Conquistar um bom emprego, saber como as coisas são feitas e conectam as pessoas, ser aceito do jeito que é e poder ajudar a renda familiar são algumas das inquietações da população entre 14 a 29 anos, os jovens do século XXI. Para isso, muitas iniciativas em Fortaleza estão sendo criadas para poderem inserir essa população no mercado de trabalho, gerar empregabilidade e renda.
A Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza, Citinova, tem exercido esse papel na esfera pública é entre os impactos socioambientais gerados para minimizar as desigualdades em Fortaleza até o momento, estão as políticas públicas vivenciadas no Programa Juventude Digital (JD), que proporciona formação em tecnologias da informação e comunicação (TICs) e inclusão de jovens no mercado de trabalho.
Em parceria com o JD existe o Centro de Recondicionamento Tecnológico (CRT), que funciona como um local de descarte de resíduos eletrônicos e de realização de cursos gratuitos para jovens. O espaço já recebeu mais de 5 toneladas de doação de resíduos eletrônicos.
Ana Paula Vieira, diretora da Citinova, conta que a primeira doação de equipamentos recondicionados durante os cursos de Manutenção de Computadores do Juventude Digital foi em setembro deste ano. Foram doados 15 computadores para associações e rede de catadores que realizam a coleta seletiva na cidade.
Ela comenta, ainda de outra iniciativa, que em até 10 anos quer ter 50% da população jovem de Fortaleza com nível intermediário em outro idioma, o Programa Fortaleza Bilíngue.
Lançado pela Prefeitura de Fortaleza em julho deste ano ele conta com 16 ações divididas em três eixos para alunos e professores da rede pública de ensino, profissionais do setor produtivo e à população em geral.
"O objetivo do programa é promover o desenvolvimento socioeconômico da cidade, impactando na geração de novos negócios e fortalecendo o turismo", diz a gestora que complementa falando de outra iniciativa de 2023, a aprovação da Política de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico do Município de Fortaleza – Programa InovaFor.
"A Política de Inovação de Fortaleza pretende ser o Marco Legal Municipal das Startups para propiciar a contratação de startups pela Administração Pública Municipal. Que também proporciona a implementação do ambiente de experimentação sandbox para validar tecnologias que melhorem a qualidade de vida da população de Fortaleza", diz.
Um exemplo disso foi a implementação, em caráter experimental, dos equipamentos “xiringadores” em algumas ciclovias da cidade para refrescar os frequentadores, a iniciativa faz parte do Projeto Pedala Mais.
Marisa Leitão, coordenadora do Laboratório de Inovação de Fortaleza (Labifor/Citinova), reforça que o Labifol trabalha para desenvolver políticas públicas inovadoras para a cidade. "E a desigualdade social é uma questão comum a várias dessas temáticas da cidade. Então, é um assunto amplamente inserido e tratado nos projetos", afirma.
A empatia com os atores envolvidos em cada demanda é essencial para que os resultados de fato alcancem os objetivos sociais. Maria conta que as soluções que desenvolvem devem atender, principalmente, a realidade desses atores.
Outro ponto alto para impactar realmente e resolver os problemas da cidade está, segundo a coordenadora, na metodologia utilizada internamente que leva para as outras secretarias essas inovações. "Assim, conseguimos aumentar o impacto dos projetos que elas já desenvolvem", celebra.
Para o próximo ano já estão em processo inicial de projetos nas temáticas de mobilidade, saúde e segurança antecipa Marisa.
Com apenas 20 anos, Manu Luz, moradora do bairro Demócrito Rocha, conseguiu seu segundo estágio na área que queria. A estudante de Engenharia de Telecomunicações no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) foi bolsista no programa Juventude Digital da prefeitura e participou da rodada com as empresas promovidas pelo projeto e foi chamada para trabalhar na Innovaro Sistemas, na Aldeota.
A empresa participou do Festival Juventude Digital e estava buscando profissionais com expertise em tecnologia para ocupar vagas na empresa.
"Foi a partir do primeiro momento de conversa lá que eu consegui meu estágio. Lá várias empresas fizeram um rodízio para conversar um pouco com os alunos trocamos ideias sobre tecnologia com pessoas do RH e gente que trabalha com desenvolvimento", recorda-se.
Ela foi contratada dois meses depois do encontro, em outubro de 2022. Hoje, ela trabalha com programação JavaScript e desenvolvimento de sistemas RP e conseguiu finalmente se inserir em programação, área a qual diz ser difícil acesso.
Com a melhora da renda ela consegue ajudar os pais e a irmã mais nova, apenas seu pai tem trabalho externo remunerado e a mãe faz os trabalhos de casa. Ela é primeira da sua família a entrar na faculdade, seus pais só possuem o Ensino Fundamental.
Para ela, a tecnologia está inserida no dia a dia de todos e desperta sua curiosidade para saber como tudo funciona.
"Minha empresa fornece o vale da alimentação e eu já dou para os meus pais para ajudar na feira do mês. O trabalho é muito mais que a prática, tem o retorno financeiro que ajuda muito na nossa realidade. Acho que o conhecimento tem que ser repassado e eu gosto muito de ensinar em outras áreas", revela.
Moradora do Quintino Cunha é ex-bolsista do Juventude Digital, Ingrid Lara, 18, trabalha atualmente como monitora no espaço municipal e mostra como as mulheres estão ocupando cada vez mais espaço no mercado de trabalho relacionado à tecnologia.
"Fui bolsista e agora eu estou podendo ajudar eles a ter essa experiência que mudou e fez grande diferença na minha carreira, desde que comecei a fazer os cursos no Juventude Digital. Participei de eventos, hackathon e desafios", relembra.
O tempo do bolsista depende de cada edital que os jovens participam. Há cinco meses como monitora da casa, Ingrid avalia que as coisas em sua vida mudaram bastante.
"Mudou muito porque sei que estou fazendo o bem para o próximo e ajudando os meninos a conseguirem o que eles querem na carreira, fazer novos networking e sair da bolha que vivem. Isso é muito gratificante", emociona-se. Em relação aos negócios de impacto ela acredita que a tecnologia muda a realidade da cidade.
Ianna Brandão, coordenadora do programa Juventude Digital, conta que o Juventude Digital possui três eixos. Um deles é com o Ensino Fundamental, realizado em parceria com a Secretaria Municipal da Educação, com aulas de iniciação em lógica de programação e pensamento computacional para alunos do 9º ano e alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O segundo foca em fortalecer do mercado de jogos digitais, em alta nos últimos anos, e que estimula o empreendedorismo em Fortaleza, pois permitem que muitos dos jovens criem seus próprios games e comercializem.
E o último é o que Manu Luz e Ingrid aproveitaram as oportunidades de empregabilidade no mercado da tecnologia. O projeto já capacitou 26 mil alunos, impactou 22 mil pessoas em ações e eventos e alcançou
48 mil pessoas. Ao todo foram 211 cursos e oficinas realizados e 107 eventos.
Do total de alunos, 75,6% são ou foram estudantes de escolas públicas. Cerca de 44,7%, ou seja quase a metade, está procurando emprego e 24,1% já trabalham. E 90% vivem em bairros de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo ou muito baixo. Mais da metade, 54% possui renda familiar de até um salário mínimo.
Já 37% se identificam com o gênero feminino e 63% com o gênero masculino. A maioria tem uma média de 23 anos.
"Desde o começo do programa a gente identificou que a participação das mulheres no mercado de tecnologia é bem discrepante em relação à participação masculina. Pesquisas mostram que são mais ou menos 27% das vagas de TI ocupadas por mulheres. Por isso, a gente vem acompanhando esse número dentro do programa e pensando em estratégias para que isso possa ser modificado a partir do Juventude Digital", diz Ianna.
Para isso, ela comenta que existem atividades prioritárias para mulheres, capacitações e rodas de conversa. "Também temos hoje um grupo de estudos de gênero feito por alunas para pensar em como ampliar a participação feminina no programa e no mercado de tecnologia".
Um exemplo de incentivar a diversidade foi o Dragões Alados, curso feito em parceria com a empresa Lanlink, prioritário para mulheres e pessoas com deficiência. Ao final do curso, haverá um processo de seleção para os participantes na empresa. "
"Temos executado ações efetivas para reduzir a desigualdade de gênero e colaborar para a inserção de mais mulheres no mercado da tecnologia", destaca a coordenadora do Juventude Digital.
Além dos jovens construírem todos os cursos juntos, os equipamentos empregam ex-alunos e ex-bolsistas. "Temos a visão de criar oportunidades que começa aqui dentro da própria prefeitura", informa Ianna. Para ela, o programa tem um impacto de curto, médio e de longo prazo.
De curto, ela cita, a questão de acesso à informação, as possibilidades de carreira que a tecnologia tem, e a questão dos alunos entenderem que são capazes de alcançar o que quiserem. A médio tem realmente um impacto da renda, pois eles vão estudando, vão participando dos programas e vão entrando no mercado de trabalho.
"Vemos realmente um impacto que renda pessoal e na renda familiar, inclusive. No longo prazo, que é realmente uma expectativa que a gente tem é de redução do desemprego entre a juventude, inclusive de ampliar as oportunidades que o mercado de tecnologia pode gerar", aponta.
Um próximo passo do projeto, relacionado a negócios de impacto é a questão do empreendedorismo e de geração de negócios para alunos que querem ter projetos próprios. Já foi feito um piloto para quem queria empreender com jogos relacionados a agenda Fortaleza 2040 para resolver problemas da cidade.
"O próximo passo será além da capacitação darmos suporte de incubação para que realmente esses projetos se desenvolvam", antecipa Ianna.
Tato Barbosa, 19, já fez alguns cursos no Juventude Digital e atualmente é bolsista da casa na área de comunicação. Foi por conta de um colega do curso de manutenção que Tato soube do espaço. A paixão pela tecnologia vem desde cedo e ele já técnico em informática.
"Eu já tinha um certo contato com tecnologia, mas era só na parte de programação e manutenção e eu queria migrar para o design. Um colega me recomendou eu comecei vindo para as oficinas, assim, bem devagar, conhecendo de pouco em pouco", detalha.
Já fez dois cursos e atualmente está terminando um de data science e machine learning, em que a gente está vendo um pouquinho sobre inteligência artificial. Ele quer seguir na área de tecnologia e ter uma carreira na área.
"Eu me sinto bem incluído mesmo, como uma pessoa de gênero fluido, como uma pessoa de periferia, moro no José Valter, como uma pessoa que teve acesso a tecnologia. Eu me sinto incluso e sinto que faço parte de um negócio muito importante, sabe?", relata sobre sua experiência na casa.
Ele conta que já gostava de tecnologia, mas não pensava que conseguiria ingressar na tecnologia como uma carreira para a vida. "Foi aqui que eu soube que dava para eu trabalhar com isso", enfatiza.
Outro bolsista que imagina o seu futuro na tecnologia Kaique Mateus, 19, morador do bairro Pirambu. Também, assim como com o Tato, foi através de uns amigos e fez técnico em informática. "Achei interessante e achei o projeto da hora e vim fazer e vi que é bom mesmo. Hoje me sinto em uma vantagem enorme porque já faço faculdade de computação", observa.
Ele entende que pro ser da periferia estar conectado a informação lhe dá algumas vantagens em coisas novas pessoas da área de tecnologia por meio da bolsa que recebeu. "Hoje me sinto um multiplicador e falo para outras pessoa. Até agora não achei ninguém no meu bairro que trabalhe com tecnologia", diz.
Sobre ajudar outras pessoas em negócios de impacto para reverberar na sociedade ele acredita que pode atuar de várias formas. Pois tem conhecimento de projetos que usam a tecnologia em prol do meio ambiente, outro que transforma materiais recicláveis em roupa.
Além da robótica sustentável. Eu participo do CRT que pego computadores doados e transformo em novos para os catadores de lixos.
"Também estamos desenvolvendo um sistema novo, software, para esses catadores do re-ciclo que tem baixo letramento de forma bem acessível. Sinto que as conexões são feitas para uns ajudarem os outros para resolver os problemas sociais", destaca.
Reportagens em dois episódios mostram como investir em projetos que geram negócios de impacto altera a realidade de jovens e adultos em diversos bairros de Fortaleza
