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Aumenta o som do paredão: o sucesso da pisadinha
Reportagem Seriada

Aumenta o som do paredão: o sucesso da pisadinha

Das festas nas cidades do interior nordestino à permanência no topo das paradas brasileiras (e mundiais), a pisadinha tem conquistado adeptos no Brasil inteiro
Episódio 1

Aumenta o som do paredão: o sucesso da pisadinha

Das festas nas cidades do interior nordestino à permanência no topo das paradas brasileiras (e mundiais), a pisadinha tem conquistado adeptos no Brasil inteiro
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"Ela roda a cidade inteira pra ficar comigo/ Porque eu sou seu esquema preferido, eu sou seu esquema preferido/ Ela dispensa a balada, as amigas pra ficar comigo/ Eu sou seu esquema preferido, eu sou seu esquema preferido". Com mais de 838 mil plays diários, de acordo com dados do Charts divulgados no último dia 15 de fevereiro, o piseiro romântico "Esquema Preferido" é a música mais ouvida do Brasil na plataforma de streaming Spotify atualmente.

O cearense Tarcísio do Acordeon é autor do hit "Meia-noite (Você tem meu WhatsApp)".(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação O cearense Tarcísio do Acordeon é autor do hit "Meia-noite (Você tem meu WhatsApp)".

O cearense Tarcísio do Acordeon, autor do hit, interpreta também a famosa "Meia Noite (Você tem meu Whatsapp)", quarto lugar na lista de reprodução. Ritmo que cresceu 65% em números de streaming nos últimos seis meses de 2020 no aplicativo Deezer, o forró conquistou o Brasil de Norte a Sul — e se "forró pra ser bom tem que ser do interior", como cantam Eric Land e Zé Vaqueiro, foi no chão de terra batida que nasceu o maior sucesso dos paredões: a pisadinha.

Caracterizada pelo uso de teclados e sintetizadores eletrônicos, a pisadinha se mantém nos topos das paradas musicais desde 2019. Nas festas de vaquejada, os paredões de som não deixam ninguém parado: um pé para cada lado, braços colados ao corpo no melhor do forró, a poeira sobe e o suor desce no gingado da dança.

" Primeiro eu faço a melodia da música todinha… O segredo de uma boa composição é a melodia, é o que marca na música e o que faz virar sucesso" Tarcísio do Acordeon

Mas a pisadinha não estourou só nos interiores nordestinos. De vídeos do jogador Neymar dançando hits da gigante Barões da Pisadinha — banda que se apresentou ao vivo em festa do Big Brother Brasil 21 no último dia 6 ao sucesso do single "Clima quente", parceria da artista Pabllo Vittar com Biu do Piseiro, o ritmo reúne gravações e regravações de nomes como Wesley Safadão, Eric Land, Taty Girl, Jonas Esticado, Xand Avião, Tierry, Márcia Fellipe e Zé Vaqueiro.

"Eu costumo dizer que essa coisa mais simples de teclado e voz faz parte do povo e ele se identifica", defende Tarcísio do Acordeon. Aos 27 anos, o cearense nascido em Campos Sales é hoje um dos maiores fenômenos musicais do Brasil ao aliar a sanfona tradicional ao toque eletrônico da pisadinha. "Acredito que o povo tem se identificado ainda mais porque, quando vou compor, não faço a letra antes. Primeiro eu faço a melodia da música todinha… O segredo de uma boa composição é a melodia, é o que marca na música e o que faz virar sucesso", complementa.

Em dezembro de 2020, Tarcísio do Acordeon lançou o álbum "Diferente dos iguais", mas a história do cantor com a música começou ainda na infância. Aos nove anos, incentivado pelo pai, também cantor, Tarcísio começou a tocar. "Eu me defino como artista de forró de vaquejada. Levanto a bandeira do vaqueiro, sou fã desde menino de vaquejada.

Hoje a pisadinha invadiu o Brasil, mas teve muito preconceito — como a própria referência da voz e do teclado. Passei por grupos que não deram certo e eu pensei: 'preciso ser grande, diferente'. Peguei os elementos de todas as bandas que eu montei e trouxe para o teclado. Ficamos eu na sanfona e voz e um amigo no teclado... Essa coisa do forró eletrônico através do teclado é muito popular", destaca Tarcísio.

Zé Vaqueiro, pernambucano radicado no Ceará, é autor do sucesso "Letícia". O clipe já alcançou quase 570 milhões de visualizações no YouTube.(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Zé Vaqueiro, pernambucano radicado no Ceará, é autor do sucesso "Letícia". O clipe já alcançou quase 570 milhões de visualizações no YouTube.

Radicado em Fortaleza, o pernambucano Zé Vaqueiro também carrega a arte no sangue. Filho de Nara de Sá, cantora na cidade de Ouricuri, José Jacson ouvia música ainda no ventre. "Meu interesse pela música nasceu por causa da minha mãe, desde a barriga eu tenho relação com o forró por ela ser vocalista de bandas do ritmo. E eu sempre nesse meio, né?", relembra o autor de hits como "Tenho Medo", "Cangote" e "Confidencial".

Antes da consolidação na atual carreira, Zé Vaqueiro vendeu sorvete, trabalhou em lava jato e em barraca de lanche. "Meu primeiro CD foi caseiro, bem simples, fiz as cópias na lan house. Mas corri muito atrás e ele rodou muito na minha região". Hoje, aos 22 anos, o cantor é agenciado por Xand Avião.

Xanda Avião e Zé Vaqueiro(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Xanda Avião e Zé Vaqueiro

 

"Creio eu que o que atrai o público é a energia que a pisadinha passa. Por ser tão contagiante, mexe muito com a gente, sabe? Eu gosto demais do piseiro, da pisadinha, do forró." Zé Vaqueiro

Na plataforma de vídeos YouTube, Zé Vaqueiro alcançou números impressionantes: O clipe de "Letícia" — com o já famoso refrão "Letícia, Letícia!/ Pra onde você vai com aquele mototaxista?/ Letícia, Letícia!/ Eu só saio do bar com você ou com a polícia" — já alcançou quase 200 milhões de visualizações desde o lançamento em outubro do ano passado.

"Creio eu que o que atrai o público é a energia que a pisadinha passa. Por ser tão contagiante, mexe muito com a gente, sabe? Eu gosto demais do piseiro, da pisadinha, do forró... Acho que tem conquistado o Brasil por ser um ritmo diferente, sabe? E as músicas que estão sendo agregadas ao ritmo ajudam muito também", pontua Zé Vaqueiro.

No piseiro, como é chamado o chão de terra onde se dança a pisadinha, o teclado toca das mais apaixonadas à sofrência brava. Na delícia desse forró diferenciado, as artistas norte-rio-grandenses Luísa Nascim e Potyguara Bardo se entregaram ao ritmo quente na regravação de “Cadernin (Piseiro)". Canção presente no último álbum de estúdio da banda Luísa e os Alquimistas, “Jaguatirica Print” (2019), a sexy lovesong "Cadernin" ganhou uma versão com arranjos de sanfona, guitarra, batidas e sample da personagem Pisadeira, da telenovela "Os Mutantes".

O clipe, um vibrante encontro entre a poeira sertaneja e os looks futuristas criados por Isaac Luna da Bicha Extra Terrestre, foi registrado no bairro da Copab, em Parnamirim. "Potyguara já gostava de cantar 'Cadernin' nos shows dela, então deu muito certo. Nesse momento, todo mundo tá super curtindo ouvir uma pisadinha. A gente gosta muito, acha que é muito poderoso, muito potente", ressalta Luísa.

Luísa Nascim, vocalista da banda Luísa e os Alquimistas, regravou o hit "Cadernin" em versão piseiro ao lado da cantora norte-riograndense Potyguara Bardo.  (Foto: Ian Rassari/ Divulgação)
Foto: Ian Rassari/ Divulgação Luísa Nascim, vocalista da banda Luísa e os Alquimistas, regravou o hit "Cadernin" em versão piseiro ao lado da cantora norte-riograndense Potyguara Bardo.

A popularização da pisadinha é recente, mas o ritmo existe há quase duas déadas. Entre os difusores da variação do forró, Luísa Nascim cita o cantor e compositor baiano Nelson Nascimento, que lançou o CD "O Rei da Pizadinha Volume 1" ainda em 2004."O Nelson Nascimento, o Rei da Pisadinha, criou esse nome, criou essa levada... O forró vem passando por modificações e o pessoal do Nordeste é muito inventivo: com pouca estrutura, com pouco recurso, consegue tirar um som muito original. O Nelson fez isso, com o teclado ele tirava um som de forró sem precisar ter uma banda inteira, uma estrutura de palco, muitos integrantes… Existe uma verdade nesse movimento que vem desse lugar, uma coisa da cultura sertaneja, do interior. Acredito que os Barões da Pisadinha vieram com hits que deram esse boom nesse ritmo que existe desde 2004".

Etnomusicóloga, a pesquisadora Maria Juliana Linhares explica que expressar paixões e dores de amores perdidos pela música atravessa a história da humanidade — e, quando se fala de sofrência, a audiência sobe. "A pisadinha surgiu nas festas onde se coloca paredão com música tocando em pen drive e celular. Outra questão que ajuda a popularizar o ritmo é que a poesia da música fala de interações eletrônicas, então é uma metalinguagem com o mundo eletrônico, com o mundo das redes sociais. 'Mandei uma mensagem se não visualizou', 'marquei pelo Instagram', 'contatinhos'...", elabora.

Maria Juliana Linhares é etnomusicóloga, musicista e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa nas áreas de História e Sociologia da Música
Foto: Divulgação / Saulo Portokalos
Maria Juliana Linhares é etnomusicóloga, musicista e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa nas áreas de História e Sociologia da Música

"Falar de desenrolar de relações através de redes sociais também aumenta o engajamento com as músicas. Além disso, apesar de muitas bandas de pisadinha estarem em grandes gravadoras, eles quiseram deixar a característica sonora de a música ser produzida em casa, aquela coisa bem fundo de quintal. A pisadinha é uma reunião de todos os gêneros do mercado fonográfico que fazem sucesso", destaca a professora do Curso de Música da Universidade Federal do Ceará.

Para Maria Juliana, a pisadinha inaugura uma nova estratégia de difusão que descentraliza os grandes mercados fonográficos. "A pisadinha sobe para o Norte, normalmente para Tocantins e Pará, e desce para Goiás para atacar esses grandes mercados do sertanejo. Para esse tipo de música, esse mercado fonográfico extremamente comercial, hoje em dia é secundário conquistar Rio e São Paulo, é uma glória simbólica", analisa.

"Os caras fincam o pé no sucesso em cidades menores, em regiões até economicamente menos favorecidas, e daí correm pros grandes centros." Maria Juliana Linhares, etnomusicóloga, professora de Música da UFC

"Eles conseguem conquistar Rio e São Paulo porque vão pegando todo esse grande público de lugares que não são muito disputados pelas bandas majoritárias. Os caras fincam o pé no sucesso em cidades menores, em regiões até economicamente menos favorecidas, e daí correm pros grandes centros", elabora. Região de ritmos outrora marginalizados, o Nordeste confirma com o estrondoso sucesso financeiro da pisadinha que é necessário deslocar o olhar — afinal, o povo gosta é do piseiro. 

 

>> OUÇA:  Na Playlist no Spotify do Vida & Arte você poderá curtir diferentes artistas no ritmo da pisadinha:

 

 

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