O Brasil marca presença no texto que se consagrou como aquele que deu origem ao gênero ensaio. Publicada a primeira vez em 1580, a obra “131 Ensaios”, do filósofo francês Michel de Montaigne, foi dividida em três tomos. O último foi lançado em 1595. O Brasil, espécie de novidade exótica no sul da América, figurava na coletânea de Montaigne com o ensaio “Sobre os canabais”. Em pleno século XVI, a fama de canibal dos povos originários brasileiros já estava presente na Europa em tinta e em palavras levadas pelos viajantes europeus.
O escritor Paulo Roberto Pires afirma, porém, no prefácio do livro “Doze ensaios sobre o ensaio” que apenas quase quatro séculos depois, o gênero, definitivamente, aporta no País. No início, o ensaio encontrou na imprensa seu espaço mas, com o tempo, mudou de ambiente. Antonio Candido e Roberto Schwarz o levou para a universidade, e mesmo sem comprometer a liberdade da composição narrativa, parece ter criado alguns obstáculos para o amplo acesso ao gênero.
Mas, o que é um ensaio? A pergunta não é fácil de responder. De acordo com Alexandre Eulalio, autor de um ensaio sobre as origens do gênero no Brasil, o ensaísta argentino Edmundo Clemente teria dito em tom de prosa bem humorada: “Definir um ensaio é um trabalho superior à ambição de escrevê-lo”. De pronto, é possível dizer que é o lugar onde o texto teria a maior liberdade possível. Não precisa estar atrelado a uma pesquisa seja ela de qualquer tom. O texto navega de acordo com os remos de cada autor, suas percepções reflexivas, suas experiências com o assunto e, principalmente, com o manejo da linguagem. Aliás, a ensaísta Christy Wampole propõe ser o ensaio um tipo de DJ que sampleia e tira o novo do “já visto e ouvido”.
A escritora e jornalista espanhola investiga sua experiência pessoal e inúmeros livros sobre psicologia, neurociência, literatura e memórias de grandes escritores, pensadores e artistas para oferecer o estudo que faz a interseção entre a a criatividade e instabilidade mental.
Novo livro ensaístico do filósofo Vladimir Safatle dialoga com a política, ética, psicanálise, estética, filosofia, crítica cultural. Safatle talvez seja um dos expoentes da filosofia brasileira que mais trafegam por múltiplas áreas. Com experência em escrever para vários jornais, aborda os temas com profundidade, mas sem academicismos exagerados.
Anne Carson, poeta e tradutora é considerada uma escritora que borra os limites que separam a criação, a crítica e a pesquisa. Nesta coletânea de ensaios, Carson aproxima escritores improváveis seja pelo tempo ou pela forma. No entanto, os ensaios trazem vizinhanças entre "o tempo em Virginia Woolf e Tucídides, o sono em Homero e Elizabeth Bishop, o documental em Longino e Antonioni, o intraduzível em Francis Bacon e Joana D’Arc".
Considerada a obra-prima de Tove Ditlevsen (1917-1976), a "Trilogia de Copenhagen" acaba de chegar ao Brasil, revelando a literatura da escritora dinamarquesa. O trabalho de Tove influenciou escritas contemporâneas Annie Ernaux e Elena Ferrante ao construir uma narrativa pautada na "honestidade brutal" e na amizade entre mulheres.
No texto “Retrato do ensaio como texto de mulher”, a ensaísta Cynthia Ozick faz uma distinção entre o artigo e o ensaio. Para ela, “artigo é fofoca”, enquanto “ensaio é reflexão”. E segue: “O artigo é o calor do momento. O calor do ensaio é interior. O artigo é datado. O ensaio desafia sua data de nascimento”. Para a escritora, o ensaio pode ser “associado ao ócio, até ao luxo” e complementa: “Os limites do ensaio podem se encontrar na sua própria natureza reflexiva”.
Em 2023, com segurança, foi o ano em que li a maior quantidade de ensaios e encontrei mixes de textos escritos por escritores acadêmicos, filósofos e escritores de ficção. Encontrei no ensaio uma pausa para a ficção pura. Li ensaios literários, filosóficos e biográficos. Aliás, quanto ao ensaio biográfico, foi uma excelente surpresa descobrir que, apesar de ser composto a partir da vida de um personagem, os eventos contraditórios e humanos fazem parte da trajetória e construção de uma obra pessoal, sem que o texto apenas mergulhe no lado sórdido das pessoas. Ou caia na tentação de “fabricar” criaturas sem um único senão.
Este Leituras é, portanto, um convite à leitura de ensaios. A lista que apresentarei em seguida são de textos ensaísticos que pretendo ler ao longo do ano. A começar pela escritora dinamarquesa, Tove Ditlevsen, inédita no Brasil, mas que surge com o “Trilogia de Copenhagen: Infância, Juventude e Dependência”. Uma das publicações que me causou mais curiosidade foi o “Sumário de plantas oficiosas”, do crítico colombiano Efrén Giraldo. A partir do cultivo das plantas, Giraldo promete falar sobre sociedade e cultura. Outro da lista que terei um imenso prazer em ler, por certo será “Walter Benjamin e a guerra de imagens”, do filósofo Márcio Seligmann-Silva, um dos principais estudiosos de Benjamin no País.
Livro de ensaios de Efrén Giraldo, escritor e crítico colombiano, vencedor do prêmio de não ficção Latinoamerica Independiente de 2022, chega ao Brasil em 2024 e em mais nove países. A proposta de Giraldo contempla suas memórias pessoais ao conhecimento da flora para compor o ensaio que trata do papel das plantas na nossa vida. Erudito, junta clássicos com Harry Potter e o conceito de necropolítica à questão dos agrotóxicos.
O filósofo Márcio Seligmann-Silva, professor titular da Unicamp, é um dos principais pesquisadores da obra de Walter Benjanmin no Brasil. Neste ensaio, ele "revisita a teoria benjaminiana das imagens (fotografia e cinema) para refletir sobre a necropolítica contemporânea e a anulação do outro". Seligman já publicou também "Ler o Livro do Mundo. Walter Benjamin: romantismo e crítica poética" sobre o filósofo alemão, morto durante a segunda guerra mundial.
Siviano Santiago já ganhou o prêmio Camões e cinco prêmios Jabutis por sua obra seja de ficção ou ensaística. Romancista, crítico, ensaísta, o professor emérito da UFF, reúne neste novo livro ensaios que discutem a cultura brasileira em face ao cânone ocidental. Santiago, que já discutiu o papel da cultura brasileira na américa latina, retorna às questões que envolvem o "fazer artístico na era contemporânea".
Publicado durante a pandemia do coronavírus quando o assombro da mortandade assolava parte do mundo, Peter Pál Pelbart reflete sobre as mudanças políticas que trouxeram de volta a experiência do neo-fascismo para vários países, que ele chama de tsunami político.
Leituras reunirão reportagens, entrevistas e resenhas sobre o universo dos livros, autores e mercado editorial