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Craques dos bastidores: conheça Andrezinho, funcionário do Fortaleza há 33 anos
Reportagem Seriada

Craques dos bastidores: conheça Andrezinho, funcionário do Fortaleza há 33 anos

Figura histórica do clube, André Luiz chegou ao Pici aos 16 anos para trabalhar como zelador e não foi mais embora. São 33 anos no Leão e várias funções exercidas em uma relação de "uma vida"

Craques dos bastidores: conheça Andrezinho, funcionário do Fortaleza há 33 anos

Figura histórica do clube, André Luiz chegou ao Pici aos 16 anos para trabalhar como zelador e não foi mais embora. São 33 anos no Leão e várias funções exercidas em uma relação de "uma vida"
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De poucas palavras, mas com um olhar carregado de lembranças, André Luiz Borges de Lima, o Andrezinho, dedicou boa parte da sua vida ao Fortaleza Esporte Clube. A paixão pelo Tricolor, fomentada pelo radinho de pilha que usava para escutar os jogos em Quixeramobim, transformou-se também em uma relação profissional. Fez de tudo um pouco. De zelador a auxiliar de massagista, já são 33 anos ininterruptos no Pici.

Tudo começou em 1991. Carlinhos, irmão de André, trabalhava como zelador no Leão, mas se apaixonou por uma mulher de Quixeramobim e a engravidou. Toinha — figura histórica e atual auxiliar de nutrição do clube —, ciente da situação, disse, conforme Andrezinho conseguiu resgatar em sua memória: “Carlinhos, você vai para a sede social do Fortaleza morar lá com sua esposa, mas precisa arranjar outra pessoa para trabalhar aqui no seu lugar”.

Carlinhos, sem titubear, pensou no irmão e o indicou. Na época, Andrezinho tinha apenas 16 anos e tinha uma vida humilde com os pais, no interior do Ceará. Apesar da pouca idade, a oportunidade de trabalhar no clube que torcia o fez criar coragem para se aventurar sozinho longe de casa. Foi Toinha quem organizou sua chegada ao Pici, onde passou a morar e atuar como zelador.

André Luiz Borges de Lima, o Andrezinho, chegou ao Piciquando tinha 16 anos para ser zelador. Está no clube há 33 anos e atualmente é auxiliar de massagista(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal André Luiz Borges de Lima, o Andrezinho, chegou ao Piciquando tinha 16 anos para ser zelador. Está no clube há 33 anos e atualmente é auxiliar de massagista

“A Toinha é uma pessoa que tem muito tempo também de Fortaleza. Ela é tipo uma mãe para os atletas e para todo mundo. Sempre está no meio da gente, participa das festas no vestiário, organiza as coisas com a gente. É uma pessoa muito boa e é durona mesmo. Já levei bronca, sim (risos). Ela já tem uma idade, então ninguém discute nada”, comentou Andrezinho, atualmente com 50 anos de idade, sobre a importante referência que Toinha exerce.

Logo no primeiro ano como funcionário do Fortaleza, Andrezinho conheceu o amor da sua vida, com quem está casado desde então. A história é inusitada. Ela era cozinheira do clube, 14 anos mais velha e com cinco filhos, contexto que não o intimidou. Aos poucos, entre as conversas na calçada da casa dela, após o expediente, e as idas ao centro para presenteá-la com perfumes, os dois selaram o relacionamento.

“Eu a conheci com 16 anos mesmo. Ela tinha uns 30 anos e já tinha cinco filhos. Até hoje eu vivo com ela. Criei os filhos dela. Um deles não está mais aqui com a gente, infelizmente faleceu em um acidente de moto com 18 anos. As filhas dela hoje já são todas grandes. São duas meninas e dois rapazes. Eles me chamam de pai”, contou.

 

 

A construção do "Andrezinho" no Fortaleza

Em paralelo às suas aventuras pessoais, o profissional também viveu um ano futebolístico especial no Fortaleza em 1991. Embora sua função não estivesse ligada às atividades no campo, ele se aproximou de alguns jogadores que formaram o elenco daquela temporada e acompanhou de perto a equipe ser campeã cearense. Ao lembrar, disse com carinho da relação com o time daquela época: “Sempre que precisei, eles me ajudaram”.

“Eu tinha uma relação muito próxima com os jogadores. Tinha o Argeu, Osmanir, Jorge Pinheiro, Eliezer, Expedito e Valdir. Essa turma toda. O futebol não era igual a hoje. Era menos glamouroso”, ponderou.

Com tantos anos de casa, o funcionário se tornou uma figura simbólica no Leão. Daqueles que praticamente não aparecem na mídia, mas que se doam diariamente. Passou a ser querido internamente pelos plantéis subsequentes que defenderam o clube. Agora na função de auxiliar de massagista e intrinsecamente ligado ao dia a dia do futebol profissional, convive com os jogadores.

Torcedor apaixonado, Andrezinho é só alegria atualmente. com o Fortaleza bem na Série A e com sucessivas participações na Copa Libertadores e Copa Sul-Americana(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Torcedor apaixonado, Andrezinho é só alegria atualmente. com o Fortaleza bem na Série A e com sucessivas participações na Copa Libertadores e Copa Sul-Americana

Dois grandes amigos, entretanto, não estão mais no Fortaleza. Thiago Galhardo, emprestado ao Goiás, e Escobar, negociado com o Santos, costumavam brincar com Andrezinho e mantinham uma relação bem próxima. O lateral-esquerdo argentino, inclusive, conversava constantemente com ele pelo WhatsApp.

“Eu tinha uma relação muito próxima com o Galhardo. Ele era brincalhão. Sempre brincava comigo. O Escobar também brincava demais comigo. O Lucero. Os 'gringos' tudo brincam demais. Já desenrolo no espanhol com eles (risos). Converso muito com ele (Escobar) no 'zap'. Quando ele está de férias, lá pela Argentina, na fazenda dele, ele vai pescar e caçar e manda pra mim as fotos. Uma vez ele me chamou, mas é muito longe (risos). O problema é a mulher deixar (risos)”, falou.

 

 

Os — quase — intermináveis oito anos de Série C e a mudança de patamar do Fortaleza

O título cearense de 1991 foi a primeira conquista de tantas outras que vieram para Andrezinho como funcionário do Leão. Mas também tiveram as fases ruins e as angústias, dores e lágrimas. O período do Fortaleza na Série C, entre 2010 e 2017, foi algo que ficou marcado e criou cicatrizes.

“A dificuldade é que toda vez que a gente quando tinha o jogo para subir, a bola não entrava. Ficava todo mundo triste. Eu dizia: 'Pô, mais um ano, de novo nesse sofrimento, mas vamos continuar a vida que vai dar certo'. Era um sentimento de tristeza. Eu chegava em casa e ficava pensando: 'Como é que pode, a bola não entra'. Era uma tristeza”, contou.

André Luiz casou com a cozinheira do time, que conheceu aos 16 anos. Ela é 14 anos mais velha e mãe de cinco filhos(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal André Luiz casou com a cozinheira do time, que conheceu aos 16 anos. Ela é 14 anos mais velha e mãe de cinco filhos

Aquele sentimento, porém, ficou no passado. “Hoje é só alegria”, ressaltou, ao dizer, com orgulho, sobre o novo momento que o time vive: consolidado na Série A e com sucessivas participações na Copa Libertadores e Copa Sul-Americana. Quando questionado sobre o que vem à mente ao lembrar da ascensão do Leão, Andrezinho se orgulhou, mas vislumbrou mais crescimento.

“Passam muitas coisas na minha cabeça. Foram muitas mudanças, né? Mas ainda quero que o Fortaleza cresça muito mais. O clube realmente se tornou grande”, refletiu.

 

 

Tormento no futebol e na vida: o problema com vício

Andrezinho foi levado ao Fortaleza pelo irmão Carlinhos, zelador do clube(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Andrezinho foi levado ao Fortaleza pelo irmão Carlinhos, zelador do clube

Enquanto o Fortaleza travava batalhas para tentar escapar da Série C, o auxiliar de massagista tentava vencer uma luta interna com vício em bebidas alcoólicas. A situação se tornou rotineira e passou a ser um problema dentro do clube, já que, naquela época, em 2012, ele estava iniciando com uma função ligada ao futebol profissional — feito que era um objetivo na sua carreira.

Algumas pessoas do Leão cogitaram tirar Andrezinho, mas o treinador Nedo Xavier, que comandava o Tricolor na época, não permitiu. “O Nedo Xavier me deu força. Ainda quiseram me tirar do (futebol) profissional, mas ele pediu para me deixar, que precisava de mim. Eu mesmo percebi que a bebida estava me atrapalhando. Eu não era aquilo. Tinha que pensar muito bem no trabalho e deixar isso de lado. A família toda me deu força”, comentou.

A esposa de Andrezinho e o Fortaleza também tiveram um papel fundamental em sua reabilitação. Hoje, com o vício superado, bebe casualmente e de forma moderada.

“Antes de entrar no futebol profissional, eu tomava muito. Botava um boneco. O Fortaleza me deu uma força. Hoje, quando às vezes tenho uma folga, tomo uma cervejinha tranquilo. Graças a Deus eu mudei. Minha esposa também disse: 'Você está agora numa área profissional'. A filha dela também me ajudou”, concluiu. 

 

 

O adeus de Manoelzinho

O profissional conviveu com muitas pessoas no Pici, mas uma delas tem um lugar especial em seu coração: Manoelzinho. Com ele, foram muitos ensinamentos e uma relação de anos, já que o icônico ex-massagista trabalhou no Leão por 42 anos. A despedida aconteceu em 2018, temporada em que faleceu por câncer no estômago, aos 67 anos.

Naquele ano, o Fortaleza se sagrou campeão da Série B e retornou à elite nacional. Andrezinho classifica este momento como o mais emocionante e recordou a mensagem que Manoelzinho o falou na véspera do jogo do título, quando já estava doente e lutava contra o câncer.

“O que mais me emocionou mesmo foi a subida da gente para Série A em 2018. Me fez chorar. O Manoelzinho chegou para a gente antes do jogo, ele estava com a gente na época do Rogério Ceni ainda. Ele adoeceu, chegou para a gente na sexta-feira e disse: 'Quando esse time entrar na Série A, ele vai continuar um bocado de tempo dando muita alegria para vocês'. O Manoelzinho era como um pai para mim”.

 

 

A primeira viagem de avião e a final da Copa Sul-Americana

Além do título da Segunda Divisão nacional, o profissional tricolor também falou de um outro episódio que ficou marcado em sua vida: a primeira viagem de avião. A pedido do elenco, o então presidente Marcelo Paz topou levá-lo com a delegação para Santos, onde o Leão disputaria a última rodada da Série A de 2022.

Andrezinho nunca havia entrado em uma aeronave. “Fiquei um pouco com medo e nervoso de viajar de avião. Mas quando estava lá em cima, os jogadores ajudaram. Fizeram brincadeiras e 'frescaram' comigo. O (Marcelo) Boeck também”, lembrou, enquanto dava um largo sorriso. Na Vila Belmiro, casa do Rei Pelé, presenciou a confirmação da classificação do Fortaleza à Libertadores de 2023.

“O momento que mais me marcou foi a minha primeira viagem de avião. Foi para São Paulo, no jogo contra o Santos. Os jogadores chegaram para o Marcelo Paz, que era o presidente na época, e falaram: 'Vamos levar o Andrezinho pela primeira vez, o cara nunca viajou de avião'. O coração ficou emocionado. Primeira vez, né? E foi lá na Vila Belmiro, onde a gente conquistou uma vaga para a Libertadores”, compartilhou.

As memórias mais triste de Andrezinho são do período do Fortaleza na Série C, entre 2010 e 2017(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal As memórias mais triste de Andrezinho são do período do Fortaleza na Série C, entre 2010 e 2017

A segunda viagem pelos ares aconteceu em 2023, para a final da Copa Sul-Americana. Novamente, o pedido pela presença do auxiliar de massagista partiu do grupo de jogadores, que queriam não só ele no Uruguai, mas como outras figuras relevantes do clube — como Toinha e o roupeiro Cícero.

Lá, Andrezinho participou de todo o processo do jogo. Esteve no vestiário antes do confronto contra a LDU-EQU começar, no Estádio Domingo Burgueño, e após a decisão nos pênaltis, em que o Fortaleza acabou derrotado. Apesar da lamentação pelo vice-campeonato, o auxiliar — que disse ter o título da Sula ou da Copa do Brasil como seu maior sonho em vida — prefere olhar para frente.

“Antes do jogo, o vestiário estava muito tranquilo. Todo mundo alegre e entrosado. Quando terminou, nós seguimos a vida, né? Vamos lá trabalhar. O Vojvoda motivou muito os atletas, deu parabéns para todos. O doutor Alex (Santiago, atual presidente) também falou, assim como o Marcelo Paz. Vamos pra luta que nesse ano tem outra. Vida que segue”, ponderou.

 

 

O choro no ombro de Escobar após o atentado

 

André não estava com a delegação do Fortaleza quando o ônibus sofreu um atentado no caminho entre São Lourenço da Mata, onde fica a Arena de Pernambuco, para Recife. Na ocasião, bombas e pedras foram arremessadas contra as janelas do veículo, ferindo jogadores do Tricolor do Pici.

Ele só soube depois do ocorrido, ainda sem dimensão da real gravidade da situação. A ficha caiu apenas quando viu as imagens dos atletas feridos, dentre eles Gonzalo Escobar, que levou 13 pontos e teve um trauma cranioencefálico.

Massagistas Edson Furacão (e), massagista, ao lado do auxiliar Andrezinho, no jogo Fortaleza x Cruzeiro, no Castelão, pelo Campeonato Brasileiro Série A 2024(Foto: Mateus Lotif/Fortaleza EC)
Foto: Mateus Lotif/Fortaleza EC Massagistas Edson Furacão (e), massagista, ao lado do auxiliar Andrezinho, no jogo Fortaleza x Cruzeiro, no Castelão, pelo Campeonato Brasileiro Série A 2024

“Eu fui ver depois que teve o atentado lá. Eu até cheguei para a minha esposa e falei: 'Rapaz, como é que pode'. Quando eu vi o estado do Escobar, eu chorei. Quando eu vi ele (Escobar) chegando aqui, eu dei um abraço nele e chorei. O Paz disse: 'Não vamos chorar perto deles para não abalar mais ainda", relatou.

Entre os feridos, o lateral-esquerdo argentino foi o que teve maior gravidade. Logo ele, considerado um dos melhores amigos de Andrezinho no elenco. “Depois eu conversei com ele. Disse: 'Vamos pra frente que você vai ficar bem e voltar a jogar'. Ele é uma pessoa que é quase um irmão”, contou. 

 

 

O atual vestiário do Fortaleza e a resenha com os “gringos”

Andrezinho é sempre um dos primeiros a chegar ao Pici. Entre 7 e 8 horas, o auxiliar de massagista já está na sede do clube preparando tudo para o treinamento, além de atender a pedidos do supervisor Júlio Manso ou do assessor executivo de futebol, Marcelo Boeck. Naquele ambiente, convive no vestiário com os atletas. Do centrado Titi aos estrangeiros brincalhões, o plantel tem de tudo.

“O seu Titi, ele é evangélico e é mais sério na vida. Chega ali fazendo aquela brincadeira com a gente, mas, na hora do trabalho, ele está ali focado. Os mais brincalhões são os 'gringos'. Eles pegam alguma coisa da gente assim e escondem. Tem que estar ligado nos caras (risos)”, entregou.

Andrezinho fez muitas amizades desde que chegou ao Fortaleza. Lembra Thiago Galhardo com especial carinho(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Andrezinho fez muitas amizades desde que chegou ao Fortaleza. Lembra Thiago Galhardo com especial carinho

Os "gringos", liderados por Brítez, planejaram uma “vingança” contra Andrezinho dias antes da entrevista. Prenderam o auxiliar de massagista na sauna ligada — e ele nunca havia entrado em uma. “O Brítez, Escobar e o Gato (Lucero) me prenderam. Eles tudo 'se abrindo' e achando graça. Eu falei: 'Pô, eu perdi 5kg aqui dentro'. O Brítez ainda disse: 'Agora você me pagou', porque eu joguei água nele”.

Tinga e Vojvoda também foram ressaltados por Andrezinho. O capitão e ídolo tricolor, repleto de simpatia, enquanto o treinador argentino esbanja humildade com todos que fazem o Fortaleza.

“O Tinga é um cara muito bacana. Às vezes ele brinca: 'Chegou no horário não, né? Tá certo'. E aí eu digo: 'Tinga, tem outras pessoas que também não chegaram', brincando. É muita resenha. O Vojvoda chega e cumprimenta todo mundo. O porteiro e todos os funcionários. É uma pessoa muito querida aqui no clube”, reforçou.

 

 

Sentimento pelo Fortaleza e aposentadoria

“É uma vida”. Foi assim que Andrezinho descreveu seu sentimento pelo Fortaleza. De fato, é. São 33 anos de dedicação ao clube que ama. “A gente vive mais aqui do que na própria casa. Às vezes eu chego em casa e a esposa diz: 'Vixe, chegou agora?', e eu digo: 'Estava trabalhando, né?', deixando tudo organizado para os treinos e para os jogos.

Sobre aposentadoria, é um tema que Andrezinho já pensa, mas que não pretende por enquanto. A ideia dele, quando encerrar seu ciclo no Fortaleza, é ir para o interior com sua esposa descansar. “Eu tenho uma casinha no interior que eu fiz e pretendo, um dia, me aposentar para morar lá com a minha esposa. Está demorando um pouco, mas será no dia certo. Quero curtir a casa com a minha mulher (risos).”

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