Quando a pequena bruxa Hermione Granger entoou o feitiço “Wingardium Leviosa” pela primeira vez nos cinemas, o cenário era outro no "mundo trouxa" — expressão usada nos livros de J.K Rowling para definir o mundo "não-bruxo". De novembro de 2001, quando estreou “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, para cá, porém, o fascínio pelo mundo fantástico do "menino que sobreviveu" segue perene. Vinte anos depois, o feitiço de Granger segue sendo repetido mundo afora por fãs de Harry Potter. Mesmo após mais de duas décadas, o fenômeno cultural criado por J.K Rowling segue sendo marcante na rotina de milhares de fãs e expandindo seus universos, em idas e vindas de nostalgia para os que se encantam com a mágica dos livros - e também dos filmes.
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O movimento de comemoração dos 20 anos do lançamento de “Harry Potter e a Pedra Filosofal” nos cinemas ocorre em frentes diversas, unindo passado e presente. A saga do bruxo que dá nome à franquia está retornando às telonas como uma forma de celebrar os marcos de suas jornadas e de reunir fãs em uma ação nostálgica.
Um dos maiores sucessos da indústria cinematográfica (afinal, foram mais de sete bilhões de dólares arrecadados), a franquia também pôs em destaque atores que se consagrariam em seus papéis no universo bruxo. Daniel Radcliffe (Harry Potter), Rupert Grint (Rony Weasley) e Emma Watson (Hermione Granger) contribuíram para o carinho do público sobre a saga.
Assim, não foi uma surpresa perceber que os fãs receberam com muito entusiasmo o anúncio da reunião especial com o elenco principal da franquia. A plataforma de streaming HBO Max será a responsável pela produção, que entrará em seu catálogo no primeiro dia de 2022. Além dos atores protagonistas, a retrospectiva receberá Ralph Fiennes (Lord Voldemort), Helena Bonham Carter (Bellatrix Lestrange), Robbie Coltrane (Rubeus Hagrid) e outros artistas que deram vida aos personagens de Harry Potter.
O especial, entretanto, não terá a participação de J.K. Rowling. Segundo o The Hollywood Reporter, o programa focará no desenvolvimento dos filmes, sem a presença da escritora. Rowling foi acusada de transfobia após alguns posicionamentos, como o de chegar a divulgar, no Twitter, uma loja com produtos transfóbicos e ao defender que pessoas trans deveriam ser identificadas por seus gêneros biológicos.
Não só em ações diretas relacionadas ao primeiro filme continua sendo reverberado o legado do universo de Harry Potter. Uma de suas expansões é “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, série de filmes que funciona como um “spin-off” da história principal. Com dois filmes já lançados, a franquia terá sua terceira produção exibida em 2022. Um dos detalhes é que, de acordo com o site IMDB, a atriz brasileira estará no elenco de "Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore".
Na literatura ou nas telas de cinema, não há exceção: o mundo bruxo segue reverberando de diversas maneiras para os potterheads - como são conhecidos os apreciadores mais apaixonados de Harry Potter. Como afirmar isso? Os próprios adoradores conseguem dizer:
“Foi a porta para o meu interesse em ler", afirma Hayaly Soares, graduanda em Análise e Desenvolvimento de Sistemas e potterhead desde quando ainda estava no início de sua jornada no ensino fundamental em seu colégio. Hoje com 28 anos, Hayaly há 20 nutre seu “amor” pela saga. O que começou com a “Pedra Filosofal” se desdobrou nos itens que coleciona: livros, bonecos, blusas e outros itensajudam a mostrar como o universo do bruxinho é importante em sua vida.
Ao lembrar do marco de 20 anos da estreia de “A Pedra Filosofal” nos cinemas, a fã carrega consigo o sentimento de nostalgia associado ao de olhar para o futuro e perceber que a saga continua ecoando por outras gerações. Afinal, repassou seus livros às suas primas, que “são loucas pela saga”. “É algo que se depender da nossa geração será atemporal”, afirma Hayaly.
O legado de Harry Potter continua sendo transmitido para novas gerações também por meio do professor de artes Clayson Saldanha. Como relata emocionado, hoje “divide a história” do bruxo com seu sobrinho de 11 anos, e isso há pelo menos três anos.
“Os livros que ganhei aos 9, dei a ele de presente aos 8. De lá para cá, são noites de cinema em casa assistindo aos filmes, festas de aniversário com essa temática, presentes, perguntas e ele, de tão curioso que é, ainda me ensina algumas coisas que descobre na internet”, comenta Clayson.
Aos 27 anos, o potterhead Clayson considera que aprendeu bastante com Harry Potter. “Em um mundo onde sempre se busca o resultado, a amizade entre Harry, Rony e Hermione me ensinou que as diferenças devem ser aceitas, que há escuridão em meio a luz e que até o herói pode duvidar de si mesmo”, acrescenta.
O analista financeiro Allyson Paullyneli, 24, tem visão parecida com a de Clayson, pois relata que, a partir da saga, assimilou a importância de “ter amigos leais”. Quem entra em seu quarto logo se familiariza com o mundo bruxo: pôster, luminária da Plataforma 9 ¾, copo e relógio temáticos marcam presença em seu acervo, além dos livros.
Pensando no alcance de Harry Potter ao longo dos últimos 20 anos, Allyson indica uma “grande evolução” na trajetória da saga, conseguindo angariar milhares de fãs em diversos países. Exposições, parques temáticos, brinquedos e expansões - como os filmes de “Animais Fantásticos e Onde Habitam” - ajudam a concretizar a importância da obra.
“Harry Potter nos tira muitas vezes dessa realidade cruel que vivemos. Eu acho que esse é um sentimento de muitos fãs. É por isso que amamos tanto, porque é um universo em que nos imaginamos até hoje, mesmo sabendo que não temos mais idade para estar lá caso existisse”, enfatiza.
Muito antes da popularização massiva das redes sociais, da cultura do cancelamento e da importância significativa que os usuários tinham acerca da opinião pública, um grupo de fãs já se mobilizava diante de uma conexão virtual ainda incipiente. Eram os “potterheads”, quem apreciava os livros da saga “Harry Potter” e compartilhava seus interesses com pessoas desconhecidas por meio dos blogs. Hoje talvez seja comum perceber a interferência direta que o público consumidor possui nas produções culturais. Mas, lá no início dos anos 2000, isso não era uma situação tão visível - porque se concretizou depois da história criada pela escritora inglesa J. K. Rowling.
Entre tantas questões que demonstram o fenômeno sociocultural deste universo fictício, um fato específico deixou claro o poder que essa narrativa teria nas próximas gerações. Antes do lançamento de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, que completa duas décadas neste ano, a Warner Bros tentou fazer algo impensável na realidade atual: proibir os fãs de utilizarem a marca na internet sem pagar direitos autorais. Isso acarretou na denominada “Potter War”, que consistiu em uma série de embates legais que a produtora enfrentou depois da recepção negativa do público. No fim, a empresa mudou o contrato para permitir que os “potterheads” pudessem usar o nome do bruxo.
Anos depois, a Warner Bros viveu outro grande problema com esse grupo: “Em 2010, existia uma aliança chamada Harry Potter Alliance, uma organização de fãs mundial que, quando a Warner abriu o parque universal de Orlando, eles se juntaram para pressioná-la a apresentar um certificado de origem dos chocolates que eram comercializados no parque”, comenta Flávia Zimmerle, professora da Universidade Federal de Pernambuco e escritora da tese “Relíquias de Potterheads: uma arqueologia das práticas dos fãs de Harry Potter”. Atualmente, a “Harry Potter Alliance” se tornou o “Fandom Forward”, ONG que reúne vários fandoms em prol da luta contra a violação dos direitos humanos.
“Os fandoms são uma forma de organização política. Mas os potterheads defendem a originalidade dos valores do cânone, que eles tomam para si. São valores que pautam a convivência deles. Defendem e cobram que esses valores sejam seguidos. O que acontece é que a existência da comunidade depende dessa responsabilidade moral que é assumida tanto perante o grupo com o qual você está se conveniado quanto perante a própria saga. Eles assumem um papel de guardião e integralidade desse cânone”, afirma. Isso explica, em partes, a insatisfação dos fãs com J. K. Rowling, acusada de transfobia por seus comentários nas redes sociais.
Mas o público que consome “Harry Potter” também é um sujeito ativo, que produz seus próprios trabalhos artísticos ao redor daquela narrativa. “Não só isso, em um estudo que fiz, muitos deles descobriram suas próprias vocações a partir das práticas naturais e cotidianas que existem nos fandoms. A construção de fanfics e alimentação de blogs formaram bons jornalistas e escritores, por exemplo”, pontua.
Esse foi o caso, por exemplo, de Beatriz Masson Francisco, mestre em letras e dona da dissertação “Leitores e leituras de Harry Potter”. “Minha história com a série começou quando eu tinha 12 anos, quando assisti aos três primeiros filmes de uma vez. Me encantei pelos personagens nas telas dos cinemas e, por isso, passei para a leitura dos livros – algo que só aumentou meu encantamento. Harry Potter me levou ao curso de Letras, pois sonhava em poder traduzir obras como essa”, recorda.
Ela, porém, deixou de lado o sonho de se tornar tradutora, mas enveredou pelo caminho da pesquisa. “Não desisti de Harry e seus amigos e passei a pesquisar a série à luz da teoria e crítica literária ainda na iniciação científica. Seguir na pesquisa acadêmica com esse tema foi um caminho muito natural para mim, porque nunca imaginei trabalhar com outra obra. Harry Potter foi uma série fundamental em minha adolescência e em minha vida adulta – tão fundamental que a transformei em objeto de pesquisa e trabalho”, revela. (Clara Menezes)
>> Entrevista
A saga do mundo bruxo não está só nos livros e nos filmes. É possível encontrar referências das histórias em quase todos os objetos de consumo cotidiano. Dos parques temáticos às lojas de departamento, muitos setores do comércio costumam vender produtos que trazem questões relativas à narrativa. Em entrevista com Fellip Agner Trindade, mestre em teoria literária e detentor da dissertação “Harry Potter: a imaginação de uma comunidade”, ele discorre sobre o fenômeno. (Clara Menezes)
O POVO: Como Harry Potter conseguiu se tornar um fenômeno cultural?
Fellip Trindade: Harry Potter talvez seja o único de sua espécie, por assim dizer. Muitos trabalhos literários se tornaram referência cultural, como Dom Quixote, para citar apenas um exemplo, e tantos outros que ainda virão, mas nenhum ocorreu no mesmo cenário perfeito em que Harry Potter. Os primeiros livros foram publicados na virada do século e, por isso, ganharam forte influência das mídias. Os três últimos volumes da série foram publicados em pleno sucesso avassalador de bilheterias dos filmes, ou seja, um nicho cultural influenciando o outro de forma mútua. Além da performance nos cinemas, Harry Potter ainda contou com a popularização da internet e das redes sociais na primeira década do milênio.
Os leitores e fãs, sobretudo os mais jovens que tanto se envolvem naquilo que gostam, encontraram um espaço no qual poderiam compartilhar suas leituras e seus interesses na série, criando uma comunidade global de milhões de leitores e fãs conectados pela rede. Além de um apelo da própria história de fantasia, a qual a autora J. K. Rowling conseguiu manter muito próxima do mundo “real” dos leitores (e não em mundos mitológicos ou secretos, como em O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Nárnia), o que facilitou a apropriação cultural, Harry Potter contou com a conectividade e a interatividade da era digital para que pudesse performar não apenas como literatura mas, também, como referência cultural para toda uma geração.
O POVO: Como os personagens e o mundo de Harry Potter extrapolam a ficção para adentrar na realidade do consumo?
Fellip Trindade: Eu não hesito em afirmar que Harry Potter é, até hoje, o maior exemplo de como extrapolar (e muito!) o universo literário. A série pode ser encontrada na forma dos mais diversos produtos que se possa imaginar: de clipes de papel a peças de roupa íntima. Tudo, obviamente, sob os direitos de reprodução da gigante do entretenimento, a Warner, e da autora da série, J. K. Rowling. Logo, trata-se de uma ação da indústria do entretenimento como nunca antes feito, uma coordenação de movimentos do mercado e da mídia que possibilitou essa presença do universo de Harry Potter em diferentes produtos de consumo. Mas nem tudo se resume às táticas do mercado.
Não podemos negar a qualidade da história (ainda que possa haver discordâncias com base em gostos pessoais), não podemos negar também a forte ligação afetiva dos leitores e fãs da série, muito menos ainda negar o papel de artistas, diretores, produtores, figuristas, designers, e tantos outros agentes que contribuíram para uma criação artística e estética ligada a Harry Potter. É claro que todo esse movimento não ocorreria sem o investimento da indústria do entretenimento, o que condiciona, em grande parte, essa extrapolação da literatura às ações do mercado, mas não podemos negar que, sem o mínimo de qualidade, não haveria toda essa comoção em torno dos personagens, dos cenários, das artes e das histórias de Harry Potter que são consumidos pelos fãs.
"A própria história, seja pelo encantamento provocado pelo mundo mágico ou, até mesmo, por questões políticas abordadas na série, facilita a apropriação por parte dos leitores e fãs. É daí que nasce o fenômeno sociocultural"
O POVO - Você cita que Harry Potter se tornou um fenômeno sociocultural. Por quê?
Fellip Trindade: Quando se fala em Harry Potter, quase ninguém pensa em um livro na estante. A primeira coisa que vem à mente das pessoas é uma ideia, ou até mesmo um sentimento, uma ligação com universo da série. Algumas pessoas pensam nos filmes, nos atores, nos cenários (como a Escola de Hogwarts), em algum personagem, em algum objeto temático, na tatuagem que carrega no braço, na autora… Mas dificilmente no livro físico, como ocorre com tantos outros trabalhos literários. Além de uma ligação afetiva de um público que literalmente cresceu junto da série, Harry Potter ganhou os mais diversos espaços, da literatura ao cinema, de roupas a pontos turísticos. Tudo isso contribui para que o fenômeno ganhe um aspecto sociocultural.
A própria história, seja pelo encantamento provocado pelo mundo mágico ou, até mesmo, por questões políticas abordadas na série, facilita a apropriação por parte dos leitores e fãs. É daí que nasce o fenômeno sociocultural, a própria comunidade, conhecida como Potterheads, passa a utilizar Harry Potter como referência literária (pelos livros), referência estética (pelos milhares de produtos e referências visuais da série), referência comportamental (pelos temas políticos abordados nos livros) e, claro, como referência afetiva. Junte tudo isso às ações da indústria cultural, que levaram o universo da série a todos os lugares, da TV às lojas de departamento, e o fenômeno sociocultural está formado. A série deixa de ser apenas uma referência literária para influenciar relacionamentos, amizades, vivências, estudos acadêmicos, moda, imprensa e, até mesmo, a ciência, batizando algumas de suas descobertas com referência à série.
Uma preocupação sempre permeia os fãs quando eles veem suas obras favoritas serem adaptadas ao cinema: haverá a preservação da essência dos personagens e da história? Exemplos de adaptações que foram retiradas de seu contexto original não faltam, mas, com “Harry Potter”, a versão cinematográfica se manteve relativamente fiel.
“Não há uma discrepância significativa entre a construção do personagem de uma obra literária para o de uma obra fílmica. Os personagens tiveram suas construções de maneira muito linear, seguindo uma construção dentro da narrativa literária que foi perfeitamente transportada para a fílmica no que diz respeito às características físicas e psicológicas”, explicita Yunisson Fernandes, mestre em estudos de tradução e autor da dissertação “Harry Potter e a Pedra Filosofal: Construção dos Personagens Harry, Hermione e Harry - Do Livro Para o Filme”.
Segundo ele, “no livro e no filme, é construído um diálogo entre os eventos e como esses personagens se movimentam dentro deles. Suas características são bem delineadas e se consolidam dentro do texto de maneira quase fixa. Em alguns momentos, alguns personagens mostram uma outra oscilação nas suas características físicas e psicológicas”. Ele cita uma das protagonistas, Hermione. “Ela às vezes deixa transparecer suas fragilidades de uma menina que usa da sua inteira inteligência e esperteza para esconder suas vulnerabilidades. Isso é claro tanto no livro e é perfeitamente transportado para o filme”.
De acordo com o pesquisador, um dos principais motivos para essa adaptação ter sido similar seria o fato de autora ter participado como produtora dos primeiros filmes. “O olhar da escritora nessa produção certamente fez a diferença, embora essa participação não seja uma prática tão comum nas produções cinematográficas”, pontua. (Clara Menezes)
>> Artigo
Isabel Costa
Era dezembro de 2014 e eu amargava um coração partido. Para não entrar na “fossa”, eu decidi ler e assistir todos os produtos culturais disponíveis. Devorava livros enormes em horas, via temporadas de séries de uma vez só. Certa vez, encontrei uma promoção da coleção completa de Harry Potter. Uma edição simples, sem orelhas, papel branco e diagramação duvidável. Havia lido poucos exemplares na adolescência e sempre de forma espaçada. Na biblioteca só restavam os volumes três, cinco e sete – frutos de doações vindas das casas das crianças ricas que não tomaram gosto pela leitura. Também me aventurava a tomar os livros emprestados de colegas, mas sempre receosa e ouvindo milhares de recomendações. Então, não pensei duas vezes, comprei os sete livros e os sete DVDs de uma vez só.
Esperei a chegada do pacote como criança que aguarda um papai noel imaginário. Eu sempre havia gostado da narrativa, sempre simpatizei pelos personagens e, claro, havia visto os filmes. Mas não me considerava parte integrante do fandon – aquelas pessoas que colecionavam itens raros, importavam camisetas e demonstravam certa devoção excessiva. Seria, finalmente, a oportunidade de ter o contato profundo com a obra. À época, inclusive, eu nutria uma admiração considerável pela pessoa responsável pela escritura dos livros e pela criação das personagens. Hoje, depois de muitas frases infelizes e declarações rículas no Twitter, a admiração acabou.
Naquele ano, às vesperas do Natal e do Revéillon, o importante seria, finalmente, ter o contato integral com a obra literária. Eu, entretanto, passei de uma simpatizante para uma entusiasta e admiradora do universo da magia e da bruxaria. Acreditava que os livros seriam apenas uma literatura infantojuvenil bem elaborada. Fui surpreendida, obviamente. Cada livro acompanha não apenas o crescimento de Harry, Rony e Hermione, mas, também, o progresso dos leitores de acordo com suas idades.
Lembro que, enquanto minha família estava aproveitando a ceia natalina, eu fiquei isolada com Harry Potter e a Ordem da Fênix. Um livro relativamente denso quando consideramos o público para o qual foi produzido. Meu irmão, surpreso, entrou na sala: “você está aqui sozinha”. Mas eu não estava. Havia um mundo repleto de amizade, de aventura, de sagacidade, de paixão, de idealismo e de tantos outros valores humanos importantes para a formação.
"A saga é a prova de que a literatura feita para crianças e para adolescentes não deve ser simplória. Muitissímo pelo contrário! É necessário criar obras motivadoras, personagens intensos e histórias com fibra moral para conseguir garantir a adesão do público"
Depois de tanto tempo, eu continuo recorrendo aos sete livros em momentos de angústia, de desesperança ou de tédio. A saga é a prova de que a literatura feita para crianças e para adolescentes não deve ser simplória. Muitissímo pelo contrário! É necessário criar obras motivadoras, personagens intensos e histórias com fibra moral para conseguir garantir a adesão do público. Prova disso é que, duas décadas depois, Harry Potter continua ganhando leitores. Inclusive, pessoas de várias idades, que começam a leitura na infância, na pré-adolescência ou, seguindo o meu exemplo, já na vida adulta.
É uma saga que não vai decepcionar. As edições baratas, compradas com frete grátis em papel de baixissíma qualidade, continuam na minha estante como um lembrete: “nunca é tarde para descobrir novos mundos”. Aos poucos, foram chegando as blusas com estampas temáticas, os quadros, os cadernos e os outros adereços relacionados ao universo mágico. As edições ilustradas – estas, sim, com um papel decente e cores – também ganharam espaço.
Agora, eu aguardo que minhas duas sobrinhas, atualmente com dois anos e cinco anos, cheguem a idade suficiente para conseguir iniciar a leitura. Claro, não há uma garantia absoluta de que elas irão gostar das narrativas. O objetivo é apresentar a saga o mais cedo possível para que, diferente de mim, ambas tenham acesso aos encantos do universo mágico. No meu ímpeto de titia, eu comemoro cada vogal aprendida como um passo a mais para a leitura dos sete livros. Afinal, como ensinou o nosso mestre Paulo Freire: ensinar a ler é ensinar a gostar de ler.
Isabel Costa, jornalista, editora, autora e fã de Harry Potter
Harry Potter 20 anos depois