10 de fevereiro de 1965. Data inesquecível para a aviação comercial brasileira. Após 35 anos em atividade, neste dia, de maneira súbita e sem a instauração de um processo administrativo regular, as concessões de linhas aéreas da Panair do Brasil S.A. foram abruptamente cassadas pela Ditadura Militar, instaurada no País no ano anterior.
O sentimento de incredulidade, imediatamente, se alastrou pela Nação. Era o nocaute na Panair...
Para destruir o baluarte da aviação comercial brasileira, o presidente Castello Branco — cearense e primeiro chefe do Executivo da Ditadura Militar — contou com o apoio do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes, e do ex-diretor da antiga Diretoria da Aeronáutica Civil, brigadeiro Clóvis Travassos.
Os militares alegavam que "a crise financeira era tão grave e acelerada que o colapso da Panair não poderia ser evitado mesmo se todo o pesado auxílio econômico destinado à indústria do transporte aéreo, previsto no orçamento do Governo, fosse dado à companhia. Falácias. As contas da empresa estavam em dia", revela Daniel Leb Sasaki, autor do livro Pouso Forçado, sobre o tema.
Na raiz do problema estavam dois nomes: Mario Wallace Simonsen e Celso da Rocha Miranda, proprietários da Panair, que ficaram marcados pelos militares por conta da boa relação com o presidente deposto João Goulart (Jango). Deste modo, todas as empresas brasileiras alinhadas ao governo derrubado pelo golpe passaram a sofrer sanções.
"Em momento algum, antes da intervenção, a empresa fora interpelada sobre possíveis irregularidades em suas operações, passara por perícia ou processo administrativo regular, ou fora cientificada das intenções das autoridades de fechá-la", afirma Sasaki.
"Já os acionistas e diretores da Panair, além de privados dos direitos, sofreram uma campanha desmoralizadora sem precedentes: a Ditadura os culpou pelo fechamento de sua própria empresa utilizando dados falsos. Forjou processos criminais absurdos, massacrando a imagem deles perante a opinião pública. Suas contribuições ao desenvolvimento do País foram extirpadas da história oficial", apontou o jornalista e escritor.
Cearenses prestaram serviços vitais à Panair do Brasil de 1929 a 1965. Quando o rio Ceará era uma pista de pouso. Ou quando o Aeroporto do Pici passou a existir.
Com a presença de Mr. Frederick Anderson, representante da
No dia 30 de abril de 1930, a Pan American World Airways (Pan Am) absorve a Nyrba. Em 21 de novembro do respectivo ano, o então novo proprietário, o empresário e aviador norte-americano, Juan Terry Trippe, mudou o nome da subsidiária brasileira para Panair do Brasil S. A."
John Muniz, de 54 anos, foi aluno da Escola de Primeiro Grau Jader Figueiredo Correia na década de 1980. A unidade ficava ao lado do enorme galpão da Panair, onde estava instalada a oficina dos aviões e os escritórios da empresa. O colégio ainda funciona, mas em outra localidade, atualmente está ao lado do Posto de Saúde Lineu Jucá.
Depois do encerramento das operações da Panair no Brasil, cerca de 20 a 30 moradores de rua começaram a se abrigar os galpões. "Se eu não me engano, três ou quatro famílias moraram lá. Na faixa de sete a oito pessoas por família", completa Muniz.
O estaleiro artesanal naval também ficava ao lado dos galpões da Panair. Agora, faz companhia aos alicerces — que ali mofam, por 80 anos.
Rui Rodrigues, 42, pesquisador sociocultural, defende com unhas e dentes a história da Barra. Ele é o filho de Vicente Rodrigues, conhecido como o "Véi do cachimbo", criador do estaleiro.
"Tudo funcionava na beira do rio. Os aviões aterrissavam e as pessoas ficavam aqui, nesse espaço nostálgico e romântico, onde também estavam os hangares. O símbolo da Panair ficava do outro lado da casa", destaca Rodrigues.
O casarão da Panair é onde atualmente está situado o alicerce, uma propriedade da Marinha que segue estagnada no local desde 1946, data que o Hidroporto parou de funcionar no rio Ceará.
Com o esquecimento do espaço, mitos passaram a surgir. Bairristas, amigos de Rui, diziam que o prédio da Panair era mal-assombrado. "Falavam que lá aparecia pessoas e sons estranhos", evidencia o pesquisador. Isto causava medo nos populares.
"Tinha uma abertura bem pequena, tipo uma janela, e, por cima, várias portas grandes e um muro. Os galpões eram bonitos, altos, na altura dessa casa [mostra uma casa com dois pisos]. Ficava em uma canoinha nas costas do Hidroporto, imaginando como eram os aviões e as pessoas desembarcando..."
Rui guardou, como peça histórica, alpendres instalados ao final de cada corredor, na mureta, que serviam como "enfeite" do "Casarão assombrado", onde era a parte operacional da Panair.
O "Ferreira da Barra", pai de Luiz Ferreira Lima, 88, era quem rebocava os hidroaviões da Panair para a rampa — construída por volta de 1936 — com a lancha. Ele entrou para o time da Panair em 1944 por conta da Segunda Guerra Mundial. Em 1946, deixou a companhia pelo mesmo motivo.
Antes da Panair, Ferreira era funcionário de Deodato Martins. Ele recebia o sal e levava para as salinas que eram despachadas em trens e levadas para o bairro Mucuripe.
Na volta do trajeto, oferecia carona a dois ex-funcionários da Panair até a sede da Panair, na Barra. "Meu pai parava no ponto de ônibus, quando eles chegavam, botava um no 'sai de cá' e o outro na garupa", conta o filho, Luiz Ferreira Lima.
Um deles era Manoel Marques. Em 1943, Manoel foi convocado para a guerra. Ferreira foi questionado por Manoel qual profissão exercia. "Ferreira da Barra" era motorista marítimo.
E, por coincidência do destino, Manoel era quem dirigia a lancha da Panair para subir os hidroaviões até a rampa. Com isso, Ferreira foi estagiar, por duas semanas, fazendo a manobra com supervisão de Manoel. Depois, assinou contrato com a empresa.
"Quando o avião pousava no Rio, ele vinha com os próprios motores, e quando chegava perto da rampa, o meu pai [Ferreira da Barra] ia com a lancha, amarrava um cabo na proa da aeronave, puxava e trazia esse cabo. O cabo ficava preso no guincho elétrico, a aeronave subia, já vinha com as próprias rodas naquela rampa, botava umas escadas e os passageiros desciam", descreve Luiz.
"Tinha uma
Marisa Maia Raimundo Maia da Silva, 59, conta que o pai, Raimundo Maia da Silva, já falecido, recebeu o convite do tio, Enock Arraes, ex-mecânico, para sair de Natal, no Rio Grande do Norte, e ir trabalhar no Ceará de 1942 a 1944 na Panair, como vigia. Localmente, ele ficou conhecido como o "Raimundo da Panair".
Enock era um verdadeiro amante da aviação. Fã de carteirinha do Aeroclube de Fortaleza. No Albertu's Restaurante — tradicional estabelecimento no bairro Barra do Ceará, instalado nas proximidades do antigo hidroporto da Panair no Estado —, conversava, entre amigos e familiares que, para o aviões zarparem, "eles iam até bem adiante de onde pousavam, faziam a baliza no Morro do Santiago para referenciação e 'Ziiii...'", é o que conta Marisa.
"Aqui tinha um movimento muito grande, os aviões pousavam, as autoridades vinham usando terno branco, chique demais, a gente passava o dia só observando a chegada deles", historiava Edith Barbosa da Silva à filha Marisa.
Ante a ascensão da Segunda Guerra Mundial, em 1943, o então presidente da República Getúlio Vargas — com o intuito de auxiliar as aeronaves do esforço de guerra americano em África — autorizou que a Panair erguesse aeroportos nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, e a capital cearense estava inclusa.
No dia 28 de julho daquele ano, a capela de Nossa Senhora Aparecida, na Itaoca, foi demolida para a construção da Base do Cocorote, que depois se tornou propriedade do Aeroporto Salgado Filho — atualmente conhecido como Aeroporto Internacional Pinto Martins.
Já o Aeroporto do Pici, que ficava nas cercanias do campus do Pici e se tornou a primeira pista oficial de pouso do Ceará — hoje avenida Carneiro de Mendonça —, foi construído especificamente pelas tropas aéreas norte-americanas para o período de guerra com contribuição majoritária da Panair.
Passados 18 anos do conflito, em 1961, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) encampou o terreno e a Universidade Federal do Ceará (UFC) se apropriou. A Panair abriu um processo contra a União para a devolução destas terras.
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