Com vento e sol em abundância o ano inteiro não é de hoje que as energias renováveis são apontadas como de grande potencial econômico para o Ceará. O Estado é o terceiro maior produtor brasileiro de energia eólica e o quinto em solar, de acordo com o mais recente levantamento da plataforma de consultoria Epower Bay. Mas a possível implantação, dentro do Complexo do Pecém (CIPP S/A), de um hub de hidrogênio verde, considerado o combustível do futuro, pode elevar essa produção a outro patamar. E mais: pode colocar o Ceará no centro do mundo em produção e exportação de energias renováveis.
O hidrogênio verde tem sido uma das principais apostas de empresas e nações para reduzir a emissão de gás carbônico na atmosfera nas próximas décadas, justamente por ser um combustível universal, leve, muito reativo e não poluente. Ele pode ser obtido a partir da eletrólise, método que utiliza corrente elétrica para separar o hidrogênio do oxigênio que existe na água. E é considerado verde quando produzido utilizando fontes renováveis de energia.
No caso do Ceará, a ideia é atrair investidores interessados em instaurar uma planta de eletrólise que use como insumos as energias eólica e solar. O projeto liderado pelo Governo do Estado conta também com a parceria e articulação do Complexo do Pecém; Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) e Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Dos clusters econômicos que estamos trabalhando para potencializar a economia cearense a que está em maior vigor e virtuosidade é a de energias renováveis. Se conseguirmos dar este passo, o Ceará vai estar na vanguarda da transição energética”, afirmou o secretário do Desenvolvimento Econômico do Ceará, Maia Junior.
Maia Junior explica que a ideia surgiu de uma provocação feita pelo Porto de Roterdã, um dos acionistas do Complexo do Pecém, e que também está se movimentando para ampliar de forma significativa a produção e importação do produto para o centro de conexões que será montado na Holanda. As conversas foram avançando e ainda neste mês de fevereiro o governador Camilo Santana deve assinar quatro decretos que darão o pontapé para o hub cearense.
"Não é exagero dizer que o Ceará pode virar uma Arábia Saudita deste combustível do futuro."
O primeiro deles formalizando a intenção política de montar uma cadeia produtiva em torno do hidrogênio verde no Estado. O segundo será para efetiva criação do grupo de trabalho interinstitucional que vai coordenar as ações de estruturação do projeto. Mas também está prevista a assinatura de protocolos de intenções com potenciais investidores, dentre estes, uma empresa australiana; além de parceria com outros centros de pesquisa sobre o assunto.
Para Maia, considerando hoje o potencial desse mercado global, principalmente, em países europeus que vêm investindo muito no desenvolvimento de tecnologias à base de hidrogênio verde, se o hub cearense decolar, é possível que o Estado vivencie um boom de desenvolvimento superior ao experimentado, na década de 1950, pelos estados do Rio de Janeiro e Bahia, com a economia dos combustíveis fósseis.
“Não é exagero dizer que o Ceará pode virar uma Arábia Saudita (um dos principais produtores mundiais de petróleo) deste combustível do futuro. Seria como ganhar na loteria, porque o Ceará e o Brasil passariam a ter uma relevância significativa na mesa de negociação com outros países.”
"Em 40 anos que estudo a economia do Ceará, essa é, sem dúvida, nossa maior oportunidade de criar uma riqueza diferenciada."
O secretário também enfatiza que não se trata apenas de geração de emprego e renda, mas também uma oportunidade de desenvolver outros elos da cadeia produtiva, com atração de novos setores produtivos, avanço em inovação, tecnologia e na formação de capital humano. “Em 40 anos que estudo a economia do Ceará, essa é, sem dúvida, nossa maior oportunidade de criar uma riqueza diferenciada capaz de proporcionar as ferramentas necessárias para superar a desigualdade do Estado.”
São muitas as razões para acreditar na viabilidade do negócio, avalia a diretora comercial do Complexo do Pecém, Duna Uribe. A principal delas é que há um esforço mundial para reduzir a emissão de gases poluentes na atmosfera. O acordo de Paris, subscrito por mais de 196 países, incluindo o Brasil, prevê a descarbonização completa até 2050.
Sobre os compromissos do Brasil no acordo
O Brasil, por exemplo, comprometeu-se a reduzir até 2025 suas emissões de gases de efeito estufa em até 37% (comparados aos níveis emitidos em 2005), estendendo essa meta para 43% até 2030. As principais metas do governo brasileiro são:
1. Aumentar o uso de fontes alternativas de energia;
2. Aumentar a participação de bioenergias sustentáveis na matriz energética brasileira para 18% até 2030;
3. Utilizar tecnologias limpas nas indústrias;
4. Melhorar a infraestrutura dos transportes;
5. Diminuir o desmatamento;
6. Restaurar e reflorestar até 12 milhões de hectares.
O grande problema é que, diferente do Brasil, que já possui cerca de 45% da sua matriz energética baseada em fontes de energia renováveis, a média no mundo aponta para uma dependência de combustíveis fósseis superior a 85%. E muitos países terão maior dificuldade de fazer a transição energética porque possuem capacidade limitada para produção de energia de fontes renováveis.
É o caso, por exemplo, dos países europeus que, provavelmente, se tornarão grandes importadores do produto. Lá, a estimativa é de que o mercado cresça cerca de 60 milhões de quilotons de hidrogênio por ano até 2050.
“Esta meta ambiciosa de transição energética, combinado com o potencial que temos aqui no Ceará de grandes fontes de energias renováveis tanto solar, como eólica, onshore (na terra) e offshore (no mar), infraestrutura de porto e posição privilegiada fazem com que as condições de competitividade para produção de hidrogênio verde no Estado sejam muito altas.”
Duna Uribe explica que, dentro do complexo industrial do Pecém, já foi identificado na poligonal da Zona de Processamento de Exportação (ZPE) uma área, entre 100 e 200 hectares, que poderia abrigar o empreendimento. Mas só o estudo vai poder indicar com precisão o tamanho, a capacidade de produção da planta e a real viabilidade do negócio. A expectativa é que o termo de referência seja lançado ainda no primeiro trimestre de 2021 e a conclusão do estudo seja conhecida ainda neste ano.
Também reforça que o Complexo do Pecém, como autoridade portuária, não teria participação no negócio, mas seria um elo facilitador importante tanto para oferecer soluções industriais e logísticas, como para conectar potenciais investidores interessados em produzir ou comprar o produto .
O porto de Roterdã, na Holanda, que já é considerado um importante hub de energia para o noroeste da Europa, está interessado que o porto cearense também se especialize neste tipo de carga. Estudos apontam que, até 2050, serão transportados, via Roterdã, 20 milhões de toneladas de hidrogênio verde. Deste montante, apenas 10% teriam condições de ser produzidos localmente. Ou seja, 90% precisará ser importado.
"“Tendo em vista a posição central do Pecém para transporte e comércio, e sendo ele um porto de energia/armazenamento do outro lado do oceano, existe uma boa perspectiva de trabalharmos juntos."
O diretor do Porto de Roterdã Internacional, René van der Plas, explica que o porto holandês já vem preparando sua infraestrutura para garantir que possa receber e distribuir os grandes volumes de hidrogênio que deverão ser embarcados de 2023-2025 em diante.
“Tendo em vista a posição central do Pecém para transporte e comércio, e sendo ele um porto de energia/armazenamento do outro lado do oceano, existe uma boa perspectiva de trabalharmos juntos, e a experiência e os esforços conjuntos poderiam realmente impulsionar o desenvolvimento em torno do hidrogênio”, afirma Renan van der Plas.
O que pode gerar também muitas oportunidades como o desenvolvimento de um cluster industrial de hidrogênio no Pecém, com vários parceiros comerciais. “A descarbonização de combustíveis para navios e as exportações de hidrogênio para outras partes do mundo, bem como Roterdã, tudo está na mesa agora”, assevera o diretor do Porto de Roterdã.
Como o principal insumo para produção de hidrogênio verde, no processo de eletrólise, são as fontes de energias renováveis e que são usadas em grande quantidade, é esperado que a partir de um projeto desses no Ceará a quantidade de parques eólicos e solares disparem, afirma o presidente da Câmara Setorial de Energias Renováveis do Ceará e consultor da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Jurandir Picanço.
“Para efeito de comparação, a Arábia Saudita está construindo uma usina de hidrogênio verde, uma das maiores do mundo, que deve entrar em operação em 2024, que vai demandar 4 GW de energia. É quase o dobro da capacidade de todos os parques eólicos em operação hoje no Ceará. Ou seja, será um salto gigantesco na cadeia”, afirmou.
Atualmente, no Ceará, existem 87 parques eólicos em funcionamento com potência instalada de 2,2 GW e oito projetos solares com potência de 218 MW, segundo balanço da plataforma EpowerBay. E deve agregar ao seu portfólio, em um horizonte de três anos, mais 465 MW de eólicas e 2,1 mil MW de solar de parques que ainda estão em construção. Mas toda essa energia já foi contratada. “Para atender a demanda de hidrogênio teríamos que ter projetos novos e condições para isso nós temos. Inclusive, pode dar a demanda necessária para viabilizar os projetos de energia eólica offshore”.
No Ceará, dentro dessa modalidade, o que existe hoje são projetos em desenvolvimento que somam 5,2 GW. O potencial identificado pelo Atlas Eólico e Solar cearense, no entanto, é muito maior e pode chegar a 94 GW em parques eólicos onshore (na terra), 117 GW de parques eólicos offshore e 643 GW para projetos fotovoltaicos.
Ele também reforça que a queda no preço deste tipo de energia ocorrida nos últimos anos é uma razão a mais para colocar o Brasil como um agente competitivo para esse novo mercado de hidrogênio que está se abrindo.
“Quando esse processo começou, em 2015, com o acordo de Paris, a ideia era de se transformar a matriz a qualquer custo. Mas hoje a energia de fontes renováveis como eólica e solar já são a de menor custo. Então deixou de ser apenas uma questão de meio ambiente para ser também de economia. E isso só foi possível porque houve incentivo, investimento em pesquisa e desenvolvimento. Com o hidrogênio verde acredito que será a mesma coisa.”
O Ceará poderá se tornar um dos grandes produtores e impulsionadores de hidrogênio verde no mundo.