"A fé nos conduz à vitória", diz trecho do hino do Icasa. Falar em espiritualidade em Juazeiro do Norte, terra onde Padre Cícero é adorado e lembrado a cada instante, soa redundante. Mas o Verdão do Cariri precisou de resiliência, esperança e trabalho para superar a crise e enfrentar frustrações para retornar à elite do futebol cearense e almejar uma nova época de glórias.
De 2013 a 2019, o time verde e branco foi do portal rumo ao ápice a decepções encadeadas. Foram-se as conquistas e boas campanhas, entraram os fracassos em campo e os sérios problemas administrativos, sobretudo na parte financeira. Contudo, o calvário parece enfim ter se encerrado.
Em uma temporada atípica devido à pandemia de Covid-19, o Icasa conseguiu garantir o retorno à Série A do Campeonato Cearense após cinco anos com a conquista do título da Segunda Divisão local. "Aliviou a nossa dor e a dor do torcedor. E está começando a se desenhar uma nova era: uma era de sucesso. De 2013 para cá, foi só fracasso", admite Zacarias Silva, atual presidente do Conselho Deliberativo e mandatário do clube em tempos vitoriosos na década passada.
Vice-campeão da Terceira Divisão do Campeonato Brasileiro em 2012, o Verdão agregou diversas torcidas na temporada seguinte, na Série B. Brigou pelo acesso à elite do futebol nacional até a última rodada, mas terminou na quinta colocação, com um ponto a menos do que o Figueirense-SC, quarto colocado, que ascendeu à Série A. Um erro do sistema de Confederação Brasileira de Futebol (CBF) possibilitou a escalação irregular de um jogador do clube catarinense, que deveria ter perdido pontos por conta da questão. O imbróglio foi parar na Justiça e deve render indenização milionária ao time de Juazeiro do Norte.
Em 2014, a equipe acabou rebaixada novamente para a Série C nacional. No ano seguinte, foi lanterna e seguiu em queda livre para a Quarta Divisão. No cenário estadual, porém, mantinha boas campanhas: foi semifinalista do Campeonato Cearense nesta duas temporadas e conquistou o título de campeão do Interior — a Taça Padre Cícero.
A partir de 2016, entretanto, vieram os piores anos do clube. De cara, rebaixamento no Estadual e lanterna na Série D, ficando desde então ausente do calendário nacional. A tentativa de voltar à Primeira Divisão do Cearense bateu na trave em 2017, 2018 e 2019. Não foram poucas as trocas na diretoria, na comissão técnica e no elenco, além da grave crise interna.
"Em 2017 e 2018, o que nós vimos? Energia cortada, pessoal passando fome, torcida levando pão e carne para a sede porque não tinha, faltava arroz, café, ameaça de despejo do hotel... Uma série de coisas. A coisa mudou em 2019. Depois que nós assumimos, não tivemos mais corte de energia, não tivemos mais problema com hotel, nem com alimentação. Tudo resolvido na ordem administrativa. Isso é um diferencial que tem em uma equipe", ponderou o presidente do clube Francisco Leite Bezerra, o França.
"Estamos aqui para recuperar, inclusive, o descrédito que tem o Icasa e essa decepção que nos causaram os dirigentes irresponsáveis. Não quero citar nomes, mas foram muito irresponsáveis, todo mundo sabe disso. A gente quer resgatar para que o torcedor sinta-se novamente valorizado e valorize também o time", garantiu Zacarias Silva, em entrevista à Icasa TV.
A atual temporada, então, passou a ser encarada como a oportunidade de escrever um novo capítulo na história do clube. Com passagens anteriores pelo futebol local, o diretor de futebol Kleber Lavor foi contratado. Flávio Araújo seria o comandante do elenco, mas a paralisação do futebol e uma proposta do River-PI mudaram os planos. Washington Luiz foi o escolhido e conduziu o grupo à conquista do título.
"Levantamos a cabeça. Sabíamos que era um desafio muito grande. Até contra a vontade da minha família, que perguntava o que eu queria no futebol, mas eu disse que nós iríamos conseguir levantar esse clube."
"Isso é uma contribuição do destino para o nosso trabalho, realizado com transparência. Quando você está na baixa no futebol, não consegue ser campeão, ter um bom elenco. Eram muitas críticas, críticas pesadas. Nós enfrentamos coisas ali no Praxedão (CT do Icasa) de pessoas dizendo palavrões, ameaças... Até tiro deram no Praxedão. Mas nós não perdemos a guarda. Levantamos a cabeça. Sabíamos que era um desafio muito grande. Até contra a vontade da minha família, que perguntava o que eu queria no futebol, mas eu disse que nós iríamos conseguir levantar esse clube. E o maior desafio era encontrar pessoas com quem se aliar para nos dar coragem", pontuou França Bezerra.
O retorno à elite do Estadual possibilita a presença futura em competições como Copa do Brasil, Série D nacional e Copa do Nordeste, a depender do desempenho em campo. Assim, o Verdão projeta passos largos em curto espaço para retomar os tempos áureos.
"Temos a Taça Fares Lopes. Se nós ganharmos, vamos para a Copa do Brasil, que é um grande avanço, voltaremos ao cenário nacional. Vamos para a Série A do Cearense e se ficarmos entre os quatro ou formos campeões, estaremos na Série D do Campeonato Brasileiro. Aí, é a oportunidade de ir para a C", projeta o mandatário do clube.
Com o bom andamento do projeto esportivo, o Icasa tenta lidar com as questões financeiras para recuperar a estabilidade. A disputa do Campeonato Cearense garante cota da TV pelos direitos de transmissão, e a longa batalha milionária na Justiça Comum com a CBF ainda deve ter novos capítulos — inclusive com a possível discussão de um acordo entre as partes.
Presença fiel no estádio Romeirão — hoje em reformas para virar mais uma arena —, a torcida do Icasa não acompanhou de perto a trajetória vencedora na Série B do Cearense e, a princípio, não poderá marcar presença nas arquibancadas na volta à Primeira Divisão em razão da pandemia de Covid-19, o que gera novo prejuízo para o caixa do clube.
Apesar das dificuldades, a direção alviverde aposta na experiência e na união por dias melhores. França Bezerra, Zacarias Silva e Kleber Lavor seguem à frente das principais decisões, e Washington Luiz foi mantido à frente do comando da equipe — mesmo após assédio de outros clubes. "Nós estamos imbuídos no propósito de resgatar todos os valores e todas as conquistas do Icasa", avisou Zacarias.
"A Primeira Divisão é o lugar de onde jamais ele deveria ter saído. O lugar do Icasa é na Primeira Divisão."
"Nós estamos fazendo um trabalho com muita responsabilidade, muito compromisso. O França começou esse trabalho como presidente no ano passado. Iniciamos uma forma de resgatar a credibilidade do Icasa. Contratamos vários jogadores e pagamos todos. Não teve um projeto no ano passado (2019) porque não teve tempo hábil para isso e projeto não se faz do dia para a noite. O França primeiro trouxe Zacarias para seu lado e agora trouxe o Kleber, dentre outros dirigentes. Todo mundo é importante nesse time, mas os três juntos fizeram um trabalho forte de captação, cada um no seu setor, respeitando a função do outro. E é um projeto a médio prazo, não é a curto prazo. É para chegarmos onde nós estávamos (Série B). Não é fácil", completou o histórico dirigente icasiano.
Na nova temporada, o Icasa tem no calendário a Taça Fares Lopes, já em disputa, e o Campeonato Cearense. O primeiro torneio dá vaga na Copa do Brasil ao vencedor, mas o foco é fazer boa campanha no Estadual para iniciar a retomada do calendário anual, com presença no Campeonato Brasileiro. E, assim, se reafirmar na elite.
"A Primeira Divisão é o lugar de onde jamais ele deveria ter saído. O lugar do Icasa é na Primeira Divisão", pontuou Kleber Lavor.
O novo momento do futebol no Cariri. Crato e Icasa se juntam ao Barbalha na Primeira Divisão do Estadual e tentam dar novo lugar de destaque à região no cenário cearense