"Tendo a lua / Aquela gravidade aonde o homem flutua / Merecia a visita não de militares / Mas de bailarinos / E de você e eu"
Quando Herbet Vianna e Tetê Tillet escreveram a letra dessa música, gravada em "Os grãos", álbum da banda Os Paralamas do Sucesso, lançado em 1991, eles se anteciparam em dez anos ao que de fato aconteceu: a ida ao espaço por pessoas que não eram militares (e nem bailarinos, infelizmente). É que 2001 foi o ano da odisseia particular do milionário estadunidense Dennis Tito, o primeiro civil a sair da Terra e ir a uma estação espacial, viagem pela qual pagou vinte milhões de dólares.
Vinte anos depois da viagem de Tito e 30 da música de Herbert, eis que entramos em outro capítulo das viagens espaciais. Em julho, Richard Branson, dono da Virgin Galactic, decolou no dia 11 a bordo de uma nave da sua própria empresa e passou alguns minutos em gravidade zero. Também neste mês houve o lançamento da nave de Jeff Bezos, dono da Amazon, que alcançou a órbita em uma altura maior em relação à Terra. Em maio, a empresa de Elon Musk havia sido a primeira a levar astronautas da Nasa ao Espaço.
“Não é todo dia que acontecem viagens espaciais como as duas que aconteceram em sequência neste julho de 2021. Elas devem ficar na memória de todos que se interessam pelo tema”, destaca Rogério Pinheiro, engenheiro aeronáutico e consultor tecnológico em São José dos Campos, interior de São Paulo. “Os Estados Unidos e a Rússia disputaram no passado uma corrida espacial que teve como resultado a tecnologia que fez o ser humano alcançar a lua. Hoje não há guerra, apenas uma disputa de egos bilionários”, completa.
“Estamos presenciando o começo de uma era em que mais pessoas podem experimentar o espaço, ainda que ele, por enquanto, esteja restrito a quem tem muito dinheiro. A perspectiva é de que um dia a humanidade construa um futuro fora da Terra. Por mais que isso pareça enredo de filme de ficção científica hollywoodiano, essa ideia já é claramente difundida”, afirma.
Apesar de ser um entusiasta da tecnologia relacionada às viagens espaciais, o consultor se diz também apreensivo. “Parece que já se naturalizou o ‘plano B’, ou seja, que não vamos frear a destruição do nosso planeta e que precisamos buscar outra casa. E isso é assustador”, pondera.
A conquista do espaço já teve dias melhores.
Das missões tripuladas, lembremos primeiro daquela que levou o cosmonauta russo Yuri Gagarin – há 60 anos! – a entrar em órbita 327 km acima da superfície da Terra, momento eternizado em sua declaração: “a Terra é azul” (nos dias de hoje talvez ele enfatizasse também que ela não é plana). Acrescentemos o “pequeno passo para um homem, mas um grande passo para a humanidade”, de Neil Armstrong, ao descer da Apollo 11.
Tudo isso, sob a nuvem de tensão da chamada “guerra fria” entre URSS e EUA.
Mas talvez nenhum momento do nosso relacionamento com o Cosmos tenha sido tão especial quanto aquele em que, a pedido de Carl Sagan, a câmera da Voyager, sonda espacial que àquela altura estava há 6 bilhões de quilômetros, foi girada em direção à Terra. O registro que ficou, com sua resolução limitada, ficou eternamente conhecido como o “Pálido Ponto Azul”, um testemunho da nossa necessária humildade perante o universo e, ao expor toda a fragilidade da pequena e distante Terra, um apelo para cuidarmos do único planeta que nos serve de lar.
"No espaço, agora ocupado pelos bilionários, há um vazio de decência e vergonha na cara. O vácuo é ético e moral"
Também não podemos deixar de mencionar o quanto avançamos com serviços de comunicação, localização e monitoramento da situação ambiental desse nosso lar graças aos satélites que lançamos graças ao esforço dos programas espaciais públicos de várias nações do mundo.
O “turismo espacial” por um punhado de bilionários é uma paródia grotesca dessas iniciativas. É uma demonstração de imaturidade, narcisismo e exibicionismo que não envolve ganhos científicos ou tecnológicos. É um espetáculo de ostentação por um punhado de indivíduos que literalmente faturam dezenas de milhões de dólares a cada hora.
É, sobretudo, uma demonstração de que eles pouco se importam com outras prioridades, inclusive com a necessidade de enfrentarmos a pandemia, a fome, a desigualdade a emergência climática e ecológica, quando 4 milhões de pessoas morreram pela covid-19, 800 milhões de pessoas não têm o que comer e eventos extremos como ondas de calor letais, incêndios florestais e enchentes devastadoras assolam o mundo, por conta do aquecimento global. Importante dizer, aquecimento intrinsecamente ligado ao estilo de vida dos mais ricos (o 1% mais abastado da humanidade emite o dobro de CO2 dos 50% mais pobres, à guisa de exemplo).
No espaço, agora ocupado pelos bilionários, há um vazio de decência e vergonha na cara. O vácuo é ético e moral.
Perguntas e respostas sobre o básico das viagens espaciais
Antes de tudo, vamos começar relembrando aquela aula de ciências da 6ª série do 1º grau, que explicava que a atmosfera está dividida em camadas: troposfera, de 7 km a 15 km (onde os aviões comerciais circulam); estratosfera, de 15 km a 50 km (onde jatos circulam); mesosfera, de 50 km a 85 km (quando um detrito rochoso espacial chega até lá, acontece a combustão, então vimos as chamadas estrelas-cadentes); termosfera, de 85 km a 600 km (onde acontece a retenção de radiação solar); e exosfera, acima de 600 km (onde ficam os satélites artificiais).
Dito isto, vamos lá:
Os EUA consideram que o espaço começa a uma distância de 80 km da superfície da Terra. Uma das convenções mais aceitas, no entanto, é a da Federação Internacional de Aeronáutica (FAI), que define que o espaço fica acima da linha de kármán, a uma distância de 100 km acima do nível do mar.
O voo feito pelo avião de Branson chegou à mesosfera, enquanto o de Bezos alcançou a termosfera. Ambos os voos foram suborbitais, ou seja, fizeram uma “trajetória de bala” com retorno direto à Terra. Já o voo da SpaceX, de Musk, foi orbital, o que quer dizer que a nave tinha a capacidade de circular a Terra.
A Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos sugeriu que os pilotos e tripulação dessas naves turísticas sejam oficialmente chamados de "astronautas comerciais", mas não estendeu a designação aos passageiros que compraram bilhetes para a viagem. A Nasa, no entanto, prefere chamá-los de "participante de voo espacial".
Segundo o site da Blue Origin, não. O treinamento para os voos feito pela empresa dura apenas um dia.
Fontes: Educa Mais Brasil / Fédération Aéronautique Internationale / Commercial Space Launch Amendments Act / AFP / Blueorigin.com
Se você curte ficção cíntífica e as aventuras espacias, a sétima arte tem um bom acervo. E o OP+ preparou uma listinha especial
Especial mostra como o turismo espacial pode se transformar na próxima tensão mundial de disputa de poder