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Os projetos de hidrogênio que já existem no Ceará
Reportagem Seriada

Os projetos de hidrogênio que já existem no Ceará

Em entrevista exclusiva ao O POVO, o professor Paulo Emílio de Miranda, diretor do Laboratório de Hidrogênio do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), afirma que o Ceará tem "grande oportunidade" com negócios envolvendo o hidrogênio verde. Para ele, muitos países estão trabalhando para renovar seus sistemas energéticos
Episódio 2

Os projetos de hidrogênio que já existem no Ceará

Em entrevista exclusiva ao O POVO, o professor Paulo Emílio de Miranda, diretor do Laboratório de Hidrogênio do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), afirma que o Ceará tem "grande oportunidade" com negócios envolvendo o hidrogênio verde. Para ele, muitos países estão trabalhando para renovar seus sistemas energéticos
Episódio 2
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Apesar de ainda não ter, na prática, produção de hidrogênio verde em larga escala, no Ceará já existem várias pesquisas em andamento envolvendo o elemento químico. O que, na avaliação do diretor-presidente do Parque Tecnológico da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fernando Nunes, pode ser, inclusive, um dos grandes diferenciais do hub de hidrogênio cearense, caso o projeto saia do papel.

“A ideia é, com o hub, atrair investidores para abrigar dentro do parque tecnológico um centro de pesquisa em hidrogênio verde, já que a própria universidade dispõe de vários pesquisadores com conhecimento e trabalhos na área do hidrogênio", afirma Fernando Nunes.

Planta de Parque Tecnológico da Universidade Federal do Ceará (Partec)
Foto: Divulgação UFC
Planta de Parque Tecnológico da Universidade Federal do Ceará (Partec)

Também seria uma forma de ajudar a dar expertise e a inovação necessária para as empresas locais que queiram entrar nessa cadeia de negócio.

 

Na UFC, existem pesquisas na área do hidrogênio nos departamentos de Engenharia Química, Engenharia Mecânica e Engenharia Elétrica, que vão desde a separação de gases, transporte, armazenamento, como a produção de hidrogênio a partir de outros materiais.

 Há, inclusive, um estudo conduzido pela pesquisadora da UFC, Fernanda Lobo, em parceria com as universidades norte-americanas Princeton e Columbia e com o Laboratório Nacional de Energia Renovável dos Estados Unidos, que demonstrou ser viável a produção de hidrogênio a partir do esgoto.

Condomínio do Empreendedorismo da UFC
Foto: Viktor Braga/ Divulgação UFC
Condomínio do Empreendedorismo da UFC

Neste caso, mudam os insumos (ao invés de energia eólica e solar, é usada matéria orgânica do esgoto) e também a metodologia, que é realizada através de bioeletroquímica (recente no meio acadêmico, não empregada no Brasil). Por enquanto, os resultados ainda estão em níveis laboratoriais, mas abre um importante leque de possibilidades para esse mercado.

Nunes destaca que como o parque tecnológico também faz incubação de startups essa seria uma forma do Estado dar um salto no desenvolvimento de produtos nesta nova tecnologia. “Para um investidor isso é muito interessante, porque as startups podem ir desenvolvendo partes do todo da pesquisa. Assim, os resultados chegam muito mais rápido.”

 

 

ENTREVISTA

"A hora de investir é agora"

 

Paulo Emílio, coordenador do Laboratório de Hidrogênio da Coppe/UFRJ
Foto: Divulgação
Paulo Emílio, coordenador do Laboratório de Hidrogênio da Coppe/UFRJ


Apesar de ainda se posicionar de forma tímida na corrida global para produção e utilização de hidrogênio verde, o Brasil é um país aberto ao uso de novos combustíveis. Então, "o momento de investir é agora". A avaliação é do professor Paulo Emílio de Miranda, diretor do Laboratório de Hidrogênio do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) e presidente da Associação Brasileira do Hidrogênio (ABH2). Em entrevista exclusiva ao O POVO, ele fala sobre o potencial desse mercado, os entraves e o que acha da ideia de um hub de hidrogênio verde no Ceará. “Se o Ceará entrar neste mercado com metodologia efetiva, vai ganhar visibilidades nacional e internacional muito grandes porque está sendo ativo na transição energética que está só começando agora."

 

"Este é um tema que está crescendo muito e rapidamente nos principais países do mundo. Então, eu diria que a hora de investir nisso é agora."

 

O POVO - Qual é hoje a real potencialidade do hidrogênio verde?
Paulo Emílio de Miranda - Este é um tema que está crescendo muito e rapidamente nos principais países do mundo no sentido que se tenha efetivamente uma transição energética dos combustíveis fósseis para as energias renováveis e a energia do hidrogênio. Então, eu diria que a hora de investir nisso é agora.

O POVO - Por que o hidrogênio verde tem chamado tanta atenção?
Paulo Emílio de Miranda - O hidrogênio verde é considerado limpo e sem emissões. Ele pode ser produzido pela eletrólise da água, situação na qual não há carbono envolvido, bastando desmembrar a água em seus constituintes (hidrogênio e oxigênio). Mas esta não é a única maneira de produzir hidrogênio verde. Ele também pode ser produzido a partir de biomassa. Este é um caso particularmente importante para o Brasil porque é um país muito rico em biomassas de rejeito e de manejo. Quando se faz a gaseificação ou a biodigestão da biomassa,  também se produz hidrogênio verde porque o carbono envolvido neste processo não veio de combustível fóssil, de debaixo da terra, veio, por exemplo, de uma planta que, para crescer, fez fotossíntese e absorve carbono. No entanto, existem também os hidrogênios cinza e azul.

O POVO - E qual a diferença entre eles?
Paulo Emílio de Miranda - Quando você produz e utiliza hidrogênio verde está descarbonizando os sistemas energéticos atuais. O cinza é produzido, principalmente, a partir da reforma a vapor do gás natural. Já o azul é esse combustível produzido a partir de combustível fóssil, pode ser gás natural, carvão, derivado de petróleo, mas que no processo de produção de hidrogênio, o carbono produzido é sequestrado e, eventualmente, utilizado. Neste caso, se o CO 2 gerado no processo for guardado, por exemplo, em minas salinas ou é utilizado para alguma atividade industrial, também não está poluindo o meio ambiente. É importante entender que o hidrogênio verde custa hoje entre cinco a dez vezes o valor do hidrogênio cinza. Todos estes tipos de hidrogênio estão sendo utilizados atualmente para facilitar a abertura de mercado para, mais na frente, poder chegar a uma condição em que o foco seja dado totalmente ao hidrogênio verde. Mas, é claro que, se existir vontade política e financiamento, é possível começar diretamente com hidrogênio verde.

 

"Países que estão destinados a limpar seu sistema energético não têm as possibilidades que o Brasil tem."

 

O POVO - O Governo do Ceará está se articulando junto com o Complexo do Pecém, Federação das Indústrias (Fiec) e Universidade Federal do Ceará (UFC) para montar um hub de hidrogênio verde no Estado. Este projeto conta, inclusive, com o apoio do porto de Roterdã. Como avalia essa iniciativa e qual o impacto que pode ter para a economia cearense?
Paulo Emílio de Miranda - Se esta parceria der certo é uma oportunidade muito grande. Países que estão destinados a limpar seu sistema energético não têm as possibilidades que o Brasil tem. Aqui temos uma matriz energética muito limpa, usamos eólicas, solares, muita hidroeletricidade e cana-de-açúcar. E não dá certo plantar cana-de-açúcar, por exemplo, na Holanda. Logo, esses países são forçados a comprar energia porque não terão capacidade de gerar todo o hidrogênio de que precisam. Por isso, dizemos que o hidrogênio verde está se tornando uma nova commodity energética mundial.

 

"Se o Ceará entrar neste mercado com metodologia efetiva, vai ganhar uma visibilidade nacional e internacional muito grande porque está sendo ativo na transição energética que está só começando agora."

 

O POVO - Quem de fato já produz hidrogênio verde no mundo?
Paulo Emílio de Miranda - Não existe hoje produção de hidrogênio verde em larga escala. Existem projetos, principalmente, na Ásia, na América do Norte e em alguns países europeus como Inglaterra, França e Alemanha. Já existem ônibus e trens rodando com hidrogênio, indústrias do aço montando grande infraestrutura para mudar o processo de produção de redução do minério de ferro para, ao invés de fazê-lo com carbono, usar hidrogênio. Acredito que devem ter umas doze empresas no mundo fazendo isso. É um sistema que está em seu alvorecer. Por isso, ele representa uma oportunidade muito grande. Se o Ceará entrar neste mercado com metodologia efetiva, vai ganhar visibilidades nacional e internacional muito grandes porque está sendo ativo na transição energética que está só começando agora. Isso tem um valor de mercado muito grande.

O POVO - Além do Ceará, tem outros estados interessados em produzir hidrogênio em larga escala?
Paulo Emílio de Miranda - Tenho feito várias reuniões com Governo do Rio e conheço ações no Paraná já direcionadas neste sentido

O POVO - Por que é tão mais caro produzir hidrogênio verde em comparação aos outros tipos de hidrogênio?
Paulo Emílio de Miranda - Porque a tecnologia é nova e não tem escala. E toda tecnologia nova é mais cara do que as já existentes até que atinja um grau de produção em massa que permita diminuir os valores de infraestrutura e de operação. Isso já está ocorrendo. As chamadas curvas de aprendizado e desenvolvimento de mercado mostram que as tecnologias de hidrogênio têm tido um decréscimo de custo muito grande ao longo desses anos. Não é mais uma barreira tecnológica, isso já foi superado, hoje é mais uma questão de escala.

 

" O Brasil é o único no mundo, por exemplo, que já fez uma mudança de combustível veicular em larga escala e com sucesso que é o etanol."

 

O POVO - O senhor acha que o processo de substituição dos combustíveis fósseis para hidrogênio verde vai demorar a chegar no Brasil? É uma tecnologia que será mais destinada à exportação?
Paulo Emílio de Miranda - Em primeiro lugar, eu não vejo o Brasil como mero exportador de hidrogênio. Não devemos só produzir para exportar, é preciso utilizar, senão não sustenta o processo todo e a nossa sociedade não se beneficia tanto. Além disso, apesar de ser um país tão confuso em muitas áreas, como no combate à pandemia, o Brasil faz muitas coisas importantes. É o único no mundo, por exemplo, que já fez uma mudança de combustível veicular em larga escala e com sucesso com o etanol. Isso parece comum porque vivemos aqui, mas não é lá fora. Por isso, acho que o Brasil é aberto a experiências com novos combustíveis e tenho certeza de que esta mudança também ocorrerá com o hidrogênio de forma positiva e com intensidade.

 

"Embora reconheça que a atuação política no Brasil é tímida em relação a isso, existe interesse em áreas governamentais e nas empresas privadas de que esse mercado cresça."

 

O POVO - Mas o senhor vê as empresas brasileiras preocupadas em rever seus processos ou mesmo o governo brasileiro interessado em incluir o hidrogênio verde na pauta?
Paulo Emílio de Miranda - O Brasil tem uma questão política mais complicada que outros países que têm um nível de desenvolvimento industrial tão grande quanto o nosso. Mas eu presido a Associação Brasileira de Hidrogênio e, no dia a dia, percebo o aumento do interesse das empresas em se associar, entender mais e desenvolver atividades nesta área. E o próprio Ministério de Minas e Energia e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) lançaram recentemente o Planejamento Estratégico 2050, no qual a questão da energia do hidrogênio é abordada. Então, embora reconheça que a atuação política no Brasil é tímida em relação a isso, existe interesse em áreas governamentais e nas empresas privadas de que esse mercado cresça.

O POVO - Em casos de abertura de mercado como o do hidrogênio verde seria importante ter primeiro um marco regulatório sobre o assunto ou é algo que vem conforme for consolidando a demanda?
Paulo Emílio de Miranda - É muito importante ter um marco regulatório porque vai estabelecer as bases sobre as quais as empresas podem atuar. Hoje já existem normas nesta área feitas no comitê sobre energia do hidrogênio na Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), mas é necessário que haja também regulamentação por parte do Governo.

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