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O que pensam os jogadores do retorno do futebol em plena pandemia
Reportagem Seriada

O que pensam os jogadores do retorno do futebol em plena pandemia

Nesta segunda parte do especial sobre a retomada do futebol no cenário da Covid-19, jogadores e torcedores fazem uma reflexão sobre os riscos. O POVO também ouviu o infectologista Roberto da Justa sobre o quadro da doença e o impacto nos campeonatos
Episódio 2

O que pensam os jogadores do retorno do futebol em plena pandemia

Nesta segunda parte do especial sobre a retomada do futebol no cenário da Covid-19, jogadores e torcedores fazem uma reflexão sobre os riscos. O POVO também ouviu o infectologista Roberto da Justa sobre o quadro da doença e o impacto nos campeonatos
Episódio 2
Tipo Opinião Por

A classe de jogadores representa a "linha de frente" da volta de futebol. Serão eles a maioria exposta a cada partida. Até o momento, os clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, a elite do esporte, registraram 95 casos do novo coronavírus em atletas, segundo levantamento do Estadão com base em informações oficiais das próprias equipes.

Neste cenário, 13 são atletas de Ceará e Fortaleza, que já se recuperaram e voltaram aos treinamentos. O protocolo seguido pelos clubes com jogadores contaminados é a manutenção de quarentena. O número de casos da Covid-19 entre atletas da Série A equivale a oito times titulares e mais sete reservas.

Vale lembrar que o levantamento das equipes ocorreu no retorno aos treinamentos, quando foram realizados testes para o novo coronavírus como precaução à retomada das atividades.

Rafael Sobis na volta aos treinos. O Ceará realizou nova bateria de testes(Foto: Felipe Santos/Cearasc)
Foto: Felipe Santos/Cearasc Rafael Sobis na volta aos treinos. O Ceará realizou nova bateria de testes

Desde a volta dos treinos, jogadores de Ceará e Fortaleza têm elogiado a estrutura implantada para garantir a segurança do elenco e os demais funcionários, em entrevistas para os canais oficiais de comunicação dos clubes.

Um dos principais atletas do Alvinegro, Rafael Sobis reforçou a confiança no protocolo seguido no CT da equipe, no Porangabuçu. "É muito louvável o que aconteceu. Com uma pandemia, muitas incertezas, e o clube preparou da melhor forma. Um dos pioneiros no Brasil. Estamos treinando com toda a segurança. Um clube sério se mostra nisso", afirmou.

O lateral-direito do Fortaleza, Tinga, também avaliou positivamente a retomada das atividades no CT Ribamar Bezerra, em Maracanaú. "O pior já passou, principalmente em Fortaleza, onde está diminuindo o número de casos de infectados […] e o clube está nos cuidando muito bem, sendo responsável, isso é o diferencial."

Lateral Tinga na volta aos treinos do Fortaleza(Foto: Bruno Oliveira / Fortaleza )
Foto: Bruno Oliveira / Fortaleza Lateral Tinga na volta aos treinos do Fortaleza

Presidente do Sindicato dos Atletas do Estado do Ceará (Safece), Marcos Gaúcho reforça o coro de elogios dos protocolos seguidos por Ceará e Fortaleza para a volta aos treinos, mas se posiciona contra a retomada do calendário de jogos do futebol cearense para o início de julho.

"Não é o momento, apesar da necessidade e da dificuldade. Não é oportuno. Os treinamentos podem começar desde que os protocolos sejam seguidos por todos os clubes. Mas a gente não vê com bons olhos a antecipação", comentou.

O sindicalista ressalta a diferença de investimentos dos clubes e dos perfis socioeconômicos dos elencos, com distanciamento de Ceará e Fortaleza para os demais times do Estadual.

"O que a gente quer é rigidez na execução (de volta aos treinos) para esses clubes e que a possibilidade de jogos ocorra em segurança. A grande maioria quer voltar a treinar, jogar, é a profissão deles. Mas existem casos e casos. Há atletas que moram com a mãe, no interior, não possuem carro e precisam ir com grupo de amigos para o clube no mesmo carro ou de van. A realidade é diferente (de Ceará e Fortaleza)", acrescentou.

Torcedores de Ceará e Fortaleza
divergem sobre a volta do futebol

A possibilidade de antecipação do retorno dos jogos do futebol cearense para o início de julho divide opiniões entre torcedores dos principais clubes do Estado, Ceará e Fortaleza, únicos da região que treinam desde o começo de junho quando houve a liberação por parte do Governo. O POVO destaca abaixo o que pensam aficionados de Alvinegro e Tricolor.

Torcedora do Fortaleza, a advogada Taís Lemos explica os motivos de ser contra a volta dos jogos do Campeonato Carioca e a favor do Cearense a partir do início de julho.

Para ela, os cenários entre as duas regiões são distintos, e no Ceará, principalmente em Fortaleza, os indicadores epidemiológicos mostram dados positivos.

Torcida do Fortaleza na expectativa. Certamente esse é um cenário que não se verá tão cedo (Foto: Fortaleza Esporte clube)
Foto: Fortaleza Esporte clube Torcida do Fortaleza na expectativa. Certamente esse é um cenário que não se verá tão cedo

"A gente tem tido muita transparência nos dados. Há consistente queda do número de casos, da taxa de ocupação de internação e de óbitos mesmo com reabertura. Não vai voltar sem permissão do Governo, mas hoje vejo com naturalidade a volta no início de julho sem torcida, óbvio", argumentou.

O consultor empresarial Yuri Beck, torcedor do Ceará, concorda com a tricolor Taís Lemos sobre a retomada dos jogos. "É um momento em que outros espaços estão sendo liberados, como os shoppings, locais para caminhada e atividade física. O futebol tem segurança sanitária máxima e protocolo bem seguido. Tenho certeza de que não haverá problemas. Sou completamente a favor do (retorno) do Cearense", comentou.

Já o psicólogo Diego Viana e o estudante de Administração Israel Correia, torcedores do Fortaleza e Ceará, respectivamente, pensam diferente. A dupla se posiciona totalmente contra a antecipação dos jogos do Campeonato Cearense.

Espetáculo das torcidas terá que ser reinventado(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Espetáculo das torcidas terá que ser reinventado

Diego explica que acompanha desde o início da pandemia os dados públicos de acompanhamento da doença e não vê prioridade para a volta do esporte. Ele não acredita na manutenção de protocolos de segurança pelos altos custos a médio e longo prazos.

"A retomada das atividades econômicas, em especial Fortaleza, foi apressada. Admiro como o Governo tem conduzido. Só que houve pressa de 15 a 20 dias antes do que deveria. Claro que o atendimento está reduzindo. Mas a reabertura vai resultar em novas infecções em 20, 30 dias. Isso vai trazer problemas, e o futebol estará rolando. Em termos de prioridade social deveria vir por último", afirmou o psicólogo.

Para o estudante de Administração, falta sensibilidade na condução do futebol. Israel rechaça os argumentos que defendem a retomada do esporte no Brasil citando a volta dos jogos na Europa, em países como Inglaterra, Espanha, Alemanha e Suíça. "A situação é completamente diferente. O Brasil só perde para os Estados Unidos, que não possui previsão para voltar."

Técnico do Fortaleza, Rogério Ceni, criticou a retomada do futebol, ainda que afirne compreender a necessidade do torcedor em isolamento de assistir aos jogos(Foto: Paulo Matheus / FortalezaEC)
Foto: Paulo Matheus / FortalezaEC Técnico do Fortaleza, Rogério Ceni, criticou a retomada do futebol, ainda que afirne compreender a necessidade do torcedor em isolamento de assistir aos jogos

Contra a volta dos jogos, infectologista
vê péssimo exemplo do futebol

Infectologista do Hospital São José e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Roberto da Justa é contra a volta dos jogos do futebol no Ceará em meio à pandemia do novo coronavírus.

Para o especialista, o esporte, como setor formador de opinião, precisa dar exemplo para a sociedade e avalia a situação do Estado como delicada, principalmente na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), Norte e Sul.

Roberto da Justa, médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC)(Foto: MAURI MELO)
Foto: MAURI MELO Roberto da Justa, médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC)

“O vírus circula intensamente. Acho temerário, mesmo sem torcida. O momento é de manter o distanciamento social. Sei da importância do futebol, o que representa para a economia. Mas é preciso levar a sério a pandemia. O futebol deve ser exemplar. É o olhar de muitos infectologistas, e eu sou contrário (à volta) no mês de julho”, comentou.

O professor da UFC ressalta ainda que futebol com presença de torcida está fora de cogitação em 2020. Ele pontua a quantidade de pessoas envolvidas numa partida oficial, além dos times em si, que pode movimentar uma logística de 100 a 300 profissionais.

“É um tipo de aglomeração que traz preocupação porque você tem contato intenso com as pessoas. É um risco de transmissão significativo e, muitas vezes, os assintomáticos, que possam estar entre (membros da) comissão e jogadores, não sabem e podem transmitir”, afirma.

O infectologista mostra preocupação com a influência do futebol na sociedade diante do retorno do calendário de jogos.

Zagueiro Juan Quintero em treino no CT Ribamar Bezerra(Foto: BRUNO OLIVEIRA/FORTALEZAEC)
Foto: BRUNO OLIVEIRA/FORTALEZAEC Zagueiro Juan Quintero em treino no CT Ribamar Bezerra

“Você incentivar a prática de jogos acaba incentivando na população o futebol nos bairros. O futebol é exemplo e repercute na sociedade de maneira intensa. Fico receoso dos riscos que existem com os próprios jogadores e membros da comissão e o exemplo que vai dar.”

Roberto elogia as medidas do Governo de enfrentamento à pandemia, mas ressalta que, apesar da queda na incidência da Covid-19 em Fortaleza, a situação no Ceará ainda é complicada.

“O cenário é muito grave e preocupante sobre o quantitativo de dados diários, que ainda é grande, e de óbitos também, em especial fora da Capital. Nesses locais (RMF, Norte e Sul), a situação está descontrolada. O sistema de saúde está quase em colapso. É contraditório iniciar o campeonato estadual envolvendo times (Caucaia e Guarany de Sobral) onde o cenário é grave. A contradição é tremenda e um péssimo exemplo para a população.”

De máscara, Guto Ferreira, técnico do Ceará, já trabalha com o elenco(Foto: Felipe Santos / cearasc.com)
Foto: Felipe Santos / cearasc.com De máscara, Guto Ferreira, técnico do Ceará, já trabalha com o elenco

> Ponto de vista

Um ambiente mais controlado que um shopping

Por Fernando Graziani *

Com mais de 55 mil mortes em função do novo coronavírus, o Brasil resolveu ignorar a pandemia, ainda que os registros de contágio sigam batendo recordes. Até os governantes que começaram com medidas restritivas relevantes - apesar de não terem implementado o necessário lockdown que salvaria milhares de vidas - já flexibilizaram todas as atividades possíveis e o que vimos é a sociedade assumindo a Covid-19 como uma causa de morte como outra qualquer.

Fernando Graziani, editor-chefe de Esportes do O POVO e colunista de Esportes do O POVO  (Foto Ethi Arcanjo - 2015(Foto: Ethi Arcanjo )
Foto: Ethi Arcanjo Fernando Graziani, editor-chefe de Esportes do O POVO e colunista de Esportes do O POVO (Foto Ethi Arcanjo - 2015

O cenário já está naturalizado e a vida precária segue em um país onde a ignorância e maldade convivem maravilhosamente bem, criando todas as condições para a proliferação do novo coronavírus.

O futebol, assim como todas as outras atividades já liberadas, faz parte da economia. É uma indústria que gera no Brasil 370 mil empregos - isso porque ainda é muito mal explorado do ponto de vista profissional - de acordo com o professor e advogado Pedro Trengrouse, coordenador acadêmico do Programa Executivo FGV/Fifa/Cies em Gestão de Esportes.

Com tamanha relevância, nenhum argumento é sólido suficiente para justificar que apenas o futebol - sem público, evidente - siga com seus campeonatos parados. Para além disso, os clubes têm feito justamente o que o País deveria ter realizado desde fevereiro, ou seja, estão testando todos os atletas e funcionários, colocando em quarentena quem estiver contaminado.

Assim, um jogo de futebol se torna um ambiente muito mais controlado e seguro do que um shopping ou uma rua com grande apelo comercial.

 

Mais sobre a série

Episódio 1 - Em meio à polêmica dos riscos de números de casos de contaminação pelo novo coronavírus em alto patamares, o Estado do Ceará pode ser o segundo do País a retomar os jogos de futebol. 

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Futebol: retomada pós-quarentena

Especial mostra a polêmica do risco de retomada dos campeonatos de futebol em meio à pandemia