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Negócios de impacto: agenda positiva para gerar emprego, renda e sustentabilidade em Fortaleza
Reportagem Seriada

Negócios de impacto: agenda positiva para gerar emprego, renda e sustentabilidade em Fortaleza

Pautados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), projetos municipais focam na geração de emprego e renda, inclusão social e digital e sustentabilidade
Episódio 1

Negócios de impacto: agenda positiva para gerar emprego, renda e sustentabilidade em Fortaleza

Pautados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), projetos municipais focam na geração de emprego e renda, inclusão social e digital e sustentabilidade
Episódio 1
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Aos 33 anos, Rebeca Ferreira de Souza, que hoje está com 34, encontrou seu primeiro emprego. Há um ano está ao lado de outros catadores de lixo que fazem parte do projeto de negócios de impacto Re-ciclo.

Moradora do bairro Moura Brasil, que faz parte da Zona Especial de Interesse Social Prioritária (Zeis) e pertence à Secretaria da Regional 12, ela conta que por ter parado de estudar na 8ª série teve dificuldades para encontrar um trabalho. Soube do projeto e foi conhecer.

“Vim conhecer, comecei a gostar e fiquei”, diz Rebeca, de forma tímida, mas segura de que essa escolha mudou e muito a sua vida. Antes, morava com os dois filhos, um de nove e outro de dois anos, na casa dos pais. Após o trabalho conseguiu alugar uma casa apenas para ela e os filhos.

Rebeca Ferreira de Sousa, 34, catadora, conseguiu seu primeiro emprego em 2022 no Re-ciclo, iniciativa de inovação aberta entre a Prefeitura de Fortaleza e algumas empresas para reciclagem e a limpeza urbana(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Rebeca Ferreira de Sousa, 34, catadora, conseguiu seu primeiro emprego em 2022 no Re-ciclo, iniciativa de inovação aberta entre a Prefeitura de Fortaleza e algumas empresas para reciclagem e a limpeza urbana

Rebeca relata com orgulho que trabalhar com reciclagem mudou a sua vida. “Transformou muita coisa para mim. Só assim eu conheci o que é reciclagem, os materiais. Só agora soube o que é reciclagem e o que não é”, comenta, dizendo que a população também pode aprender com a reciclagem sobre como cuidar do meio ambiente e do planeta.

“Não jogar lixo no chão, saber reciclar as coisas direitinho, limpas e sem restos de líquidos e comidas”, alerta.

Assim como Rebeca, a Raquel Nascimento, 35, também atua na Re-ciclo, que tem em sua maioria mulheres. Ela integra a Associação de Catadores do Moura Brasil e mora, atualmente, com o esposo, que já foi catador e com dois filhos.

Filha de catadora, Raquel Nascimento, 35, está há oito anos seguindo os passos da mãe. Hoje, sua renda complementa a do esposo que já foi catador, mas está em outra atividade(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Filha de catadora, Raquel Nascimento, 35, está há oito anos seguindo os passos da mãe. Hoje, sua renda complementa a do esposo que já foi catador, mas está em outra atividade

Raquel segue os passos da mãe, que já foi catadora, mas está afastada das ruas por uma problema de saúde, e há oito anos complementa a renda da casa com essa atividade. Já o Re-ciclo, ela teve conhecimento pelo presidente e pela tesoureira da rede de catadores.

“A Nirlania (Rodrigues) levou o projeto para lá, aí eles passaram para gente. A gente gostou e estamos aqui. A associação existe há mais de 15 anos e tem, hoje, 21 associados. Somos 14 mulheres, inclusive, pessoas mais velhas que não acham trabalho e pessoas que precisam do primeiro emprego”, detalha.

Clique para conhecer os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS)

O trabalho das duas e dos demais catadores é retirar, usando triciclos elétricos, com baixa pegada de carbono, coletas agendadas pela população por meio da Re-ciclo, plataforma gratuita de coleta de recicláveis em Fortaleza.

Esse negócio de impacto é uma iniciativa da Prefeitura de Fortaleza em conjunto com a Solos e o iFood que conectam a população com as associações de catadores. Em geral, Raquel conta que vai mais em condomínios, residências e empresas. Dentre os principais itens coletados estão garrafas pets e papelões.

 

 

Visibilidade é a maior conquista

Após as coletas, cada catador volta à sua base, no ecoponto. Questionada sobre o que mudou em sua vida após a entrada na iniciativa sustentável ela diz que foi a visibilidade.

“Depois do projeto a gente teve muita visibilidade. A gente era um pouco invisível para a sociedade. Ela não conhecia nosso trabalho e hoje em dia (as pessoas) estão conhecendo mais. Quando fala de catador, as pessoas pensam logo catador de lixo, catador de latinha. E não é assim, aqui tem muitas mães de família, pais de família que estão hoje sustentando suas casas por causa do projeto”, conta.

Raquel Nascimento, 35, catadora há 8 anos na associação do bairro Moura Brasil faz parte do projeto Re-ciclo (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Raquel Nascimento, 35, catadora há 8 anos na associação do bairro Moura Brasil faz parte do projeto Re-ciclo

De acordo com dados da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova) e do Laboratório de Inovação de Fortaleza (Labifor/Citinova), o Re-ciclo arrecadou entre setembro de 2022, quando o projeto iniciou, até outubro deste ano, 415 toneladas de resíduos o que gerou cerca de R$ 500 mil em renda para as associações de catadores.

Os catadores recebem não só pelo que é comercializado pelos resíduos, mas também um salário pelo  serviço prestado de coleta em 11 bairros de Fortaleza. No período, foram mais de mil usuários.

Na avaliação da Nirlania Diógenes, gerente de projetos do Labifor, responsável pelo Re-Ciclo, nesse projeto é trabalhado a inclusão social dos catadores como um dos pilares. “Hoje os catadores eles recebem uma remuneração pelo serviço e, em Fortaleza, nós temos 14 associações/grupos de catadores e cadastrados no programa e-catador são 13”, declara.

Além de receberem pelo que arrecadam e segue para reciclagem, os catadores do Re-ciclo ganham pela prestação da coleta agendada que fazem em residências, prédios e empresas(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Além de receberem pelo que arrecadam e segue para reciclagem, os catadores do Re-ciclo ganham pela prestação da coleta agendada que fazem em residências, prédios e empresas

Nirlania conta que o projeto começou depois que a Prefeitura de Fortaleza conquistou o Desafio Global de Mobilidade Urbana 2019, organizado pela Transformative Urban Mobility Initiative (TUMI), instituição vinculada ao Ministério para Cooperação e Desenvolvimento do Governo da Alemanha.

A premiação no valor de R$ 1 milhão foi usada para adquirir triciclos com capacidades diferentes, os equipamentos de proteção individuais (EPIs), kits de reparo, alguns equipamentos e a contratação de consultorias.

Atualmente, o projeto que começou com dois ecopontos, agora, está indo para o quarto. Mais de 30 catadores diretos e indiretos foram beneficiados. “Também abrimos uma frente para coleta seletiva em eventos, nos grandes eventos da Prefeitura, como Réveillon, Carnaval, Aniversário de Fortaleza e outros que solicitam a nossa participação”, informa.

O plano de expansão é que ao final de 2024, sejam 150 triciclos elétricos rodando na cidade, com 20 ecopontos, operando em 95 bairros, com aproximadamente 200 catadores diretos e outros mais indiretos.

Nirlania Diógenes, gerente de projetos do Labifor e do Projeto Re-ciclo, destaca que os triciclos são elétricos são sustentáveis pois têm baixa pegada de carbono(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Nirlania Diógenes, gerente de projetos do Labifor e do Projeto Re-ciclo, destaca que os triciclos são elétricos são sustentáveis pois têm baixa pegada de carbono

“Conseguimos implementar uma coleta seletiva porta a porta com baixo carbono, pois os triciclos são elétricos, focando em mobilidade sustentável, reciclagem e inclusão social de catadores, atendendo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e sendo reconhecida local e internacionalmente por ser um projeto que promove equidade”, finaliza a gestora do Re-ciclo.

O sociólogo e analista de politicas públicas, Eduardo Neto Moreira, considera que um dos principais desafios à chamada economia de impacto é atuação de forma conectada do poder público, envolvendo suas diferentes esferas.

"As prefeituras municipais têm grande força e responsabilidade em incentivar os negócios nos territórios, promover estratégias de fomento aos pequenos negócios que combinem lucro e resultados socioambientais. No entanto, é preciso que as outras esferas, União e estados federados organizem estratégias de incentivo, fomento e apoio aos negócios de impacto", orienta.

É preciso que todos tomem consciência sobre o lixo gerado e as suas formas de descarte para minimizar os danos ambientais do planeta(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal É preciso que todos tomem consciência sobre o lixo gerado e as suas formas de descarte para minimizar os danos ambientais do planeta

Para o especialista, não se trata apenas de incentivar uma modalidade econômica mais humana, mas sim de ter um braço económico da iniciativa privada colaborando com iniciativas mais sustentáveis e na resolução de problemáticas sociais.

"Unir esforços e construir polícias públicas mais integradas é o desafio a ser superado para podermos ter mais negócios de impacto gerando resultados", aponta.

 

 

Mapeamento das iniciativas

No início de novembro, a Coalizão pelo Impacto lançou um estudo inédito, "Mapeamento de iniciativas de iniciativas públicas de fomento a negócios de impacto", que identificou cerca de 40 políticas públicas que existem em âmbito municipal e estadual voltadas aos negócios de impacto em Fortaleza.

Foram analisadas 19 iniciativas de políticas públicas que atuam para fomentar negócios de impacto, direta ou indiretamente. Todas elas estão relacionadas ao Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 8, que trata de trabalho decente e desenvolvimento econômico.

Potes de vidros de embalagens de alimentos em conserva como azeitona e palmito e garrafas de bebidas, azeite e molhos estão entre os itens coletados pelos catadores(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Potes de vidros de embalagens de alimentos em conserva como azeitona e palmito e garrafas de bebidas, azeite e molhos estão entre os itens coletados pelos catadores

Do total, 15 projetos trabalham também com o ODS 11, que trata de cidades e comunidades sustentáveis; e 13 iniciativas destacam o ODS 12 que foca em consumo e produção responsáveis.

A coordenadora local da Coalizão pelo Impacto na capital cearense, Bia Fiuza, analisa os negócios de impacto em Fortaleza.

"Vejo que a prefeitura tem desenvolvido excelentes trabalhos na área de apoio a empreendedores e com foco agora, inclusive, empreendedores de impacto. A prefeitura vem trabalhando junto, principalmente pela Citinova, com o avanço da inovação dentro da gestão pública. E nessa conexão com os empreendedores e soluções inovadoras para os problemas que são da prefeitura. Isso é um grande ativo", ressalta.

Após os triciclos elétricos chegarem no ecoponto após as coletas agendadas, outra equipe de catadores separa por tipo os materiais recicláveis (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Após os triciclos elétricos chegarem no ecoponto após as coletas agendadas, outra equipe de catadores separa por tipo os materiais recicláveis

 

 

Projeto atua com transversalidade pública

 

Destacando a importância do trabalho transversal da Citinova com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), a Secretaria da Juventude e outras pastas como a  Secretaria da Educação, para avançar a presença da inovação e da participação do empreendedorismo junto da gestão pública.

Bia cita, como exemplo, o InovaFor, que tem uma visão muito interessante da prefeitura para inovação e empreendedorismo e também para os negócios de impacto como uma possibilidade de aliado para resolver os problemas sociais. 

A mestre em Economia, Cristiane Mancini, acredita que a preservação, o dever para com o meio ambiente, às questões socioeconômicas e de governança, conhecidas como ESG, pouco a pouco estão sendo mais implementadas em empresas privadas, pois a medida que se mostram mais responsivas, maior credibilidade possuem com os seus consumidores e alcançam maior visibilidade sob o olhar do investidor.

Assim como as empresas, os governos públicos precisam ter práticas para agenda ESG, segundo a economista Cristiane Mancini(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Assim como as empresas, os governos públicos precisam ter práticas para agenda ESG, segundo a economista Cristiane Mancini

"Mas não é diferente quando tratamos de cidades e/ou estados. A medida que se tem indicadores que mensuram a eficácia das políticas municipais e estaduais em seus territórios e possível perceber o quanto essas traduzem as necessidades daquele local e se resolvem problemas recorrentes. Como desemprego, desocupação, alta tributação, preservação do meio ambiente, dentre outros", cita a economista.

Em sua visão, as políticas públicas como os negócios de impacto precisam convergir com a realidade socioeconômica, gerando e estimulando externalidades positivas como a empregabilidade, a capacitação e o cuidado em relação ao meio ambiente inclusive com a reutilização de matérias primas e o reuso.

"Além de gerarem consequências positivas para a economia local, destacam-se aos olhares dos investidores e dessa forma, podem obter classificação de risco em menor grau e receber investimentos externos que também trarão benefícios a esses locais", analisa Cristiane.

 

 

Gestão de projetos sustentáveis

 

Melhorar a vida dos cidadãos de Fortaleza e gerar impactos socioambientais positivos são os objetivos das ações da Fundação Citinova, afirma Ana Paula Vieira, diretora de Inovação da Citinova. Sobre o Re-ciclo, ela destaca a tecnologia implementada para conectar o munícipe aos catadores, gerando impactos ambientais desde a coleta de material reciclado até o conceito de carbono zero ao utilizar um sistema de transporte alternativo.

 Ana Paula Viana Diretora de Inovação da Citinova(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Ana Paula Viana Diretora de Inovação da Citinova

"O projeto Re-ciclo também gerou como impacto social a inclusão social de uma classe marginalizada e vulnerável, no caso, os catadores. Estes passaram a ter condições mais dignas de trabalho com a utilização dos triciclos elétricos, que proporcionou uma capacidade de coleta superior ao dobro do que era possível ser coletado de forma manual. Além disso, eles passaram a utilizar fardamento, EPIs e receber remuneração pelo serviço prestado, além do valor arrecadado pela troca de materiais", ressalta.

A diretora destaca que em todas as ações da Citinova a população é envolvida em todas as fases de implementação do projeto, desde a ideação da solução até a implementação com a solução testada e aprovada pela população.

Também são realizadas pesquisa de campo junto à população para levantar as reais necessidades e problemas enfrentados.

 Sala do Projeto Reciclo na Citinova(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Sala do Projeto Reciclo na Citinova

 

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