Logo O POVO+
Bolsonaro versus Moro, a guerra dos (ex)aliados que divide a direita
Reportagem Seriada

Bolsonaro versus Moro, a guerra dos (ex)aliados que divide a direita

A demissão-denúncia que Moro colocou no colo de Bolsonaro acendeu uma crise política que se desdobra a cada dia, com efeitos ainda a serem integralmente descobertos. Antes em perfeito acordo, militantes dos dois lados agora rivalizam pelo controle dos rumos desse roteiro, que O POVO traz agora, com expressivo reforço de narrativa audiovisual
Episódio 1

Bolsonaro versus Moro, a guerra dos (ex)aliados que divide a direita

A demissão-denúncia que Moro colocou no colo de Bolsonaro acendeu uma crise política que se desdobra a cada dia, com efeitos ainda a serem integralmente descobertos. Antes em perfeito acordo, militantes dos dois lados agora rivalizam pelo controle dos rumos desse roteiro, que O POVO traz agora, com expressivo reforço de narrativa audiovisual
Episódio 1
Tipo Notícia Por

2 de maio de 2020. O relógio ultrapassa 13 horas e o entorno do prédio da superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba, por 580 dias habituado ao vermelho do acampamento de petistas à espera do reencontro com o líder máximo, está agora ocupado pelas cores da bandeira nacional. O carro com o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, o depoente Sergio Moro, se aproxima, mas não cruza a entrada principal.

Tivesse passado ali, o ex-juiz da operação anticorrupção Lava Jato teria sido olhos e ouvidos a acompanhar o próprio nome gritado por apoiadores, numa guerra de volume contra os mais novos adversários também ali presentes, os militantes defensores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Verde-amarelos, mas antagônicos, os dois grupos vociferavam algo como “mito”, “Moro”, “Bolsonaro”, “lixo comunista”, “traidor”. Os simpáticos do paranaense estampavam faixa com as imagens dele ao lado do coordenador da força-tarefa da Lava Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol.

“Eu apoio a Lava Jato”, exclamava uma das mensagens. Já os admiradores do capitão reservista reforçavam fidelidade ao mandatário enquanto, aglomerados, buscavam se proteger minimamente da pandemia do novo coronavírus com máscaras faciais que gritavam “Todos com Bolsonaro”.

O inquérito que apura eventual ingerência do presidente sobre a Polícia Federal ou denunciação caluniosa de Moro corre ao ritmo em que a rivalidade entre os grupos à direita se aprofunda. É como se o cenário na entrada da sede da PF fosse a síntese de uma cisão que começou no Palácio do Planalto, com permeação natural e previsível entre as pessoas.

Rusgas no campo conservador

Todos os personagens ouvidos pelo O POVO trazem, de algum modo e em certa medida, rusgas recentemente experimentadas depois de os fatos terem obrigado os membros do campo conservador a escolher um lado.

“Eu estou sendo cancelado pela ‘direita raiz’”, relata em tom jocoso Matheus Linard, 28 anos, coordenador estadual do Movimento Brasil Livre (MBL).

Antes de tudo isso, ele foi às ruas pela deposição da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e integrou a Juventude do PSDB junto com Pedro Hitalo, 24, que aderiu a Bolsonaro e assim permanece depois de instalada a mais recente crise política.

"A grande verdade é que eu nunca acreditei piamente no Bolsonaro" Matheus Linard, morista

Linard fez diferente. Acompanhou o movimento do grupo liderado pelo deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) e virou as costas para o presidente. Ele alega que entre o rapaz que digitou 17 na urna dois anos antes ao membro do grupo que hoje pede o impeachment do presidente tudo permanece igual. O presidente é que mudou, opina Linard, sobretudo no que se refere à agenda anticorrupção.

“A grande verdade é que eu nunca acreditei piamente no Bolsonaro. Acontece que em 2018 nós tínhamos dois projetos de País. A gente tinha um projeto de País que já tinha ficado treze anos no poder e onde prosperou o maior esquema de corrupção da história de todos os países democráticos”, ele diz.

Hitalo sugere que os que ficaram ao lado do ex-ministro o fizeram por pressa, já que, horas após a coletiva incendiária do dia 24 de abril, na qual Moro anunciou demissão e denunciou que o presidente trabalhava para interferir politicamente na PF, o capitão reformado apagou o fogo com um pronunciamento elucidativo.

“A cada dia que passa (Bolsonaro) vem se fortalecendo em cima de uma linha de coerência e da realidade dos fatos”, avalia o jovem. “Só em não ter sido comprovadas aquelas coisas que o Sergio Moro expôs, já é motivo para a gente ter nosso apoio em prol do Bolsonaro fortalecido.”

"Agora, ainda mais Bolsonaro... não mentiu até hoje e tem cumprido à risca tudo o que prometeu" Sandra Cordeiro, bolsonarista

Sandra Cordeiro liderou o movimento Endireita Fortaleza, responsável por diversas manifestações na Capital, mas hoje se ocupa com o Parlatório Livre, um canal de internet. Quando O POVO lhe consultou sobre quem acompanhou após a separação, ela respondeu assertiva:

“Agora, ainda mais Bolsonaro.” No que justificou: “Porque não mentiu até hoje e porque tem cumprido à risca tudo o que prometeu. Por outro lado, Moro mentiu, caluniou e ele se mostrou egocêntrico.”

Ativa nas redes sociais, ela publicou no último dia 12 que "mesmo com tanta turbulência, o presidente não cai. Porque confia em Deus, sustenta-se no infinito poder da fé.Seu exército é dos céus, na terra ele nada temerá."

Para ela, outro traço importante da atuação do militar é a agenda comportamental ou, nas palavras que usa, “a preservação dos valores culturais e morais que os conservadores prezam.”

Pedro Hitalo (camisa amarela) é bolsonarista e Fredy Menezes, moristas, antes aliados, agora em oposição (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Pedro Hitalo (camisa amarela) é bolsonarista e Fredy Menezes, moristas, antes aliados, agora em oposição

As divergências

Fredy Menezes discorda da “linha de coerência” apontada por Sandra e Hitalo. Ele e Linard apontam a composição com partidos do intitulado Centrão como um movimento flagrantemente na contramão da plataforma anticorrupção que alavancou Bolsonaro durante a campanha contra um Fernando Haddad que, sempre que possível, ia à sede da PF de Curitiba ouvir conselhos do ex-presidente Lula, encarcerado e sem direitos políticos, mas defendido como candidato pelo PT até o limite do prazo imposto pelo calendário eleitoral.

Lavajatista, Linard acrescenta às críticas a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para Paulo Guedes (Economia) como uma das punhaladas dadas por Bolsonaro em seu ex-ministro. Fredy, saído das fileiras do Renova BR, grupo formador de novas lideranças na política, também admira o trabalho da operação Lava Jato.

Ele aparece no Facebook ao lado de Dallagnol para uma foto, com o livro dele em mãos. Na publicação, dirige elogios ao titular da operação que prendeu Lula e outros políticos de renome: “Mais importantes que as frases são a energia e a inspiração que Deltan passa onde quer que ele vá.” Na Praça Portugal, espaço comumente usado para expressões políticas à direita, ele era uma das vozes a entoar gritos contra a corrupção a partir de trios elétricos.

Num destes posts aparece ao lado do bolsonarista Hitalo. Era agosto de 2015. “Hoje, patriotas de todo Brasil foram às ruas dar mais um brado contra o PT e a corrupção. Aqui em Fortaleza foram mais de 50 mil pessoas! Parabéns a todos, nós dobramos a meta”, escreveu. Hoje preso, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB), anunciara rompimento com o governo Dilma mês antes do post de Menezes. A petista já assistia o próprio declínio.

Atualmente, Menezes se ressente de comentários hostis que tem recebido a cada nova publicação incompatível com as expectativas bolsonaristas. “Como algumas pessoas que considerava amigas e se distanciaram de mim porque eram petistas ferrenhas, ou porque acharam que o Bolsonaro era o cão na terra, e quando eu me posicionei contra o PT no segundo turno, entenderam isso como um crime capital, não esperava que essas pessoas apoiadoras do Bolsonaro tomassem atitudes similares.”

Num exercício de projeção do desfecho do inquérito que decidirá destino do presidente no cargo, Sandra acredita que nada irá acontecer em desfavor do capitão. “Até agora, nenhum inquérito que está em curso foi capaz de comprovar interferência do presidente na Polícia Federal. Não tem como essa caso ir adiante”, concorda Hitalo.

Linard contrasta: "Quando essas provas do Moro forem devidamente investigadas e homologadas, a situação do presidente ficará bastante difícil. A gente caminha para ter um governo zumbi, como o governo da Dilma foi em 2016: a única agenda dela era escapar do impeachment."

O que você achou desse conteúdo?

Bolsonaro versus Moro, a guerra dos (ex)aliados que divide a direita

Antes em perfeito acordo, militantes bolsonaristas e moristas agora rivalizam pelo controle dos rumos da narrativa