"A bola não entra por acaso". O torcedor mais atento do Fortaleza se habituou a ver e ouvir esta declaração do presidente Marcelo Paz inúmeras vezes nos últimos anos. E o Tricolor é um exemplo prático de que o bom trabalho fora de campo interfere diretamente nos resultados nos gramados.
Com a profissionalização da gestão, o clube do Pici teve aumento exorbitante do faturamento, promoveu melhorias estruturais na sede, realizou as contratações mais caras do futebol cearense e viu o mandatário se tornar uma figura de relevância nacional. Além disso, o Leão se tornará uma
Neste segundo episódio do especial do O POVO+ sobre os 105 anos do Fortaleza e a ascensão do clube nas últimas seis temporadas, saindo da Série C do Campeonato Brasileiro e chegando à final da Copa Sul-Americana, a administração e a estrutura do Tricolor — com colaboração dos técnicos Rogério Ceni e Juan Pablo Vojvoda — ganham foco para o explicar o sucesso do Leão também além das quatro linhas.
Antes de entrar de vez no assunto, O POVO+ exibe abaixo um tour pelo Centro de Excelência Alcides Santos. No vídeo, é possível conhecer as estruturas do clube, a qual evoluiu junto com o desempenho da equipe dentro de campo nos últimos anos e em diversos campeonatos. A partir de um bate-papo com o ex-goleiro e hoje assessor executivo de futebol Marcelo Boeck entenda também como tem sido parte da mentalidade da gestão atual do Tricolor do Pici.
A passagem de Rogério Ceni pelo Fortaleza teve como um dos pontos de destaque o crescimento do clube em estrutura. Este, aliás, foi um dos pontos exigidos pelo ex-goleiro para aceitar treinar o Tricolor. Não era para menos, já que a vida toda de atleta e os primeiros passos de Ceni como treinador foram no São Paulo, time reconhecido pela excelência do complexo físico que possui.
De cara, o técnico pediu melhorias no gramado do Alcides Santos e a construção de uma academia com equipamentos modernos de frente para o campo, além de um campo auxiliar, para o qual ele mesmo arrumou patrocínio – veja imagens abaixo de como o local está hoje. Isso fez com que a pré-temporada fosse levada para o CT Ribamar Bezerra, em Maracanaú, que até então só servia para a base.
Por conta disso, o equipamento também passou por melhorias, de campo, alojamentos, academia e vestiários, ganhando nova vida com o uso diário por parte do time profissional. O espaço tinha condições de receber os atletas pela manhã e comportá-los até a noite, em dias com dois expedientes. O hotel Otoni Diniz, que estava em reforma, também recebeu sugestões de Rogério Ceni, para que as concentrações ocorressem com um bom padrão.
Foi dele também a sugestão de que o Alcides Santos deixasse de ser um estádio — que não comportava a torcida do clube, por isso não recebia mais jogos — para se tornar um centro de excelência. Parte do que era arquibancada foi derrubado para execução da obra, que só foi concluída totalmente em 2022. A ideia era que o espaço físico da sede tivesse mais campos e ganhasse uma estrutura ao redor da área verde, com os departamentos ligados ao futebol. A diretoria comprou a ideia e o próprio Ceni doou R$ 100 mil para o início das obras.
Simples e focado no trabalho do dia a dia, por sua vez, Juan Pablo Vojvoda faz muitas exigências em sua chegada, em 2021. Mas com os resultados que entregou logo no primeiro ano, a diretoria do Fortaleza entendeu que ele poderia fazer coisas notáveis com mais material em mãos e passou a atuar de forma mais agressiva no mercado, vencendo concorrência por atletas cobiçados, como Silvio Romero, Juan Martín Lucero e Imanol Machuca, por exemplo.
A cada ano de trabalho, a folha do time sobe de valor — hoje é de cerca de R$ 6,4 milhões, segundo a diretoria —, oferecendo ao argentino um grupo mais qualificado. Houve também investimento em tecnologias para recuperar atletas entre partidas, devido ao calendário extenso e às longas viagens que o Tricolor faz — há todo um esforço logístico para amenizar esta situação também.
Em todos os ambientes do centro de excelência Alcides Santos, monitores exibem jogos do Fortaleza ou do próximo adversário, uma sugestão do técnico para criar um ambiente de imersão. A diretoria também investiu em uma tecnologia em que a comissão técnica consegue ter, no banco de reservas, imagens das partidas do alto, com informações sobre desgaste e quilometragem percorrida de cada atleta por meio de um tablet, o que ajuda em correções e decisões a serem tomadas.
No Pici, Vojvoda pediu a ampliação da área gramada e junção em um campo só, para realizar diferentes trabalhos junto com o elenco. Foi entregue também, no fim de 2022, o Hotel Ribamar Bezerra, logo ao lado do Hotel Otoni Diniz, ampliando a capacidade de alojamento e melhorando as condições de concentração.
No comando da diretoria executiva do Fortaleza há quase seis anos, Marcelo Paz é um dos dirigentes mais vencedores da história do clube e considerado por muitos o maior presidente que o Tricolor já teve antes mesmo de concluir o atual mandato, que vai até dezembro de 2024.
Formado em Administração de empresas pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e também em Gestão Técnica no Futebol pela Universidade do Futebol, trabalhava no colégio do qual é sócio como diretor até receber um convite para assumir a diretoria de futebol do Leão, em 2015. Ele podia assumir o cargo por ser conselheiro do Leão e sempre foi ligado a esportes, chegando a trabalhar como comentarista esportivo.
Paz participou da montagem do elenco que evitou o pentacampeonato estadual do maior rival, o Ceará, em 2015, e do time que faturou o bicampeonato cearense em 2016, mas não conseguiu o desejado acesso à Série B nestes dois anos, mesmo tendo chegado à fase de mata-mata sem dificuldades nas duas temporadas.
O dirigente ficou alguns meses fora e voltou ao clube a convite de Eduardo Girão, que assumiu a presidência do Fortaleza antes do início da Série C de 2017. Além de diretor de futebol, Paz agora seria primeiro vice-presidente e entrava na linha de sucessão do clube.
Com a renúncia de Girão em novembro daquele ano, Marcelo Paz se tornou presidente e foi o responsável por gerir o Fortaleza nos anos mais vitoriosos da equipe do Pici. A quantidade de títulos que o Tricolor ganhou de 2018 para cá são prova disso.
Foram cinco campeonatos estaduais consecutivos, algo inédito na história centenária do clube, algo que o torcedor almejava tanto e que devolveu ao Leão o status de maior vencedor do Estado; a primeira conquista a nível nacional também aconteceu, na Série B de 2018, junto com o acesso para a elite do futebol brasileiro. Na sala de troféus do clube há duas Orelhudas, correspondentes às Copas do Nordeste de 2019 e 2022.
Outras conquistas, que não valeram troféus, também marcam a gestão do Paz. Os cinco anos — que em breve virarão seis — de Série A do Brasileiro possivelmente sejam o ponto o mais importante, pois garante sustentabilidade ao projeto de expansão do clube. Entre os 20 melhores times do país, o Fortaleza já conseguiu ser o 4º colocado, com uma campanha histórica que levou o Tricolor a uma inédita disputa de Libertadores da América.
Calouro, o Leão conseguiu passar da fase de grupos no torneio continental logo de cara. O trabalho de recuperação no Campeonato Brasileiro de 2022, saindo da lanterna para uma vaga na pré-Libertadores, também foi impactante. O time também chegou à Sul-Americana duas vezes e na Copa do Brasil foi mais longe do que nunca, em 2021, sendo semifinalista.
Como o próprio dirigente gosta de dizer, “a bola não entra por acaso”, e o DNA do presidente pode ser notado para além das quatro linhas. A começar pela profissionalização da diretoria. Desde janeiro de 2019, todos os diretores do Fortaleza recebem salário, o que permite que eles se dediquem exclusivamente ao clube. Diante disso, planejamentos estratégicos começaram a ser feitos, para todas as áreas, e metas precisam ser batidas.
Paz também descentralizou as decisões da parte de campo. Ao assumir a presidência, deixou a diretoria de futebol, colocou outro profissional no cargo, manteve o executivo de futebol, Sérgio Papellin, assim como o cargo de gerente de futebol e estruturou o Centro de Inteligência do Fortaleza (Cifex), que hoje se divide entre análise de mercado, dos adversários e do próprio clube.
Ele também acabou com a dança das cadeiras de treinadores que havia nas temporadas anteriores, passando a escolher perfis e não nomes de profissionais, oferecendo a melhor estrutura possível — investimento em aparelhos de academia e recuperação, transformação do estádio Alcides Santos para fazer um centro de excelência e execução de melhorias no CT Ribamar Bezerra — e tornando o Fortaleza um time atraente para atletas e competitivo no mercado.
Paz soube, junto com a diretoria financeira, trabalhar o crescimento orçamentário do Fortaleza. Apostou bastante na torcida, que correspondeu tanto no programa de sócios-torcedores quanto no consumo da marca própria, que até foi arrendada em 2023, por um valor que garante pelo mesmo o mesmo faturamento anterior e ainda pode ultrapassar.
O alto investimento em elenco também trouxe bons retornos em premiações conquistadas e com venda de atletas, o Tricolor fez grandes negócios, inclusive a maior do futebol cearense, com Machuca, por 2,5 milhões de dólares (R$ 11,7 milhões na cotação da época). Quanto a patrocinadores, a diretoria também fechou grandes parcerias e mais recente garantiu R$ 40 milhões em dois anos.
O dirigente tricolor também ganhou notoriedade a nível nacional pelo bom trabalho à frente do clube, sendo figura frequente em veículos de grande alcance para falar tanto sobre o sucesso esportivo quanto acerca da gestão exitosa.
Marcelo Paz chefiou a delegação da seleção brasileira masculina a convite da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para amistosos na Era Tite e também assumiu protagonismo nas discussões sobre a liga de clubes, sendo um dos principais nomes do Forte Futebol.
No final de setembro de 2023, os sócios do Fortaleza aprovaram, em Assembleia Geral, a criação da SAF do clube, que será responsável pela gestão do departamento de futebol. Os trâmites burocráticos ainda estão sendo finalizados para a constituição da empresa, que tem Geraldo Luciano como presidente do Conselho de Administração e terá Marcelo Paz como CEO — Alex Santiago será o mandatário da associação.
Na prática, a separação entre o Fortaleza Esporte Clube e o Fortaleza EC SAF visa dar maior dinamismo e autonomia ao carro-chefe do Tricolor. O futebol profissional, feminino e as categorias de base ficarão sob a gestão da nova sociedade, que, neste primeiro momento, não terá ações vendidas no mercado. Ou seja, o clube será dono de 100% da empresa.
Com a nova configuração, que deve funcionar a partir de dezembro de 2023, Marcelo Paz não terá mais mandato como presidente da associação e será funcionário da SAF, podendo ficar no cargo por período indeterminado, portanto. Os dirigentes também apontam que a transição permite maior profissionalização do departamento e facilidade para obter crédito no mercado, fortalecendo a parte esportiva do Leão para seguir com os bons resultados dos últimos anos.
Nos 105 anos do Fortaleza Esporte Clube, especial do O POVO+ mostra a ascensão do time da Série C à final da Sul-Americana e a importância dos técnicos Ceni e Vojvoda nessa trajetória
