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Sessenta anos depois, promotor recorda processo contra o nazista Eichmann
Reportagem Seriada

Sessenta anos depois, promotor recorda processo contra o nazista Eichmann

Em abril de 1961, o procurador-geral Gideon Hausner comandou os procedimentos legais contra Eichmann, julgado em Jerusalém por seu papel no Holocausto. Mas foi o jovem procurador Gabriel Bach que, durante meses, dirigiu a investigação preliminar, liderando uma equipe de 40 policiais em uma prisão do norte de Israel, onde Eichmann ficou detido
Episódio 11

Sessenta anos depois, promotor recorda processo contra o nazista Eichmann

Em abril de 1961, o procurador-geral Gideon Hausner comandou os procedimentos legais contra Eichmann, julgado em Jerusalém por seu papel no Holocausto. Mas foi o jovem procurador Gabriel Bach que, durante meses, dirigiu a investigação preliminar, liderando uma equipe de 40 policiais em uma prisão do norte de Israel, onde Eichmann ficou detido
Episódio 11
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Poucos dias depois da espetacular captura na Argentina do nazista Adolf Eichmann, uma ligação mudou a vida de Gabriel Bach, quando ele recebeu a missão de comandar a investigação para o julgamento em Israel de um dos arquitetos da "solução final".

Bach era assistente da Promotoria quando o ex-tenente-coronel das SS Adolf Eichmann foi sequestrado em 11 de maio de 1960 por agentes do Mossad perto de Buenos Aires, e depois drogado e transportado para Israel em um voo da companhia El Al.

A captura de Eichmann, anunciada 12 dias depois pelo primeiro-ministro Ben Gurion, teve o efeito de um terremoto em Israel e no exterior. Aos 33 anos, Bach foi convocado pelo ministro da Justiça, Pinhas Rosen.
"El disse: 'Senhor Bach, imagino que será um dos promotores do caso, mas tenho um pedido especial para você: Pode ficar responsável pela investigação de Eichmann?'", recorda o aposentado, de 93 anos, que mora em Jerusalém, atualmente em confinamento devido à pandemia do novo coronavírus.

Um postal de Auschwitz

Em abril de 1961, o procurador-geral Gideon Hausner comandou os procedimentos legais contra Eichmann, julgado por seu papel no Holocausto, o extermínio de judeus pela Alemanha nazista, durante o julgamento em Jerusalém diante das câmeras de todo o mundo e de enviados especiais famosos, como Joseph Kessel e Hannah Arendt.

Mas foi Bach que, durante meses, dirigiu a investigação preliminar, liderando uma equipe de 40 policiais em uma prisão do norte de Israel, onde Eichmann ficou detido.

Seis décadas depois, Bach não esqueceu de nada: "Não passa um dia sem que eu recorde um elemento em particular, uma prova ou um momento específico no julgamento de Eichmann", comenta.

Julgamento de Eichmman nos tribunais israelenses(Foto: Israeli GPO photographer / Public domain)
Foto: Israeli GPO photographer / Public domain Julgamento de Eichmman nos tribunais israelenses

Antes de conhecer o nazista, várias histórias de suas vítimas marcaram o promotor, como a forma como Eichmann obrigava os prisioneiros dos campos de extermínio a escrever postais a seus parentes para exaltar a "beleza" de Auschwitz. Desta maneira, o criminoso pensava que mais judeus embarcariam nos trens que os transportavam para sua própria morte.

Em seu primeiro encontro com Eichmann, Bach informou que estava coordenando a investigação. "Eu disse a ele que, se tivesse um problema específico, físico ou de outro tipo, ou relacionado a sua família, eu estaria disposto a conversar com ele", disse. Mas depois restringiu o contato direto, para assegurar que não divulgaria elementos da investigação.

Bach recorda um raro momento em que Eichmann perdeu a paciência, por um motivo inesperado. O acusado foi levado ao tribunal para ver imagens dos campos de extermínio. Durante a projeção, Eichmann parecia agitado e Bach depois perguntou o que o incomodava.

"Apesar da promessa de que sempre me levariam ao tribunal com um terno azul, me deram um terno cinza", respondeu Eichmann, segundo Bach.

Missão cumprida

Um visitante passa por um retrato do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann (C) durante seu julgamento em Jerusalém, em uma exposição sobre a filósofa germano-americana Hannah Arendt, chamada Hannah Arendt e o século XX no Museu Histórico Alemão (Deutsches Historisches Museum - DHM) em Berlim, em 6 de maio de 2020. A exposição tem como objetivo traçar as observações de Arendt sobre a história contemporânea sobre, entre outros temas, totalitarismo, anti-semitismo, situação dos refugiados e Julgamento de Eichmann em Jerusalém(Foto: JOHN MACDOUGALL / AFP)
Foto: JOHN MACDOUGALL / AFP Um visitante passa por um retrato do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann (C) durante seu julgamento em Jerusalém, em uma exposição sobre a filósofa germano-americana Hannah Arendt, chamada Hannah Arendt e o século XX no Museu Histórico Alemão (Deutsches Historisches Museum - DHM) em Berlim, em 6 de maio de 2020. A exposição tem como objetivo traçar as observações de Arendt sobre a história contemporânea sobre, entre outros temas, totalitarismo, anti-semitismo, situação dos refugiados e Julgamento de Eichmann em Jerusalém

Eichmann não foi o primeiro contato de Bach com os nazistas. Quando era criança, ele morou em Berlim e frequentou uma escola próxima de praça que na época se chamava Adolf Hitler.

Diante do aumento do antissemitismo, sua família abandonou Berlim em 1938, duas semanas antes da "Noite dos Cristais", em 9 de novembro, durante a qual foram incendiadas sinagogas e dezenas de judeus foram assassinados na Alemanha.

Na estação de Berlim, correndo para entrar no trem com destino à Holanda, Bach ainda recorda de um chute que recebeu de um oficial nazista na plataforma de embarque. "Literalmente me expulsaram aos chutes da Alemanha", conta.

Depois de passar pela Holanda, a família seguiu para a Palestina. Em 1948, uma parte da Palestina, sob mandato britânico, se tornou Israel.

No mesmo período, Eichmann obteve autorização para viajar à Argentina, onde chegou em agosto de 1950 e trabalhou em uma empresa de construção. Mais tarde atuou como capataz nas fábricas Mercedes-Benz com uma identidade falsa.

Em 15 de dezembro de 1961 a sentença foi anunciada: morte por enforcamento. Eichmann apresentou uma apelação, mas o recurso foi rejeitado. A única esperança que restava era a clemência do presidente Itzhak Ben-Zvi.

No fim de maio 1962, os promotores souberam que o presidente estava a ponto de toma uma decisão. Surgiu então uma nova pergunta que dividiu os magistrados: quando executar Eichmann em caso de confirmação da sentença?

Alguns afirmaram que a pressa não era necessária, recorda Bach, que não concordava: o jovem promotor temia que um simpatizante nazista no exterior sequestrasse uma criança judia e ameaçasse matar o refém em uma tentativa de cancelar a possível execução.

Se o pedido de clemência "for rejeitado às 23H00, devemos executar (Eichmann) à meia-noite", argumentou. E foi isto que aconteceu na noite de 31 de maio.

"A polícia me convidou, mas eu não queria estar ali (na execução). Nosso trabalho já estava feito", disse.

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