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10% dos prefeitos eleitos no Ceará foram afastados ou cassados
Reportagem Especial

10% dos prefeitos eleitos no Ceará foram afastados ou cassados

Contra os gestores pesam denúncias que vão de compra de votos a estupro. O POVO Online conta a história da cidade que teve dois prefeitos afastados em três anos. Procuradores comentam sobre como fazem os cercos para encontrar irregularidades e como atuam para prevenir novas fraudes. Desde 2017, 23 prefeitos foram afastados e 19 permanecem fora do cargo

10% dos prefeitos eleitos no Ceará foram afastados ou cassados

Contra os gestores pesam denúncias que vão de compra de votos a estupro. O POVO Online conta a história da cidade que teve dois prefeitos afastados em três anos. Procuradores comentam sobre como fazem os cercos para encontrar irregularidades e como atuam para prevenir novas fraudes. Desde 2017, 23 prefeitos foram afastados e 19 permanecem fora do cargo
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Seja de forma temporária ou definitiva, 23 prefeitos das 184 cidades cearenses tiveram de deixar o cargo desde 1º de janeiro de 2017, quando começou o atual mandato nos municípios brasileiros. Contra tais gestores pesam suspeitas como irregularidade na campanha, fraude na administração pública, homicídio e até estupro. Em média, é como se um chefe municipal deixasse a gestão a cada um mês e meio no Estado.

Não à toa, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) deverá ter realizado novas eleições – as chamadas eleições suplementares – em até sete municípios do Estado até o fim deste ano. São os casos daquelas denúncias julgadas como procedentes na Justiça Eleitoral e onde não cabem mais recursos.

Dos 23 gestores afastados, nove permanecem atualmente longe do cargo, mas sem qualquer condenação, dois renunciaram diante das acusações e sete foram cassados. Quatro prefeitos retornaram às respectivas prefeituras. Completa a lista o prefeito de Uruburetama, José Hilson de Paiva, preso desde o último dia 19 de julho. Ele, que também é médico, é acusado de estuprar pacientes da própria clínica ginecológica. À época que as denúncias vieram à tona, os vereadores da cidade resolveram tirar o político do cargo.

Desse modo, são 19 os prefeitos que foram afastados desde 2017 no Ceará e permanecem fora dos cargos. O número é superior a 10% dos gestores dos 184 municípios do Estado.

Para a contagem de quantos deixaram a administração das prefeituras, O POVO Online nem inclui casos de grande repercussão, mas em que o político não chegou a ser afastado da gestão. Em Santana do Acaraú, por exemplo, o prefeito Raimundo Macêdo Arcando (MDB) foi acusado de matar um desafeto. À época, ele se licenciou da prefeitura para tratar de “assuntos particulares”, conseguiu fugir durante seis dias das forças policiais, foi detido, liberado e retornou ao comando do Executivo da cidade dois meses depois da licença.

UMA CIDADE E DOIS PREFEITOS EM SEIS MESES

Já em Beberibe, não apenas um, mas dois prefeitos foram afastados nos últimos três anos – e um deles foi alvo de duas ordens para deixar as funções. Eleito em 2016, Padre Pedro da Cunha (PSD) se afastou da Prefeitura temporariamente por decisão dos vereadores em 10 de dezembro do ano passado. Os parlamentares pretendiam investigar denúncias de desmandos administrativos e dívidas da gestão com servidores.

Oito dias depois, o agora prefeito afastado foi alvo da operação Cartas Marcadas, coordenada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE). Os promotores tinha em mãos uma mandado judicial também determinando o afastamento de Cunha. Neste caso, ele era investigado por fraude em diversas licitações municipais.

Tharsio Facó (PPS), vice-prefeito de Beberibe, assumiu interinamente, mas não por muito tempo. Em 14 de maio deste ano, foi a vez dele ser tirado da Prefeitura temporariamente pelos vereadores, que apuravam falhas na administração, incluindo o não fornecimento de merenda escolar e transporte para alunos. Facó já reassumiu a Prefeitura após o episódio e hoje exerce o cargo, já que Cunha segue afastado.

CERCO CONTRA FRAUDES

Operações do MPCE como a que ocorreu em Beberibe foram deflagradas pelo menos nove vezes nos últimos três anos pelo órgão no Ceará, todas lideradas ou com apoio da Procuradoria da Justiça dos Crimes contra a Administração Pública (Procap). O órgão, um braço do MPCE, desenvolve atividades de prevenção e repressão dos crimes contra a administração pública.

Coordenadora da Procap, a procuradora de Justiça Vanja Fontenele aponta que os casos mais comuns de irregularidade são fraudes em licitações – a informação é confirmada pelo levantamento realizado pelo O POVO Online.

Em menor frequência, ela lista ainda descumprimento do limite de gasto com pessoal e esquemas de servidores fantasmas. “Quando o erário é sangrado, isso recai na população das formas mais comuns. É só andar nos municípios do Brasil, você não encontra serviço de saúde, educação, transporte e tratamento de esgoto funcionando a contento”, aponta.

“GATO E RATO”

O promotor de Justiça Breno Rangel indica que há um aperfeiçoamento dos fraudadores nos últimos anos, principalmente em reação ao aumento da transparência exigida por órgãos de fiscalização das contas públicas. Ele cita como exemplo o caso mais comum, as irregularidades em contratos licitatórios. “Há uns cinco anos, íamos nas comissões de licitações e encontrávamos licitações formalmente erradas, as datas não batiam, não fazia sentido”, explica.

Segundo Rangel, as irregularidades flagradas atualmente são mais encobertas. “Hoje, (as licitações) são formalmente corretas, então precisamos analisar o conluio anterior, o que nem sempre é fácil. Se você já não souber (que existirá fraude), não tem como provar. Sabe que a fraude ocorreu, mas não tem como provar porque foi antes. Não tem como pedir interceptação ou quebra de sigilo, por exemplo”, afirma.

Um conchavo comum aos fraudadores é a realização de pregão presencial. Nesses encontros públicos, os representantes das empresas podem realizar propostas verbais na tentativa de serem selecionados para prestar determinado serviço a uma prefeitura.

Contudo, nos esquemas revelados até hoje, os envolvidos com a corrupção criam um revezamento entre as empresas, formando uma espécie de cartel. Além de Rangel e da procuradora, compõem ainda a Procap os promotores de Justiça Emmanuel Girão, Guilherme de Lima, Deolinda Costa e Fábio Manzano.

BRECHAS PARA FRAUDES

O levantamento realizado pelo O POVO Online identifica também casos envolvendo outro tipo de esquema, como o que é suspeito o prefeito afastado de Bela Cruz, Eliésio Rocha Adriano (PTB). Conhecido como Cacimbão, ele teria se amparado em decreto de emergência para realizar contratações fraudulentas de empresas para coleta de resíduos no Município. Segundo os promotores, casos como o dele – assim como os chamados desmontes em Prefeituras – são comuns em períodos de transição entre de gestões municipais.

Os decretos emergenciais devem ser editados em situação de calamidade pública, quando é necessário urgente atendimento à população em um cenário que pode comprometer a segurança e os serviços prestados à sociedade. Quando em vigor, esse recurso autoriza às prefeituras a realização de contratos com dispensa de licitação. Assim, políticos aproveitam para escolher empresas atendendo a interesses pessoais.

“Eles baixam o decreto, contratam sem licitação, mas, quando se verifica, não tem emergência. Às vezes, contratam a mesma empresa que fazia a coleta de lixo e dizem que tinha caos na coleta. É a mesma empresa, com a mesma quantidade de pessoas e máquinas”, relata Rangel.

31 DE DEZEMBRO

Contudo, o promotores ponderam que a legislação vigente cria brechas para facilitar esse tipo de prática. Uma das críticas da Procap é quando ao encerramento dos contratos licitatórios no último dia de gestão municipal. Conforme os promotores, a nova gestão encontram os municípios, via de regra, sem contratos vigentes.

Diante desse cenário, com o argumento de o município não colapsar, os decretos de emergência acabam sendo usados pelos gestores. Para a Procap, uma solução possível seria que os contratos tivessem previsão para serem aditivados por mais algumas semanas ou meses, caso fosse de interesse do novo prefeito.

Outro ponto atacado pelos promotores é a falta de uma legislação obrigando que o gestor em exercício e o prefeito eleito passem por período de transição após as eleições. “Feita a transição, o prefeito que tivesse assumindo não teria como dizer que não sabia da situação do município”, considera Rangel.

2ª CHANCE

De acordo com a procuradora Vanja Fontenele, quando as ilegalidades são identificadas pelo MPCE, o prefeito é notificado para que reverta o decreto. As investigações só ganham segmento nos casos em que o gestores se recusam a ouvir as recomendações dos promotores. Em 2017, a Procap realizou 49 operações de fiscalização em prefeituras que baixaram decretos de emergência. No ano anterior, o órgão realizou 39 investidas contra ações de desmontes em municípios.

LEIA TAMBÉM | MPCE fez 39 operações contra desmontes em prefeituras desde 2016 no Ceará

“Algumas prefeituras nem sequer tem tombo, registro patrimonial, as coisas somem. Às vezes, quando uma gestão vai passar para a outra, chegam a formatar até os computadores. A equipe que entra chega no escuro”, afirma Breno Rangel.

Para combater tais práticas, a Procap faz parcerias com outros órgãos de fiscalização e controle fiscal. Com o Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE), criam uma “matriz de risco”, onde são listadas prefeituras com maior risco de desmonte.

“Fazemos ‘fotografia’ do município. Pegamos as contas, o patrimônio, o endividamento, os pagamentos etc. No ano seguinte, vamos a esses municípios e refazemos essa ‘fotografia’ e comparamos para avaliar se os decretos fazem sentido e se existiu desmonte”, aponta. Na escala de "risco", é levado em conta o histórico do município e do gestor, além da situação do grupo político (se foi ou não derrotado nas eleições).

Igor Cavalcante

LISTA DE PREFEITOS AFASTADOS NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS

 


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