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Por que as capivaras estão de volta ao território cearense?
Reportagem Seriada

Por que as capivaras estão de volta ao território cearense?

MEIO AMBIENTE | Extintas do território cearense há pelo menos 48 anos, as capivaras estão reaparecendo ao longo da Bacia do rio Cocó e até na Bacia do rio Maranguapinho. O que está por trás do ressurgimento da espécie no Ceará?
Episódio 2

Por que as capivaras estão de volta ao território cearense?

MEIO AMBIENTE | Extintas do território cearense há pelo menos 48 anos, as capivaras estão reaparecendo ao longo da Bacia do rio Cocó e até na Bacia do rio Maranguapinho. O que está por trás do ressurgimento da espécie no Ceará?
Episódio 2
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Na beira da Lagoa da Precabura, pelo lado do município do Eusébio, o rastro grande de fezes de capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) indiciam que por ali, possivelmente, há um rebanho considerável. Os vestígios estão em várias trilhas, tanto na parte seca como na alagada pelas chuvas abundantes de maio.

Perto da Ilha do Amor, nome de um bar erguido há pelo menos 20 anos na área de amortecimento da lagoa, e por isso com água quase no joelho, José Osmildo da Cruz, 64, confirma que um bando de capivaras é frequente naquela zona. “São muitas, tai o sinal delas. Vivem por aqui, muitas. É fácil ver”, responde.

O maior roedor do Brasil, apontado e 1973 como praticamente extinto dos ecossistemas cearenses pelo cientista e professor da UFC, Melquiades Pinto Paiva, voltou a ser avistado e chamar atenção de pesquisadores e observadores da fauna local. Curiosamente, a maior parte dos registros de vídeos mostra o animal na Região Metropolitana de Fortaleza, pelas ruas de Fortaleza ou em rios onde o animal não era parte da fauna cotidiana.

José Osmildo da Cruz, 64. Morador das margens da Lagoa da Precabura, dono do bar Ilha do Amor, no Eusébio-Ceará. 10/5/2021. Foto: Demitri Túlio(Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio José Osmildo da Cruz, 64. Morador das margens da Lagoa da Precabura, dono do bar Ilha do Amor, no Eusébio-Ceará. 10/5/2021. Foto: Demitri Túlio

O mamífero, um herbívoro que mede cerca de 1,3 m de comprimento e 60 cm de altura, teria encontrado condições para se refazer nos biomas degradados da capital cearense e em municípios como Aquiraz, Eusébio, Guaiuba e Redenção? Dificilmente.

A ressurgência da espécie, provavelmente, não estaria associada à “natividade” como causa. Quase 50 anos depois de ser apontada como extinta no Ceará por Melquiades Paiva, a hipótese seria a associação de quatro fatores: reintrodução do animal por cativeiros clandestinos, fugas, solturas sem critérios e a falta de predadores naturais.

O biólogo Hugo Fernandes, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e coordenador Científico da Lista da Fauna Ameaçada do Estado/ Sema, aponta que só uma investigação de genética populacional poderia responder sobre o reaparecimento das capivaras por aqui.

“Não tem nenhuma investigação e ela volta a aparecer no começo da década de 2000, mais ou menos, no Aquiraz. Essa população é fruto de uma soltura de uma fazenda ou chácara que existe por ali. É uma informação que o próprio Ibama confirmava, é uma história bem conhecida entre os mastozoólogos e entusiastas da fauna no Ceará”, afirma empiricamente.

Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) na Lagoa da Precabura, em Fortaleza, ao lado da avenida Maestro Lisboa. 10/5/2021. Fortaleza-Ceará. Foto: Demitri Túlio(Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) na Lagoa da Precabura, em Fortaleza, ao lado da avenida Maestro Lisboa. 10/5/2021. Fortaleza-Ceará. Foto: Demitri Túlio

A genética populacional, descreve Hugo Fernandes, seria feita com a coleta de amostras de sangue das capivaras da Bacia onde está o município de Aquiraz – a leste da Região Metropolitana -, com espécies que existiriam na Bacia do rio Ceará – na zona oeste de Fortaleza. “E entender se são correlacionadas”, diz.

O biólogo sugere, caso haja diferença genética, “fazer comparações com as populações de capivaras que existem (em estados) mais perto do Ceará. Por exemplo, as populações da mata atlântica nordestina entre Maranhão e Piauí. Ai, talvez a gente consiga uma resposta sobre essa natividade ou não”.

No último dia 10 de maio, O POVO flagrou uma família de capivaras – dois adultos e quatro filhotes - se alimentando no capinzal alagado da Lagoa da Precabura, às margens da avenida Maestro Lisboa, no limite entre Eusébio e Fortaleza. No mesmo dia, fotografamos outra, agora solitária, na área da Lagoa que se esquadrinha no mapa da capital cearense.

Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) na Lagoa da Precabura, em Fortaleza, ao lado da avenida Maestro Lisboa. 10/5/2021. Fortaleza-Ceará. Foto: Demitri Túlio(Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) na Lagoa da Precabura, em Fortaleza, ao lado da avenida Maestro Lisboa. 10/5/2021. Fortaleza-Ceará. Foto: Demitri Túlio

De acordo com um levantamento feito pelo O POVO, de 2017 para cá, há pelo menos sete avistamentos do roedor na Região Metropolitana de Fortaleza. No primeiro, moradores do Quintino Cunha perseguiram e mataram a pauladas uma capivara que vagava pelas ruas. O roedor teria saído de um riacho, que tem o mesmo nome do bairro da zona leste. O manancial está inserido na Bacia do Rio Maranguapinho.

Do ano passado para cá, indivíduos solitários e uma família foram vistos e alguns resgatados pelo Corpo de Bombeiros ou pelo Batalhão de Policiamento Ambiental ao longo da Bacia do rio Cocó. Em seis ocasiões: nos bairros Dias Macedo, Cocó, São João do Tauape, Praia do Futuro, Caça e Pesca e Lagoa Redonda.

 

Biólogo alerta para manejo e risco à saúde pública

Sem predadores naturais, a exemplo de grandes felinos e grandes répteis, as capivaras “introduzidas” teriam encontrado um ambiente favorável para reprodução e alimentação de novos indivíduos na Região Metropolitana de Fortaleza, notadamente na Bacia do Cocó.

O suposto crescimento de uma população que se tornou visível, até na capital cearense, precisa ser mapeado e monitorado pelos centros de zoonoses dos municípios metropolitanos. A caça ilegal, e indiscriminada, poderá trazer riscos à saúde pública.

De acordo com o biólogo Hugo Fernandes, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e coordenador Científico da Lista da Fauna Ameaçada do Estado/ Sema, é necessária pesquisa científica e manejo dessa população urbana que está se formando no Ceará. Ouça a conversa. (Demitri Túlio).


 

Ibama registra dez ocorrências da espécie 

Dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no Ceará, mostram que dez capivaras passaram pelo Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), em Fortaleza, de 2008 a 2021.

De acordo com Alberto Klefasz, analista ambiental do Ibama, o órgão não tem informação sobre a origem dos animais avistados ou capturados na Região Metropolitana e municípios mais distantes, a exemplo de Amontada (litoral Oeste), Beberibe (litoral Leste) e Meruoca (região Norte).

Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) na Lagoa da Precabura, em Fortaleza, ao lado da avenida Maestro Lisboa. 10/5/2021. Fortaleza-Ceará. Foto: Demitri Túlio(Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) na Lagoa da Precabura, em Fortaleza, ao lado da avenida Maestro Lisboa. 10/5/2021. Fortaleza-Ceará. Foto: Demitri Túlio

Alberto Klefasz supõe que o reaparecimento da espécie “pode estar relacionado com a expansão de populações de animais existentes em outros estados próximos”, onde ainda existe ocorrência natural de capivaras.

A outra possibilidade, segundo o técnico, seria resultado da “fuga de indivíduos de plantéis existentes em estabelecimentos de fauna (criadouros comerciais e mantenedouros) autorizados para a criação da espécie, localizados no Ceará”.

Newton Gurgel Filho, biólogo e perito criminal do Instituto Técnico-Científico de Perícia do Rio Grande do Norte, reforça que a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará publicou, este ano, a lista da fauna existente no Estado. Na relação consta a capivara, mas com a ressalva de que são oriundas de “reintroduções”.

Capivaras na Lagoa da Precabura, na área do município do Eusébio, na Avenida Maestro Lisboa. Eusébio-Ceará. 10/5/2021. Foto Demitri Túlio(Foto: DEMITRI TÚLIO)
Foto: DEMITRI TÚLIO Capivaras na Lagoa da Precabura, na área do município do Eusébio, na Avenida Maestro Lisboa. Eusébio-Ceará. 10/5/2021. Foto Demitri Túlio

Das ocorrências registradas pelo Ibama, duas foram em Fortaleza. Um resgate em 9 de março de 2010, na Praia do Futuro, e uma entrega espontânea vinda da Praia de Iracema no dia 30 de dezembro, também de 2010.

Em todas as dez ocorrências, o Ibama destinou os animais apreendidos ou resgatados para o criadouro comercial da Fazenda Ateiras (que não funciona mais), localizada em Aquiraz. Município de onde, supostamente, teria partido a reintrodução do animal na fauna cearense. E hoje não se sabe o destino desses animais. (Demitri Túlio)

 

 

 


Citação sobre espécie no Ceará vem de 1817

Um dos relatos mais antigos sobre a existência natural de capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) no Ceará está nos escritos do padre português Manuel Aires de Casal, da Companhia de Jesus. Em 1817, no livro “Corografia Brazilica”, ele relata aspectos históricos e geográficos das províncias do Brasil.

No capítulo dedicado ao Ceará, na seção zoologia, ele cita a presença de “furões, coandús, preguiças, onças, veados, coelhos, guaxinins, quatis, pacas, porcos faz mato, capivaras, lontras e guabirus”.

Cento e cinquenta seis anos depois, em 1973, o agrônomo Melquiades Pinto Paiva, professor e pesquisador da Universidade Federal do Ceará (UFC), hoje com 91 anos, apontou que a Hydrochoerus hydrochaeris estava classificada como “praticamente extinta” do território cearense.

Quandu ou coandú, popularmente conhecido como porco-espinho ou ouriço, espécie de mamífero existente em ecossistemas do Ceará(Foto: DEMITRI TULIO)
Foto: DEMITRI TULIO Quandu ou coandú, popularmente conhecido como porco-espinho ou ouriço, espécie de mamífero existente em ecossistemas do Ceará

De acordo com o biólogo Thieres Pinto, no trabalho científico “Mamíferos do Ceará: prioridades para pesquisa e conservação”, Melquiades Paiva é o primeiro cientista a traçar, na década de 70, uma análise da distribuição das espécies de mamíferos existente no Estado e a necessidade de conservação.

Na lista, Melquiades Paiva aponta a existência de 42 mamíferos. Desses, 31 estavam em situação preocupante ou crítica para continuar existindo nos ecossistemas devastados do Ceará. (Demitri Túlio)

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