pele”. Ainda temos muito o que avançar, mas já avançamos bastante.
A criança está construindo uma imagem de que ela olha e diz: “Eu vou usar meu cabelo solto”, “eu vou usar meu cabelo cacheado”, “eu vou usar um turbante”. E isso leva a um outro processo do turbante, que são as crianças negras de terreiro que também passam por esse processo do racismo religioso. Essa não é a minha realidade, mas já fui em um terreiro e vi uma criança dizer que queria dançar com os orixás porque essa é a referência dela. Mas aí muitas vezes, quando ela chega na escola isso é desconstruído. A criança começa a não querer ir à escola. Eu não queria porque me chamavam de “cabelo de assolan”. Sabiam que minha mãe era (negra) e falavam palavrão com ela, comigo e com o meu tio, que era preto e LGBT. Hoje penso que a passos lentos estamos tentando trazer um ambiente acolhedor, mas ainda são pouquíssimos espaços que conseguem. Por isso digo que ainda precisamos avançar muito nisso. Ninguém nasce racista, você se torna racista.
OP - O Ceará tem uma gestão pedagógica antirracista?
Wanessa Brandão - Estamos construindo, estamos tentando. A Secretaria da Igualdade Racial foi criada em fevereiro de 2023. A gente era uma coordenadoria, primeiro ligada ao gabinete do governador e depois passou para a Secretaria da Proteção Social, hoje estamos no lugar correto, que é a Secretaria da Igualdade Racial. A gente tem tentado iniciar diálogos com a Secretaria da Educação (Seduc) para que a gente possa estar juntos. A Seduc tem um núcleo específico para cuidar das questões raciais, criou agora o selo Escola Antirracista. Nós da Seir ficamos mais no apoio quando fosse necessário porque essa política é toda puxada pela Seduc. Mas precisamos avançar. Inclusive, os movimentos sociais têm pedido muito isso. A gente tem o Fórum Estadual da Educação para as Relações Étnico Raciais, que tem pautado isso. A gente tem evoluído e tentado buscar uma educação racializada, a gente não está no ideal, mas não tem como conseguir tratar de um tema tão profundo em tão pouco tempo. Tem tido pressão da sociedade civil. A gente enquanto secretaria tem feito essa transversalidade, tentado buscar os diálogos possíveis.
OP - Quais os caminhos para chegar nesse objetivo?
Wanessa Brandão - Um dos pilares de atuação da secretaria é a transversalidade, que é fazer com que todas as secretarias do Estado possam atuar de alguma forma no combate ao racismo e na promoção da igualdade racial. Como a gente tem feito isso: o Governo do Estado, junto com a Secretaria de Planejamento e Gestão, assinou um termo com a Fundação Tide Setúbal para construir uma metodologia de atendimento a pautas que são transversais, que são as pautas da juventude, da igualdade racial, dos povos indígenas, das mulheres, pessoa com deficiência, idoso… No âmbito do PPA (Plano Plurianual 2024-2027), a gente direcionou indicadores, estratégias, para que todas as secretarias pudessem implementar as suas políticas direcionadas a isso. Então, isso é uma via. A gente acompanha e fica à disposição para que a gente possa apontar os caminhos de como vamos atuar.
A gente se organiza de diversas formas para uma gestão racializada. Temos as políticas valorativas, que são as políticas voltadas à educação da sociedade como um todo; a gente tem as políticas afirmativas, que são políticas como as cotas raciais, identificar espaços onde podemos colocar pessoas negras, pessoas quilombolas, pessoas de terreiro. Eu não diria que isso é uma reparação, mas é um caminho para reparar esse passado criminoso que foi a escravização; tem as políticas repressivas, que é você atuar diretamente nos casos de racismo. No fluxo desse atendimento, nós temos a Decrin (Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual da Polícia Civil) que foi inaugurada neste ano. A Decrin atua em Fortaleza, então acho que um desafio é expandir o número de delegacias especializadas ou mesmo de profissionais da segurança pública qualificados para esse atendimento. Vamos lançar uma acordo de cooperação com a SSPDS e a Supesp (Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública) para que a gente possa construir os indicadores e as estratégias necessárias de atuação direta na prevenção da violência, considerando inclusive o plano Juventude Negra Viva, construído pelo Governo Federal. Temos também a política de registro de dados. Faltam dados racializados qualificados para construir uma política pública certeira. Há mais dados nacionais do que estaduais e regionais, então precisamos buscar isso.
A gente tem tentato construir isso da forma que a gente pode. A gente nasce pequeno, mas nasce também com muita vontade. Toda a nossa equipe interna foi selecionada a partir do pertencimento étnico-racial. Temos pessoas quilombolas, pessoas de terreiro, pessoas negras, periféricas, inclusive de gerações diferentes. Eu sou a gestora mais nova da secretaria. As outras duas gestoras são a secretária-executiva Martir Silva e a secretária Zelma [Madeira]. Então temos um alimento intergeracional, de ter representantes da juventude negra e representantes do movimento negro histórico. Quanto mais diversa a equipe interna da gestão, a gente entende que vai conseguir alcançar melhor os problemas. Não tem mais como não conversar sobre diversidade hoje, e estamos começando de dentro.
OP - Como fazer os jovens negros permanecerem na escola?
Wanessa Brandão - Considerar que temos um problema social e que esse problema atinge a população negra porque a maioria da população pobre do País é negra. Então, acho que quando a gente conseguir construir uma política pública de bolsa para essas pessoas na escola, acho que é um viés. Positivar a identidade das crianças, dos jovens e dos adultos negros na escolas. Educar as pessoas para que elas compreendam que não é ruim ser diverso. Na verdade, o maior traço positivo que temos no nosso País é a diversidade, mas o Brasil não sabe lidar com a diversidade. Construir materiais educativos direcionados a isso. Acho que a gente mantém as pessoas negras na escola a partir de políticas afirmativas em que a gente dê o protagonismo. Eu preciso inverter lugares, mas inverter lugares causa conflito. É por isso que as cotas têm muito conflito, porque estou falando em distribuição de lugares e deslocamento de lugares de poder. Eu preciso dar o protagonismo aos estudantes negros para que a gente possa mantê-los. Não posso achar que esse estudante é só aquele que dá trabalho, e ele dá trabalho porque ele tem um incômodo. Qual é o incômodo dele? Você já consegue diagnosticar qual é? Eu dava um trabalho enorme porque eu sofria muito na escola, e eu cheguei a cogitar de que eu nunca entraria na universidade porque eu achava que não tinha capacidade intelectual para entrar numa universidade.
Então, na minha realidade, eu não sabia nem que eu poderia fazer um mestrado, por exemplo, porque não é um projeto de vida feito para mim. Uma outra via de manter essas pessoas na escola é construir um projeto de vida possível. Não são só as crianças brancas que podem ter um projeto de vida. Eu preciso construir um projeto de vida qualitativo para que aquela pessoa visualize os diversos caminhos que ela pode percorrer.
OP - Como a sociedade pode entrar nessas estratégias antirracistas?
Wanessa Brandão - É fundamental trazer algumas referências. Por exemplo, hoje, nacionalmente, a Djamila Ribeiro é muito conhecida, é uma referência e ficou muito conhecida pelo seu livro "O que é lugar de fala" (Letramento, 2017). Mas esse livro sofre uma má interpretação, e eu acho fundamental as pessoas entenderem isso para entenderem também os caminhos e as estratégias antirracistas. A Djamila vai dizer que todos podem falar a partir do seu lugar de fala. Ou seja, se eu sou uma pessoa branca, eu vou falar a partir do meu lugar de fala enquanto pessoa branca sobre o combate ao racismo. A interpretação errada é considerar que o movimento negro não quer pessoas brancas falando sobre o racismo, e não é isso. Pelo menos não da linha teórica que eu construo com outros pesquisadores. Eu compreendo que o racismo é estrutural e que eu preciso de pessoas de todas as raças e etnias para combatê-lo. Então, eu preciso de pessoas brancas entendendo o racismo para que elas possam contribuir no combate ao racismo. É entender que quando ela fala desse “lugar de fala” é para você falar do seu lugar de fala mesmo. Ela não está dizendo para você sair da luta antirracista. E muitas pessoas brancas usam esse jargão “lugar de fala” para se colocar fora dessa luta. Qual é o seu papel na luta antirracista? Por que você está se colocando fora dela?
Aqui na Secretaria nós temos pessoas brancas, mas elas sabem que nesse momento o protagonismo não é delas. O protagonismo é das pessoas que lutam por isso a vida inteira. Eu, por exemplo, sou muito nova, mas neste ano eu fiz dez anos de estudo da questão racial. Enquanto uma pessoa negra de pele clara, eu fui construindo a minha identidade racial, entendendo as violências que eu passei na vida.
Então, [as estratégias são] dar o lugar de protagonismo, mudar os lugares, promover atividades em conjunto, buscar o letramento racial. A questão racial não é só um estudo, diz respeito à minha vida e à vida da minha família. A última entrevista que vocês fizeram comigo, eu coloquei para o meu avô assistir, um homem preto. Coloquei para a minha avó assistir. Isso para mim é muito, é a minha referência. Agora, eu não posso ficar só nesse lugar de ensinar [as pessoas brancas]. Vão estudar. Vão ler Silvio Almeida, Djamila, Lélia Gonzalez, vão ler todas essas referências. Cada um é responsável pelo seu letramento racial. Compreender a questão racial é um compromisso cívico, é um exercício à democracia.
Série de três reportagens que abordam o Dia da Consciência Negra e discute a educação como ferramenta de transformação social