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Campeão nacional, Paulinho Kobayashi se declara ao Ferroviário: "Quase um amor à primeira vista"
Reportagem Seriada

Campeão nacional, Paulinho Kobayashi se declara ao Ferroviário: "Quase um amor à primeira vista"

Ex-atacante revela que tomou gosto pelo futebol a partir a Copa do Mundo de 1982, relembra transição para carreira de treinador, detalha projeto do Capital-DF e avalia mercado nacional

Campeão nacional, Paulinho Kobayashi se declara ao Ferroviário: "Quase um amor à primeira vista"

Ex-atacante revela que tomou gosto pelo futebol a partir a Copa do Mundo de 1982, relembra transição para carreira de treinador, detalha projeto do Capital-DF e avalia mercado nacional
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Uma passagem do hino do Ferroviário conta que para marchar em direção à luta e continuar a jornada não se enxerga sacrifício. Assim como o torcedor do Tubarão, que “enfrenta qualquer parada”, o treinador Paulinho Kobayashi retornou à Barra do Ceará meses após ser campeão nacional invicto, desta vez em condições diferentes, tentando manter o time coral na Série C do Campeonato Brasileiro.

Nascido no dia 9 de janeiro de 1970, na cidade de Osasco (SP), Paulo Ricardo Kobayashi se apaixonou pelo futebol ao assistir à Copa do Mundo de 1982. Ainda adolescente, ficou encantado ao ver Zico e Sócrates em campo com a Amarelinha.

Paulinho Kobayashi, técnico do Ferroviário: paixão pelo futebol começo na adolescência (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Paulinho Kobayashi, técnico do Ferroviário: paixão pelo futebol começo na adolescência

Dentro das quatro linhas, teve suas duas temporadas mais marcantes em 1993 e 1994, quando atuou por Portuguesa e Santos, respectivamente. Kobayashi jogou até os 39 anos e pendurou as chuteiras no Bragantino, em 2009.

Deixar os gramados não seria o ideal para Kobayashi, por isso entendeu que apenas passar da linha lateral seria o suficiente. Hoje, seu habitat é a área técnica, onde iniciou como auxiliar do Bahia, ainda em 2009. No Tubarão da Barra, chegou pela primeira vez em 2022, sem muito sucesso, mas retornou no ano seguinte para ser campeão da Série D.

Na atual temporada, chega no Ferroviário por “empréstimo” do Capital-DF até o final do ano. Com isso, assume a equipe na zona de rebaixamento da Série C, com a missão de “manter onde deixou”.

Em entrevista ao O POVO, o comandante contou desde sua longeva trajetória como jogador até suas experiências como treinador. Levando o Ferroviário como lugar onde se sente em casa, Kobayashi falou sobre a relação com os atletas, as facetas da vivência no futebol e se debruçou ainda sobre o atual mercado de técnicos no Brasil.

 

 

O POVO - Como foi o seu início no futebol? Como surgiu a relação com o esporte?

Paulinho Kobayashi - Desde garoto, eu sempre gostei de futebol. Acho que a minha ligação maior foi na Copa de 1982, quando eu vi aquela seleção (brasileira) jogar: Zico, Sócrates, (Toninho) Cerezo. Muito muito na minha vida. E aí eu queria ser um profissional como eles. O que me chamou mais a atenção foi justamente ver aqueles jogadores e sentir o prazer de querer estar numa situação como eles, como profissional.

A partir dos 12 anos, a minha dedicação ao futebol foi 100%. Sempre gostei muito, treinava demais, às vezes até mais do que os outros, para tentar aperfeiçoar. Fui para a base do Palmeiras, joguei seis anos na base, então tive muito conhecimento de formação quando estive na base do Palmeiras. Depois disso, me profissionalizei quando fui para a base do São Caetano, Portuguesa, Santos... Ali mudou muito a chave. Ali que eu fui o Kobayashi, até então era o Paulinho. O Santos foi divisor de águas.

OP - O sonho de ser jogador surgiu a partir da Copa de 1982?

Kobayashi - Na verdade, eu sempre quis ser jogador, mas a seleção de 82 me trouxe uma empolgação maior, aquela empolgação de ver um time jogar com muitas qualidades dos jogadores que tinha. Isso me deu um incentivo maior. A seleção de 82 realmente me deu um start de "eu quero ser um jogador profissional".

Paulinho Kobayashi. Ferroviário x Caxias do Sul, pela semi-final da série D do Campeonato Brasileiro, no estádio Presidentes Vargas, em setembro de 2023(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Paulinho Kobayashi. Ferroviário x Caxias do Sul, pela semi-final da série D do Campeonato Brasileiro, no estádio Presidentes Vargas, em setembro de 2023

OP - Na sua época não era tão comum jogar até quase os 40 anos. Como conseguiu "esticar" a carreira?

Kobayashi - Quando eu voltei da Europa, já estava com esse pensamento de que queria ser treinador e pensei em parar de jogar logo. Só que eu tive convite para jogar no Villa Nova-MG, depois no União São João-SP, Série A do Paulistão. Falei: "Poxa, pelo menos Série A do Paulistão é bom". Depois, eu fui para a Série B, no Vila Nova-GO. "Poxa, estou num nível ainda alto, não dá para parar". Foi quando eu fui para o América-RN, na Série C, e ali eu consegui o acesso para a Série B, renovei, consegui o acesso para a Série A. "Como é que eu vou parar se eu estou sempre subindo?".

Em vez de eu baixar... Você vai subindo a idade e, normalmente, vai caindo de categoria, de clubes, e eu fui ao contrário, estava subindo. Enquanto estava subindo não podia parar: 35, 36, 37... Já com 37 fui escolhido entre os Craques do Goianão, que a Federação (Goiana de Futebol) que pagava, então contratou 12 jogadores: eu, Túlio Maravilha, Gian e muitos outros. "Não posso parar desse jeito, com 37 anos". Aí, com 38, eu falei: "Agora eu começo a pensar em parar".

Com 37 eu tinha ido para o Brasiliense e feito um acerto com o Crac-GO, de Catalão, e fui com 38. "Agora eu paro de jogar futebol", até porque comecei a pensar que estava descendo, aí recebi o convite do Bragantino para disputar a Série A do Paulistão. Falei: "Não tem como parar desse jeito". Com 39 anos disputando a Série A do Paulistão. Aí, depois, disse: "Agora, nem que eu receba um convite eu vou mais, porque quero parar". Não é qualquer um que termina com 39 anos. Eu me preparei bastante, estava querendo ser treinador, mas analisando cada treinador e cada fase que eu passei aqui no Brasil. Juntei todos eles para tentar fazer com que eu tivesse as minhas ideias como treinador.

OP - Na época de jogador você já absorvia ensinamentos dos treinadores? Algum serviu de referência?

Kobayashi - Quando eu iniciei, na Portuguesa de Desportos... Depois de ter saído do Palmeiras e do São Caetano, fui para a Portuguesa e tive um treinador que, para mim, sempre foi um ícone do Brasil e como eu trabalhei com ele, aprendi muito, que foi o Cilinho. O Cilinho foi um mestre, principalmente na parte tática, que eu gosto muito. Ele fazia no treinamento, mostrava, falava que ia acontecer no jogo e realmente acontecia. Isso me marcou muito. Todos os treinadores que eu passei, eu comparava a ele, o tipo de trabalho e o que acontecia no jogo. Ele praticamente é o meu norte quando comecei a trabalhar como treinador.

OP - Você jogou alguns anos na Grécia. Como foi essa época? Teve alguma situação inusitada por causa do idioma?

Kobayashi - (risos) Eu realmente tive cinco temporadas na Grécia e tinha facilidade, porque, em seis meses, já falava grego, me comuniquei muito rápido com eles. Mas, no começo, lembro que fui num açougue para comprar carne e aí eu não sabia inglês, grego muito menos, e falei: "Steak (carne, na tradução em português)", tentando falar meio que inglês. E ele ficou: "Qual?". Ele falava: "Essa carne, essa carne, essa carne... (apontando)". E eu fiquei sem entender nada. "É carne, é carne, é carne"... Eu estou vendo que é carne, mas quero saber qual carne é.

No final, para que eu pudesse me comunicar melhor com ele, eu: "Muuu" (risos). Aí ele começou a rir e me deu. Depois, quando eu falava grego, chegava nele e ele: "Muuu" (risos). São coisas que quando você vai para um país que não entende nada, tive essa dificuldade. Mas, graças a Deus, em seis meses até dava entrevista.

Não fui para a escola, foi no dia a dia mesmo, meu interesse. Desde o bom dia, "kalimera", "kalimera", "kalispera (boa noite)", "kalinichta (casa)". Tudo isso eu fui no dia a dia perguntando como falava. Tchau, "yasas". Aí, aos poucos, eu fui aprendendo. Quando eu vi, já tinha praticamente um dicionário. Você junta as palavras e começa a falar com eles, e eles gostam, querem te ensinar ainda mais. Quando eles percebem que você está interessado no idioma, começam a ajudar. Tinha dia que eu ia para casa: "Kalimera é bom dia, kalimera bom dia" e fui aprendendo assim.

Foi quase que um amor à primeira vista (risos). Porque na primeira vez que eu vim, eu tinha em mente que o Ferroviário seria também um divisor de águas, pela tradição que tem, pela camisa que tem, e seria um gigante adormecido.

OP - Como a identificação com o Ferroviário ficou tão forte? Como é essa relação?

Kobayashi - Foi quase que um amor à primeira vista (risos). Porque na primeira vez que eu vim, eu tinha em mente que o Ferroviário seria também um divisor de águas, pela tradição que tem, pela camisa que tem, e seria um gigante adormecido. E eu, conseguindo fazer um bom trabalho, a minha carreira também mudaria. E realmente... A primeira passagem não foi muito boa, infelizmente tive uma situação que desagradou (com a diretoria da época), mas continuei com o mesmo pensamento.

Tanto é que desde a primeira passagem, eu coloquei a mão no símbolo (do clube) e falei que esse era um time grande. Isso ficou marcado, a maioria das fotos que a gente mostrava depois era eu mostrando o símbolo, mas era a grandeza do Ferroviário. Tudo isso fez com que eu trabalhasse crendo que realmente seria um divisor de águas. O Ferroviário marcou muito na minha vida profissional como técnico de futebol e mudou toda a trajetória como profissional. Tudo aquilo que eu fiz nos outros times não foi tão grande quanto foi no Ferroviário.

...Queria mostrar para mim mesmo que eu era capaz de conseguir um título. A forma que foi (invicto) talvez muito diferente daquilo que eu imaginava e sonhava.

OP - Além da estrela do título da Série D na camisa, o que mais mudou no clube entre essas suas passagens?

Kobayashi - Essa estrela foi um dos pontos fundamentais quando nós começamos a chegar (às fases decisivas da Série D de 2023), e eu falava para eles (jogadores): "Vamos ser campeões, porque nós precisamos deixar nossa marca no clube". E uma estrela... Podem passar todos os treinadores, presidentes, diretores, tudo isso pode mudar, mas quem colocou a estrela, não. Vai ficar marcado para sempre.

Era um dos pontos pelos quais eu queria ser campeão, queria mostrar para mim mesmo que eu era capaz de conseguir um título. A forma que foi (invicto) talvez muito diferente daquilo que eu imaginava e sonhava. Quando eu percebi que teria essa possibilidade, isso me marcou muito e deu mais motivação ainda para ser campeão. Quando a gente volta (ao clube), é esse carinho que a gente tem, o carinho do torcedor, que você vai na padaria e tem o reconhecimento do trabalho.

Quando eu falo dessa divisão de águas do Ferroviário na minha vida profissional é isso. Enquanto eu era atleta, eu era reconhecido pelo que eu fiz no futebol como atleta, mas faltava esse reconhecimento como técnico. Então hoje, aqui, no Ceará, por exemplo, em qualquer lugar que eu vou, as pessoas fazem essa ligação do Paulinho Kobayashi ao Ferroviário. Foi uma marca que ficou tanto do clube quanto comigo e espero que a gente consiga construir ainda mais.

O presidente do Ferroviário, Aderson Maia Júnior (esquerda), e o treinador da equipe, Paulinho Kobayashi, posaram juntos em comemoração do título do Ferroviário do Campeonato Brasileiro Série D 2023(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA O presidente do Ferroviário, Aderson Maia Júnior (esquerda), e o treinador da equipe, Paulinho Kobayashi, posaram juntos em comemoração do título do Ferroviário do Campeonato Brasileiro Série D 2023

OP - Como recebeu o convite para retornar agora e quais os objetivos?

Kobayashi - Eu recebi o convite, lógico, após o clube pensar em trocar o treinador, mas, em momento algum, eu conversei tendo um treinador, porque eu acho que a gente tem que respeitar o profissional que está (no cargo), não gostei da primeira atitude (na primeira passagem pelo clube) que tiveram aqui comigo, então sigo esse exemplo para a minha carreira: enquanto tiver treinador, eu não gosto de conversar porque tenho que ser ético. Depois que já não estava mais o treinador, sim, eu conversei a respeito e aceitei com o maior prazer.

Quando eu saí daqui, eu falei que estava saindo, mas que voltaria. É voltar para casa, porque aqui eu me sinto em casa. Recebi com muita gratidão e orgulho, voltar para um lugar onde eu obtive sucesso. A gente pensa sempre em projetar coisas maiores do que já saiu daqui. Não adianta eu voltar para cá e falar: "Eu já fiz o que tinha que fazer". Não é isso. O sonho não acabou, o sonho continua. A gente tem que buscar outros sonhos para que as coisas aconteçam.

OP - A montagem do elenco para a Série C passou pelas mãos do Maurício Copertino, ex-treinador. Qual sua avaliação do grupo até o momento?

Kobayashi - Primeiro, o Maurício (Copertino) é um excelente profissional. Conheço e joguei com o Maurício, foi um dos que me deu algumas dicas, principalmente de curso da CBF (para técnicos). Eu que fiz o curso, que busquei, mas como a gente tem muita amizade, acredito que o profissional que estava (no Ferroviário) era qualificado, competente. Porém, a gente sabe que o futebol, infelizmente, vive de resultado. Não estou aqui para classificar ou julgar o profissional que estava, infelizmente o futebol é assim para todos nós.

Em relação ao elenco, eu trabalhei com praticamente 50% dos que aqui estão, então a gente sabe que são jogadores que já me ajudaram, correram por mim, pode ser que facilite bastante de continuar nessa batalha. Mas acredito que a gente precisa reforçar um pouquinho mais, trazer jogadores que possam nos ajudar, juntando com esses que aqui estão, para fortalecer cada vez mais o Ferroviário.

OP - Como é sua rotina ao chegar no clube, com os funcionários dos bastidores?

Kobayashi - Eu já chego arrumando "fuzuê" com o porteiro, brincando com ele, dando bom dia. Então é lá na portaria que começa, já tem a alegria de conversar com todos eles, tanto na minha chegada quanto na minha saída. Quando entra aqui, a alegria de encontrar qualquer um deles (funcionários), cumprimenta todos eles, a alegria de rever alguns. Depois, no vestiário, na cozinha, eu sempre tenho essa liberdade com todos eles, cumprimento todos, depois vou para o campo. Com os atletas, a gente tem um pouco mais de intimidade. E quando entra no campo, eu me transformo.

A melhor coisa que tem é você ter um bom ambiente, alegre, saudável, que te traz paz, te motiva. Eu falo muito com meus atletas que no dia que eles falarem "poxa, hoje tem treino", pode ir embora porque não está no lugar dele. Agora quando ele está na casa dele e diz "não vejo a hora de treinar, amanhã tem treino, tomara que tenha treino de manhã, tomara que tenha treino à tarde"... Essa alegria do trabalho traz só coisas positivas. Eu gosto sempre que o ambiente esteja dessa maneira, para que todo mundo tenha essa alegria de vir trabalhar.

OP - Com a experiência de jogador e os anos como treinador, quais dicas costuma dar aos atletas mais jovens?

Kobayashi - A primeira coisa que eu falo é para estudar. Não tem nada a ver com o futebol, né? Mas o atleta que estuda tem o entendimento tático, a inteligência para, se ele ganhar dinheiro, saber administrar o dinheiro... Tudo isso faz parte. Muitas vezes acham que o estudo não tem nada a ver com o futebol. O dom é uma coisa, você nasce com o dom e vai aperfeiçoar, mas aqui (aponta para a cabeça), você tem que ter o intelecto melhor do que o seu dom.

Tem que estudar, acreditar, treinar muito, porque aquele atleta que tem essa inteligência sabe que se ele viver na noite, com bebida, não vai conseguir nada. Se ele estuda, tem o entendimento, a inteligência, nada disso ele vai fazer, porque sabe que para administrar o pouco que ele tem precisa ser inteligente. Se gastar tudo com noite, carro, mulheres, não vai conseguir conquistar isso por muito tempo, tem prazo. Por isso que eu falo: estude e se dedique ao futebol, se você gosta.

OP - O fato de ter sido jogador facilita o relacionamento com o elenco, desde os mais jovens aos mais experientes?

Kobayashi - O técnico de futebol tem que ter o conhecimento não só tático ou talvez a experiência como ex-atleta; a maior virtude de um técnico é saber diferenciar e ter a gestão de pessoas. Quando você tem essa gestão, você sabe que o mais velho precisa de um cuidado diferente, porque ele já tem experiência suficiente, e o mais novo, você tem que incentivar em algumas situações, ao mesmo tempo dando a responsabilidade necessária para que ele saiba que só vai vencer dentro desses padrões profissionais.

Tem que ter essa gestão, sabendo a diferença de um e de outro. Facilita um pouco mais ter sido atleta? Talvez, em algumas questões. Porque você sabe que quando o atleta está em um bom momento, principalmente por ter vivido isso, ele se deslumbra e acaba trocando os pés pelas mãos, fazendo coisas que talvez não seriam boas profissionalmente. Então a gente aconselha, principalmente aqueles que são mais jovens. Se hoje você está dentro dos holofotes, conseguindo aparecer, foi porque você construiu jogando futebol, mas consegue destruir com menos tempo fazendo coisas erradas. "Não entra por esse caminho ou por aquele, nesse ou nesse, porque nós já passamos por isso".

Facilita um pouco mais para os jovens. Com os mais experientes a gente troca as ideias, fala de igual para igual, porque eu também joguei até os 39 anos, então sei o que é estender um pouquinho mais (a carreira), sendo que, na minha época, não se jogava até essa idade. Hoje se joga com mais de 40, mas, quando eu jogava futebol, era até os 33, 34 anos, com 35 já era veterano. Consegui jogar um pouquinho mais, então dá para a gente conversar a respeito.

 Paulinho Kobayashi, técnico do Ferroviário orienta os jovens jogadores a estudarem (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Paulinho Kobayashi, técnico do Ferroviário orienta os jovens jogadores a estudarem

OP - No vestiário, como equilibrar a necessidade de "vender sonhos" aos jogadores e manter os pés no chão?

Kobayashi - A gente vende o sonho, mostrando para eles (jogadores) que você consegue realizar muitos sonhos, às vezes em um ano, dois anos, dentro daquilo que consegue produzir, conseguindo títulos, acessos. São coisas que vão fazer com que ele consiga realizar alguns sonhos. Mas você tem que mostrar a realidade para ele, passa para eles as coisas que têm que ser vistas da maneira correta, para que não possa só viver de sonhos. Você tem que viver também de projetos.

São coisas que, no dia a dia, tem que mostrar e falar para eles. Eu vou acreditar sempre que vou chegar, mas depende do trabalho, não é só acreditar, não é só sonhar. Você tem que sonhar grande, porque é a mesma distância sonhar pequenininho ou sonhar grande, então sonha grande porque, de repente, no meio do caminho, você percebe que está mais próximo de realizar o grande sonho.

OP - Qual realidade encontrou em clubes mais modestos como treinador? Muitas dificuldades para desenvolver o trabalho?

Kobayashi - A dificuldade é muito grande, principalmente o lado financeiro. O próprio Ferroviário, quando eu cheguei, tinha essa dificuldade. Eu até falei para os jogadores: "Quem vai trazer esse recurso somos nós. Nós precisamos trazer conseguindo (vaga) Copa do Nordeste, Copa do Brasil, o acesso (à Série C)". Os outros clubes também não tinham a estrutura física que tem aqui no Ferroviário, e isso ajudou bastante, por isso que eu falo que o Ferroviário precisava investir mais na estrutura que tem, pela grandeza dele. (...)

Quando você tem salário atrasados, não tem material para poder fazer um bom trabalho, isso dificulta muito. O campo de futebol... Já fui em clubes que não tinha campo para treinar. Então, a gente saía de um campo, ia para outro, trabalhei muito em campo sintético, reduzido, porque não tinha um campo para treinar. Então toda essa dificuldade eu passei, realmente, como técnico de futebol, mas isso só me dá motivação para que eu pudesse chegar aos clubes que dariam toda essa estrutura.

Eu sempre acreditei muito no meu trabalho, falava: "Opa, eu tenho que trabalhar, mesmo estando nessa dificuldade, crendo que tudo isso daqui eu também posso fazer e mudar". Porque nem todo mundo que chegou nos times de tanta expressão começou lá em cima, muitas vezes começou lá de baixo. Então é dessa maneira que eu encaro a minha vida profissional também.

OP - E o projeto no Capital-DF? Em um clube jovem, o senhor foi vice-campeão estadual e garantiu competições para 2025, inclusive renovando contrato...

Kobayashi - O Capital é um clube muito novo, muito jovem, e o que ele me apresentou é o sonho grande, que a gente estava falando. Era um sonho grande e ele depositou a confiança no meu trabalho. É como se você falasse para mim: "Olha, vou te dar uma carreta, você coloca dentro dela o que quiser e leva aonde quiser. Te dou a chave do cofre, você abre, guarda o que tiver que colocar lá dentro" (risos). Me deram praticamente carta branca e acreditaram no meu trabalho. Essa foi uma das coisas que fez com que eu fosse lá.

Eu não tive dificuldade nenhuma, tudo que eu pedia eles me deram, os atletas que eu pedi eles contrataram, quando eu precisava de alguma coisa no dia a dia do trabalho não tinha dificuldade. E o projeto dele a médio e longo prazo é o projeto que eu tenho para a minha carreira, porque, talvez, para eu chegar numa Série B tenha ainda que cavar muito e lá, de repente, consigo estar cavando desde o começo e chegando até onde eu acredito, porque é o projeto deles.

E ele quer que eu faça parte de um projeto a médio e longo prazo. Essa foi uma das coisas que ele me ofereceu lá. Não estou nem falando em relação a dinheiro, porque quando eu saí daqui, muitas pessoas acharam que estava indo por dinheiro. Eu fui por projeto, porque acredito no projeto. Quando você tem a liberdade de trabalhar, sem aquela pressão de o resultado fazer a diferença... Ele acreditou no meu trabalho. Quando você acredita no trabalho independente dos resultados, dá essa liberdade para que eu possa mudar de lugar. "Vou pegar essa taça, tirar daqui, levar para lá, está tudo certo, você faz, eu acredito, confio".

Lá, nós conseguimos o objetivo, que era calendário para o ano que vem. Isso daí era o principal, ele não estava nem preocupado com título (do Campeonato Brasiliense). Depois, lógico, a gente acreditou no título, estava nas nossas mãos, perdemos nos pênaltis (para o Ceilândia), infelizmente não era do jeito que eu gostaria e sonhava, mas nem sempre eu vou conseguir realizar os meus sonhos, mas vou em busca deles. Busquei e consegui o objetivo. Igual aqui: eu já tinha conseguido o objetivo, que era o acesso à Série C, depois eu continuei para conseguir o título. Graças a Deus, aqui deu certo. O que me chamou a atenção lá foi justamente essa carta branca que ele me deu para que eu pudesse fazer aquilo que achasse melhor.

Treinador Paulinho Kobayashi: sonho é colocar o time na série A(Foto: Lenilson Santos)
Foto: Lenilson Santos Treinador Paulinho Kobayashi: sonho é colocar o time na série A

OP - Qual o seu objetivo como treinador?

Kobayashi - O meu? O meu é chegar numa Série A e depois, quem sabe, ser lembrado numa seleção. "Não, seleção está muito longe". Sonhar, eu tenho que sonhar grande. De repente eu chego próximo, pelo menos numa Série A. Eu sempre trabalhei, estudei, busquei para que pudesse chegar, então o que posso fazer na Série A, eu faço aqui também. Não é porque eu estou na Série C que eu vou fazer diferente. Me dedico e me entrego aqui, no Ferroviário, como se eu estivesse numa Série A, porque quando eu chegar lá vou fazer a mesma coisa. Lógico, com atletas diferentes, com níveis intelectuais diferentes. São patamares diferentes, mas eu não posso deixar de pensar e sonhar.

OP - Qual sua avaliação do mercado de técnicos no Brasil hoje? São muitos estrangeiros na Série A...

Kobayashi - Vamos começar de seleção brasileira, que estavam falando de treinadores estrangeiros, e CBF. É uma coisa que eu não consigo fazer a ligação: eles dão curso para treinador no Brasil, mas querem escolher um treinador de fora. Para mim, não faz sentido. Vou dar um curso para os treinadores no Brasil, mas na hora que eu vou pegar o melhor para a seleção, eu escolho um de fora? Para mim não fazia sentido eles pensarem dessa maneira, por darem um curso.

Hoje está com o Dorival (Júnior), ótimo. "Ah, então quer dizer que você é contra um treinador estrangeiro?". Não, eu não sou contra, só acho que você não está valorizando aquilo que você está ensinando. É você dar aula na faculdade, ter uma empresa e escolher quem se formou numa outra faculdade. Quer dizer, aquela faculdade é melhor do que a minha? Isso que eu não consigo entender. Essa é uma das coisas que eu acho errado, mas, quem sabe, lá na frente... "Ah, não tem treinador capacitado, vamos pegar um de fora". Se não está capacitado é porque você não capacitou, pode trazer um de fora.

Agora, a Série A tem treinador de fora, Série B, Série C, Série D... Ótimo. Esses estão no mercado. Nós temos que absorver o que eles têm de bom e trazer para a gente. Assim como eu fui lá fora e aprendi, eu tenho que aprender com esses que vêm para cá e trazem alguma coisa. Hoje têm muitos atletas também que vêm de fora. Então os atletas tinham que se revoltar porque estão tirando o lugar deles? Não, seja melhor do que ele.

A gente tem que se preparar para ser melhor do que eles. Não sou contra ter treinador estrangeiro no Brasil, tampouco para a seleção brasileira, eu só faço esse comparativo porque, para mim, não faz sentido você ter uma faculdade, ensinar os alunos e na hora de dar o emprego pegar da outra faculdade. Então o que você está ensinando não é o melhor, o melhor é do outro.

OP - Dos treinadores atuais, quais você admira?

Kobayashi - Eu gosto muito do Dorival, acho que a seleção hoje está com o treinador que eu teria escolhido, até mesmo antes do (Fernando) Diniz. "Ah, o Diniz é ruim?", não, o Diniz não é ruim. As ideias do Diniz são boas, mas para colocar em prática, ele teria que treinar, pelo menos, uns dois meses com os mesmos atletas, assim como ele faz no Fluminense e fez nos outros clubes que passou.

A seleção brasileira não dá o tempo hábil para colocar uma metodologia, filosofia e até mesmo sua maneira de jogar. Como é que você vai colocar seu modelo de jogo se pega os jogadores, cada um de um país, e em uma semana, dez dias, tem que colocar que eles entendam seu modelo de jogo? Dificultou um pouco.

O Dorival já tem esse perfil, ele chega num clube e faz a diferença. Ele chegou no Ceará, estava parado há alguns anos, fez um bom trabalho, foi para o Flamengo, fez um ótimo trabalho, depois para o São Paulo e arrumou o time de novo. Eu acho que ele está preparado para ser o melhor treinador da seleção.

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