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"Sou da época do jornalismo romântico"
Reportagem Seriada

"Sou da época do jornalismo romântico"

Jornalista há mais de 40 anos, Nelson Augusto é testemunha de momentos relevantes da cultura cearense, desde a boemia no Bar do Anísio até o último show de Luiz Gonzaga. A seguir ele compartilha essas memórias

"Sou da época do jornalismo romântico"

Jornalista há mais de 40 anos, Nelson Augusto é testemunha de momentos relevantes da cultura cearense, desde a boemia no Bar do Anísio até o último show de Luiz Gonzaga. A seguir ele compartilha essas memórias
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Nelson Augusto Nogueira Lopes é carioca da Tijuca. Filho de militar, ele veio ainda criança para o Nordeste. Inicialmente, morou em Recife, depois Fortaleza. Daqui não saiu mais e ainda tornou-se um dos mais fiéis consumidores e divulgadores da cultura local. Estudou o científico no Liceu do Ceará, nunca fumou, começou a estudar Contabilidade e Letras, mas encontrou o rumo mesmo quando entrou para o Jornalismo.

Nesta profissão, Nelson testou um pouco de tudo. Passou por muitas redações, atua há mais de 40 anos na Rádio Universitária e, desde 2011, cuida do site e da web rádio Nelsons. “É uma homenagem aos nelsons da MPB: Nelson Ned, Nelson Gonçalves”, explica ele, acrescentando que seu nome veio de um almirante inglês muito admirado pelos seus conterrâneos.

Nelson Augusto, jornalista, crítico musical (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Nelson Augusto, jornalista, crítico musical

Rememorando esse tempo de vida e profissão, Nelson Augusto colocou a memória privilegiada e detalhista para funcionar por mais de duas horas contando suas impressões sobre uma Fortaleza do passado, personagens que conheceu, descobertas, intrigas com estrelas e, claro, Beatles, uma paixão que é para ele quase um sobrenome. Confira.

 

 

O POVO – Quero começar pela sua história. Como nasceu Nelson Augusto?
Nelson Augusto – Nelson Augusto nasceu no 7 de setembro de 1956, na Tijuca, Rio de Janeiro. No Hospital Militar. Meu pai era da Marinha, Salomão Nogueira Lopes, minha mãe Alba Nogueira Lopes. E desde criança, eu sempre ouvia música. Meu pai chamava a “curriola” (turma) da Marinha e se reuniam aos domingos, né? Sempre uma cervejinha, um almoço e a audição era radiola e discos de Dilermando Reis, Nelson Gonçalves. Inclusive, até hoje eu sei todas as letras daquele disco “A Volta do Boêmio” (1967). E eu pequeno ficava lá no meio, né?

O POVO – E você entre os adultos...
Nelson – Eu só não gostava do seu Xavier, que era o barbeiro. Quase toda semana, eu tinha que cortar o cabelo no estilo militar. E aí a gente ficava nesse envolvimento com a música. Nessa época, lá no Rio, eu era criança ainda. Ele (o pai) comprou uma coleção de discos da Imperial, que era um selo da (gravadora) Odeon. Aqueles discos em formato sanduíche, né? Só que essa coleção não era vendida em loja, porque só vendia a coleção completa. era uma espécie de catálogo. Aí tinha um disco de orquestra. E um desses discos tinha as músicas instrumentais dos Beatles. A primeira vez que eu ouvi foi instrumental.

O POVO – Isso você tinha que idade?
Nelson – Eu tinha 6 ou 7 anos.

O POVO – Ou seja, sua vida já foi traçada cedo.
Nelson – Como diria o Augusto Pontes, eu fiz o primário bem feito com relação à música. Porque eu ouvia Dilermando Reis, Nelson Gonçalves, Miltinho e Elza Soares. A formação do meu pai pelo lado da música e minha mãe pelo rádio. Minha mãe ouviu rádio 24 horas. Às vezes quando meu pai estava de plantão, de serviço, não vinha para casa, ela ficava ouvindo o rádio de madrugada, que era uma companhia também. Eu percebia que ela estava dormindo e desligava o rádio. Rapaz, não dava um minuto e ela acordava: “quem foi que desligou o rádio?”.

Nelson Augusto conta mais de 40 anos de Rádio Universitária(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Nelson Augusto conta mais de 40 anos de Rádio Universitária

O POVO – E o que ouviam?
Nelson – Por exemplo, eu ouvia Rádio Globo, Rádio Tupi. Diariamente noticiário. Lembro até de uma vinheta. Eles fizeram uma paródia de uma música do Roberto Carlos: "a Rádio Globo faz 21 anos no ar. Por isso da Rádio Globo é de maioridade" (com a melodia da música "História de um homem mau"). Quer dizer, isso fica na memória afetiva. E meu pai também gostava muito de ler jornal e fazia muitas palavras cruzadas. E eu, às vezes, ficava com ele. Ele tinha alguma dúvida de alguma coisa assim mais moderna e eu procurava com ele. Nessa época que tinha internet, né? Então eu aprendi esse hábito também de ler jornal. A importância da família na formação, né?

O POVO – Voltando aos Beatles, você já ouvia, mas não tinha noção ainda de quem era, não é?
Nelson – Nada, nada disso. E só tinha ouvido instrumental. Mas foi um impacto! E lá no Rio tinha o Brazilian Bitles, que era um grupo que fazia versões e também se vestia ao modo dos Beatles. E eu ficava assim: "como é que pode ter uns Beatles aqui uns Beatles na Inglaterra?". Eu não tinha noção da grafia de ambos, né?

O POVO – E você ficou no Rio de Janeiro até quando?
Nelson – Aí a gente foi morar em Recife. Meu pai, foi reformado e a gente foi morar na casa da minha avó, a família da minha mãe era de Recife. Aí sim meu primo já tinha alguns LPs, alguns compactos dos Beatles. A gente passou um semestre lá, depois eu vim para Fortaleza, 1968. Inclusive o Ferroviário foi campeão invicto nessa época. Eu já torci pelo Santa Cruz lá (em Recife) e são as mesmas cores. Lembro que meu pai foi para o estádio, era a primeira vez que eu fui ao PV (Presidente Vargas). E aí o primeiro tempo foi 3 a 0 Santa Cruz, que estava embalado, né? Aí depois Ceará fez 3 a 1, depois o Santa Cruz fez mais 3. 6 a 1. Eu fiquei sensibilizado e disse "vou torcer Ceará".

O POVO – Nesse período, 1968, você já começou a perceber esse movimento que tinha aqui de música cearense, que era bem embrionário, não é?
Nelson – É porque é o seguinte: o Guilherme Neto era casado com a prima do meu pai. Ele foi cantor da PRE-9, foi lá de Recife, morou muito tempo lá. E através das serenatas, meu pai era muito amigo dele, eu participava das rodas. Então eles cantavam música do Evaldo Gouveia, Luiz Assunção... Tinha esse envolvimento, não de colecionar, mas de ter acesso à música cearense.

O POVO – E o seu repertório crescendo...
Nelson – Uma vez, quando eu voltei nas férias para Recife, já em 1970, 71, o meu primo: "Olha saiu um disco novo dos Beatles". Porque às vezes demoravam seis meses ou um ano para chegar. Foi o disco "Abbey Road". A gente foi, quando chegou na loja, lá estava aquele bolachão, capa sanduíche, estereofônico. A gente voltou apreensivo, doido que não faltasse energia, porque senão o ônibus tinha que parar, né? Saímos correndo e fomos ouvir aquele impacto.

O POVO – Lembra o que mais te chamou atenção?
Nelson – "Come Together" já é uma lapada. Você ouvir aquele baixo, o John cantando é assim... "Something", do George Harrison também. "I want you", rapaz... Aquele disco é completo, de você ouvir de cabo a rabo, direto. É um dos meus preferidos.

Morei no Centro da Cidade, minha primeira casa foi a casa do meu tio Françoise e tia Áurea. Ali na Barão de Aratanha, 228. Aí tinha uns parques de diversões e se ouvia aquelas músicas do parque. Era muito legal, o tempo da total da delicadeza.

O POVO – Como é que era essa Fortaleza que você conheceu quando chegou aqui?
Nelson – Morei no Centro da Cidade, minha primeira casa foi a casa do meu tio Françoise e tia Áurea. Ali na Barão de Aratanha, 228. É o terceiro quarteirão ali perto do Coração de Jesus. Aí tinha uns parques de diversões e se ouvia aquelas músicas do parque. Era muito legal, o tempo da total da delicadeza. Você não via assalto, briga, confusão, você não via nada. Saía tranquilo, pequeno, sozinho. E aí, depois, a gente foi morar na Clarindo de Queiroz, 31, do lado do Colégio Cearense. Ali tinha um campo de futebol, eu comecei a jogar. E aí depois a gente foi morar lá na Rua Don Sebastião Leme, bem pertinho ali do Arlindo – mas não tinha o Arlindo ainda. E daí, depois, já acho que foi em 1976, a gente foi morar na Cidade 2000. E lá foi fundamental para ter mais acesso à música cearense porque lá eu conheci o Wilson Cirino, que foi o primeiro que o Fagner gravou em dueto, né?

O POVO – E como foi esse contato?
Nelson – Eu jogando futebol e ele: "Eu moro no Rio e tal, sou violonista. Aí me mostrou o compacto com o Fagner, já tinha gravado (lançado em 1971). Começou a mostrar as outras músicas. A irmã dele tinha um Fusquinha. Uma vez, ele: "Nelson, rapaz, vamos sair hoje de noite. Eu vou lá pro Anísio. O pessoal se reúne lá para tocar violão". Eu disse "bora!". Ele sabia que eu gostava, né? Aí pronto, eu conheci o Petrúcio Maia, Francis Vale, Alano Freitas, Stélio Vale. A turma toda estava lá.

Nelson Augusto, jornalista, radialista, crítico musical é carioca da Tijuca e chegou em Fortaleza adolescente com a família   (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Nelson Augusto, jornalista, radialista, crítico musical é carioca da Tijuca e chegou em Fortaleza adolescente com a família

O POVO – E você era adolescente.
Nelson – Eu adolescente e ouvindo as canções ali, ao vivo. Do lado, era o quartel general da cultura da Beira-Mar, que era a casa do Cláudio Pereira, que era um agitador cultural. Ele chamou o pessoal para lá. Era uma casa avarandada e tinha umas redes, e era o tempo da delicadeza. Eu sei que eu fiquei até de manhã nesse dia. E aí a gente ficou tendo mais contato, eu vendo as pessoas de perto. Eu fui mais umas duas vezes lá, depois foi para o Estoril, também outro reduto.

O POVO – Quem mais você conheceu nesse período?
Nelson – O Luiz Antônio gostava muito de som. Ele já trabalhava, tinha dinheiro e tinha um som muito bom. Quando eu cheguei lá, que falei que gostava dos Beatles, ele também gostava. E era o sonho do Luiz Antônio botar uma equipe de som. Fazer festa, né? Tinha lá o Centro Comunitário e eu conhecia um dos diretores. Eu cheguei para ele e disse: "seu Nagib, o que o senhor acha de fazer uma Tertúlia aqui para os jovens?". E ele: "boa ideia, Nelson. Como é isso?". "Um amigo meu tem um som a gente pode fazer". Rapaz, aí foi sucesso total. O Centro Comunitário virou uma espécie de aglutinador da juventude para ouvir esse tipo de música. Só que era uma tertúlia diferente. Claro que tinha as músicas lentas, músicas da moda, mas a gente botava Slayer, Deep Purple e o pessoal ficava alucinado lá dançando. A partir daí eu comecei a ganhar meus primeiros trocadinhos com música, né?

O POVO – Toda essa sua juventude foi na época da ditadura militar. Como era o clima aqui?
Nelson – A gente sabia desse período. Meu pai era da Marinha, né? Mas depois que começou a carestia. Ele dizia: "Essa carestia nesse governo". Ele deu até uma entrevista uma vez no jornal. Acho que era o Jornal O POVO. A moça foi entrevistar, ele no supermercado, ele fazia as compras, minha mãe ficava sempre em casa. Aí ele largou a lenha. "Está tudo muito caro, essa carestia tá muito grande". Depois que ele começou a ter mais ideia do que era o sistema. Principalmente com a gente na universidade, conversando com ele. Ele mudou assim um pouquinho. Uma vez eu estava no Centro da Cidade com a minha mãe, minha irmã. Tinha a livraria Renascença, foi lá que a gente foi acolhido porque vinha a cavalaria correndo. Eu acho que era uma passeata de estudante, alguma coisa, eu não tenho noção do que era. Mas era cavalaria correndo atrás. Entramos lá, ficamos e minha mãe tentando colocar panos frios. Não sabia o que era, eu nunca tinha visto essa coisa de violência, de polícia.

Nelson Augusto, crítico musical: entre discos e memórias, ele conta seu encontro com os principais músicos cearenses na geração dos anos de 1960 e 1970 (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Nelson Augusto, crítico musical: entre discos e memórias, ele conta seu encontro com os principais músicos cearenses na geração dos anos de 1960 e 1970

O POVO – E na época da Universidade?
Nelson – Aí foi aqui, na 13 de Maio. Época das passeatas. Naquela época, mais de quatro pessoas na esquina já era assembleia. Então, eles chegavam batendo. E aí o pessoal fazia manifestação e corria para dentro da Universidade, que eles não podiam entrar, mas jogavam gás, lacrimogêneo. Isso aí já era 1978, 1979. Ainda estava acontecendo a abertura. E aí na universidade você muda. Tem mais acesso às informações, conversas com as pessoas, o movimento estudantil. E aí era coisa do Geraldo Vandré com aquele disse proibido. Eu consegui um LP que tinha o "Para Não Dizer Que Não Falei das flores" e tinha uma tarja "é proibido tocar em rádio". Eu ouvia em alto e bom som lá em casa.

O POVO – Quando você entrou na universidade?
Nelson – 1976. Em frente lá em casa, tinha o seu Cavalcanti, ele era contador, trabalhava na Receita Federal, tinha um escritório contabilidade e gostava de música. Ele sempre me convidava: "Nelson, vamos ouvir música". Ele levava os livros da contabilidade, ficava ouvindo a música e eu aproveitava filava o almoço. Aí eu entrei no curso de Letras na UFC, especificamente inglês.

O POVO – Até então, não pensava em jornalismo.
Nelson – Não, mas quando eu cheguei lá no curso de Letras que eu percebi que era para ser professor... Eu gostava de inglês. Eu fui fazer Contábeis na Unifor, por causa da contabilidade que eu aprendi com o seu Cavalcanti. Então, eu ia ganhar dinheiro com contabilidade e escrevia alguma coisa, poesias, essas coisas. E eu percebi que não era o que eu queria. Eu estava do lado da Comunicação, ia para as festas da Comunicação, a gente tinha uma integração muito grande. Aí apareceu transferência de curso e eu transferi para Comunicação.

O POVO – Em que ano você entrou aqui na Rádio?
Nelson – Aqui na rádio foi 1981. Antes da Rádio entrar definitivamente, ainda em caráter experimental, eu já fui conhecer. Ali nas salas da Reitoria. Coincidentemente, o Guilherme Neto era o diretor artístico da Rádio. Augusto César o coordenador musical e jornalista. Quando cheguei lá, disse: "primeiro eu tenho que mostrar que eu sei".
Nessa época, eu adquiri nas bancas uma coleção da Abril Cultural que era a História da Música Popular Brasileira, dos compositores. Ali era o nosso Google da época. Tinha as informações técnicas, os músicos que tocaram, faziam análise da letra e tal. Ela foi lançada em três versões e eu fazia a coleção das três. Aí eu comecei a encher meu chip de informação assim. Se me perguntasse, na hora eu sabia, como sei até hoje, né?

Eu já comecei (na Rádio Universitária) valendo, desde o início. Foi outubro de 1981 e eu fazia o roteiro do programa chamado "Brasil em Todos os Tempos", que existe até hoje.

O POVO – E como foi esse começo?
Nelson – Eu já comecei valendo, desde o início. Foi outubro de 1981 e eu fazia o roteiro do programa chamado "Brasil em Todos os Tempos", que existe até hoje. É uma espécie de almanaque das coisas que acontecem no dia. Então, você datilografava em três vias, botava o papel carbono. Era umas 12 laudas todo dia. Quando foi uma vez, o locutor faltou. Aí fiquei puto, cara. Cheguei para o Rodger (Rogério, um dos diretores da rádio) e disse. Ele olhou assim: "na próxima vez, vá lá e faça". Aí, quando foi na outra vez, o locutor não tinha chegado ainda. O Rodger estava lá e disse: "se der 9 horas e ele não chegar, vá lá e faça". Disse de novo. Tá bom? A luz acendeu, aquela expectativa. Como tinha um retorno, eu estava me ouvindo e tal, foi razoável.

O POVO – A Rádio Universitária é hoje o lugar que a Cidade tem para ouvir música cearense. Por que a gente não tem apego com a nossa música?
Nelson – É a velha história do dito popular: "Santo de casa não faz milagre". Você tem que ir e, como o cantor Ednardo, "voltar em videotapes e revistas super coloridas". É impressionante essa questão. Nessa época da Rádio, a gente tinha um programa "Gente de Casa" e tinha o "Cá entre nós", feito pela Beth Bezerra, esposa do Ricardo (Bezerra, compositor). E tinha o "Falando da Vida", que era sexta-feira de noite, em que o Rodger levava os músicos para tocar ao vivo. Então a Rádio foi propulsora nessa questão da divulgação maior da música do Pessoal do Ceará, inclusive ao vivo.

O POVO – E quando você se formou?
Nelson – Em 1986. Antes, eu fiz um estágio no Jornal O POVO. O editor do segundo caderno era o Eliézer (Rodrigues) e ele me apresentou logo ao Rogaciano Leite filho. Ele tinha uma página dupla de Cultura e tinha um show do Ivan Lins lá no Obá Obá (casa de shows). Ele me deu um release pequeno, 15 linhas, e disse: "faça aqui essa matéria aqui, tá bom?". Eu peguei, comecei, aquilo era muito pouco... "Ivan Lins, que começou no MAU, Movimento Artístico Universitário"... Fiz uma lauda e 15 linhas. "E aí, gostou?" (Rogaciano) "Gostei não, adorei". E foi a primeira matéria que saiu. Só que, como eu era estagiário, não podia assinar e ele assinou.

Nelson Augusto relata sobre entrevista feita com Luiz Gonzaga no último show do artista (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Nelson Augusto relata sobre entrevista feita com Luiz Gonzaga no último show do artista

O POVO – Das entrevistas que você fez, teve alguma mais marcante? Um sonho realizado da vida?
Nelson – Essa do Luiz Gonzaga foi fantástica (aponta para uma foto dele com o Luiz) porque foi o último show dele. Eu falei com o Miguel (Macedo, editor), que comprou a ideia de mandar um repórter e fotógrafo lá para Campina Grande. "Olha, vai ser o último show dele". Eu falei com o Waldonys, mas ele disse: "nem a Globo ele (Gonzaga) recebeu, mas vou falar com o Dominguinhos". E o Dominguinhos foi lá e disse: "seu Luiz, tem um repórter lá de Fortaleza que quer conversar com o senhor. Ele veio com a cobertura de jornal O POVO" e tal. "Traga esse rapaz aqui". Cheguei lá e estava o Nando Cordel, Jorge de Altinho, Elba Ramalho, todo mundo assim ao redor do rei. Eu cheguei e disse: "seu Luís, é verdade que quando o senhor tocava nos cabarés lá do Rio de Janeiro polca, mazurca, esses ritmos estrangeiros, foi uma turma de cearense que pediu para o senhor voltar a tocar pé de serra?". Aí ele se virou: "esse menino sabe da história. Pode ser uma prosa de meia hora?" Tá bom demais.

O POVO – E como nasceu a web rádio Nelsons?
Nelson – Um amigo meu, o Iran Ribeiro trabalha com TI (Tecnologia da Informação), veio me procurar. Na época, ele ouvinte da rádio, me disse: "Nelson, tu devia criar um site porque é o que está aí para divulgar uma coisa nova". O site é anterior à rádio. E aí o Iran disse: "vamos criar o site do (programa) 'Frequencia Beatles'". Eu disse: "não, vamos fazer uma coisa mais ampla. Tem toda a programação da Rádio Universitária. A gente pode ir colocando os programas e tal. E surgiu a nelsons.com.br, que era só um site que tinha notícias, resenhas de discos, principalmente do Pessoal do Ceará, fotos, informações e tal. Aí depois foi quando começou a surgir a web rádio, ele também deu a ideia. Surgiu 2011 a ideia da web rádio. Tem programa de jazz, blues, choro, brega...

Jornalista e crítico musical criou a web rádio Nelsons (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Jornalista e crítico musical criou a web rádio Nelsons

O POVO – Você conviveu muito com essa cena daqui de Fortaleza, inclusive os grandes nomes. Como é tua relação com eles?
Nelson – Eu tenho uma relação muito boa com o Ednardo. Inclusive, no lançamento do disco mais recente dele, ele me convidou. O Belchior quando vinha para Fortaleza, ligava para mim. "Nelson, eu vou vir tal dia fazer show". Geraldo Azevedo fazia muito isso. Vira essa coisa pela confiança. Quando tinha um Circo Voador aqui, o Xangai veio a primeira vez aqui e eu me orgulho de ter colocado na rádio. Eu levei minha discoteca todinha para rádio, quando eu fui ser bolsista. Aí eu me orgulho de ter tocado Elomar, Xangai, Vital Farias e com mais assiduidade Geraldo Azevedo, Alceu Valença. Quando eu vi o pessoal tocar "Ai que saudade docê", nas noites violão, "olhaí, ouviu na Rádio Universitária". Quer dizer você se sente responsável também.

O POVO – E relação tensa?
Nelson – Com o Fagner, sim (risos). No começo, né? O ápice mesmo da questão com o Fagner, foi quando ele lançou aquele disco que tem "Deslizes" ("Romance no Deserto", 1987), tinha uma entrevista para fazer com ele e o carro da Tribuna (do Ceará), deu problema e eu disse "eu faço aqui do release mesmo, tudo bem". Só que eu fiz umas 25 linhas e botei assim (no título) "Deslizes de um breganejo". E assinei. Foi o estopim! Ele ligou para o dono do jornal e pediu minha cabeça. Aí o (jornalista) Arlen Medina ia inaugurar um programa na TV Ceará, o Cena Pública, e era uma entrevista com o Fagner. E ele já tinha gravado aquele disco só de bossa nova ("Demais", 1993) e o pessoal me convidou. Esse disco é produzido pelo Roberto Menescal, que toca guitarra, mas todas as outras coisas são com teclado eletrônico. As cordas sintetizadas, além da voz do Fagner cantando "Eu Sei Que Vou Te Amar". O Arlen passou a bola para mim. "Vamos para o aspecto musical. Fagner, como é que você se sente assassinando 12 clássicos da música popular brasileira no seu disco novo?". Rapaz, ele arregalou o olho: "Esse disco eu não fiz para você não, não fiz pra crítico musical não. Fiz para o meu público".

O POVO – O que o jornalismo te ensinou?
Nelson – Rapaz, me ensinou a vida, né? Para mim, eu faço por dilatantismo. Tudo aconteceu naturalmente. Por exemplo, a vinda para a Rádio Universitária foi o professor Marcondes Rosa que me convidou. A ida para o Jornal O POVO foi o Miguel Macedo, que era o editor, no dia da formatura, ele me convidou. Essa coisa do jornal impresso eu comecei como criança, acompanhando meu pai. O rádio foi a minha mãe, que sempre ouvia constantemente. Depois eu descobri que meu avô materno tinha trabalhado na imprensa, lá no Recife, mas era na parte gráfica. A rádio também tem essa missão porque é um jornalismo mais imediato. A minha área de atuação sempre foi a música, a cultura em geral, que também é de suma importância na formação das pessoas. Ainda sou da época do jornalismo romântico, onde a gente entrevistava pessoalmente as pessoas.

O POVO – Por fim, quero saber para você, qual é o futuro do jornalismo. Qual é o futuro dessa nossa profissão?
Nelson – Realmente, depois que surgiu esse celular e a câmara no celular muita gente da imprensa inclusive se aproveita disso. Porque sugere que se você tiver vendo algum acontecimento, registra e manda para virar notícia. Mesmo assim, eu acho que o jornalismo investigativo ainda é o grande barato da profissão. Porque você tem que ouvir os dois lados para que a notícia saia na sua essência. Não puxando para um lado ou puxando para o outro. Acho que o futuro está aí.

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