Ou seja, mesmo com o amplo rol de ações alvo da fiscalização do ICMBio – desde desmatamento até obras ilegais em áreas verdes, por exemplo –, quase 90% de todas as multas feitas em 2019 pelo do órgão no Ceará foram por trânsito irregular em Jericoacoara. Quase todas foram registradas em julho, quando ocorreram 24 dessas autuações.
Velhos conhecidos das equipes de fiscalização, os viveiros ilegais de carcinicultura – criação em grande escala de camarão – eram flagrados e destruídos todos os anos no Estado, gerando 20 embargos e multas de expressivo valor entre 2011 e 2018. Nos oito primeiros meses deste ano, no entanto, o número de ações de combate a todos estes tipos de práticas foram a zero.
Além das multas de trânsito em Jericoacoara, foram coibidos pelo órgão neste ano uma “lesão a árvore” no Parque Nacional de Ubajara e uma criação de gado irregular na praia do Batoque, em Aquiraz. Completam a lista de multas do ICMBio em 2019 a apreensão de uma espingarda de caça e a autuação de uma pessoa por uso de fogos de artifício sem autorização em Jericoacoara. Todas as multas aplicadas foram de baixo valor, em torno de R$ 1 mil.
Três meses sem nenhuma infração
O levantamento tem base em pedido de informação feito pelo O POVO ao Ministério do Meio Ambiente, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). Entre março e maio deste ano, também foi registrado um total de zero infração, fenômeno que não é observado em nenhum outro período de todos os dados da fiscalização ambiental do Estado, desde 2009 até hoje.
Especialistas denunciam esvaziamento do ICMBio
“Parou totalmente o desmatamento? Zerou a contaminação da água pela carcinicultura ilegal? Zerou a degradação de áreas pela mineração? É óbvio que não. O que o que está acontecendo é um desmonte estrutural de órgãos de fiscalização ambiental, como o ICMBio”, denuncia o geógrafo Jeovah Meireles, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Para o pesquisador, a mudança de postura tem relação com a mentalidade da gestão Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente, mais leniente com o avanço de atividades econômicas sobre áreas protegidas. “É uma lógica orientada para ampliar e aprofundar a degradação dos sistemas ambientais, de olho no avanço das madeireiras, do agronegócio, da especulação imobiliária”.
Para a bióloga Francisca Soares de Araújo, professora da UFC e coordenadora de um projeto no Parque Nacional de Ubajara, é visível o processo de “sucateamento” fiscalização ambiental no Estado. “Não é culpa dos profissionais, que são muito qualificados, mas há déficit de pessoal, de infraestrutura, de equipamentos. Os funcionários estão se aposentando e não são repostos, os carros quebrando, os terceirizados que ajudavam estão sendo dispensados”, diz.
“Você há de convir que a humanidade, o povo cearense, não criou consciência de uma hora para outra e não está fazendo nada mais de errado. O que não está existindo mais é fiscalização”, corrobora o biólogo Álamo Saraiva, coordenador do laboratório de paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca). “O que eu já vi neste ano de mineração em leito de rio, em encosta, em área de inclinação irregular.. e isso está entregue a ninguém”, denuncia.
Ministério silencia diante das críticas
Há mais de duas semanas, O POVO tenta ouvir o Ministério do Meio Ambiente sobre a mudança nos indicadores da fiscalização ambiental. Foi questionado à pasta, entre outros pontos, inclusive se a redução poderia ser atribuída a uma redução da fiscalização dos órgãos de controle. Mais de cinco contatos, o primeiro deles por email no último dia 17 de setembro, foram feitos ao longo deste tempo. Dois dias depois, a reportagem enviou outro email para o MMA.
Até agora, no entanto, não houve qualquer resposta do MMA sobre o caso. Procurados diretamente, fiscais e coordenadores de áreas do ICMBio se recusaram a falar com a reportagem. "Olha, eu adoraria falar sobre isso, mas há uma orientação direta de que toda entrevista seja feita através de Brasília, pelo Ministério", disse uma das fontes.
Criado em 2007 durante a gestão de Marina Silva (Rede) no Ministério do Meio Ambiente, o ICMBio é uma autarquia vinculada ao MMA. Diferente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), mais focado na conservação do patrimônio natural e nos recursos naturais de forma geral, o ICMBio é responsável por monitorar especificamente as unidades de conservação federais, como parques nacionais e florestas nacionais.
Atualmente, existem nove unidades do tipo no Ceará, sendo as duas maiores os Parques Nacionais de Ubajara e Jericoacoara. Outras áreas relevantes são as Áreas de Proteção Ambiental (APA) do Delta da Parnaíba, da Serra da Ibiapaba, da Chapada do Araripe e da Serra da Meruoca.
Confira as autuações feitas pelo ICMBio nos anos de 2017 a 2019, sempre entre janeiro e setembro:
Entenda o que mudou na fiscalização de crimes ambientais no Ceará: