Indicado pela Ditadura Militar para liderar o Executivo Municipal de Fortaleza, o ex-prefeito José Walter Barbosa Cavalcante não quer mais saber de política aos 92 anos. O engenheiro civil, natural de Capistrano, hoje vive recluso em seu apartamento bem localizado na área nobre de Fortaleza. A idade avançada não apagou da memória do ex-prefeito as lembranças da gestão, entre os anos 1967 e 1971, mas agora José Walter prefere investir o tempo no sossego do seu terraço. Enquanto aprecia a vista para a avenida Beira Mar, ele relembra o passado da Cidade e conta da rotina despreocupada.
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Entre os feitos dos quais José Walter mais se orgulha está o bairro que leva seu nome, que chega aos 50 anos em 2020 e foi considerado o maior conjunto habitacional da América Latina à época. Entretanto, ele afasta qualquer sombra de vaidade e garante que a escolha do nome do bairro não foi sua. Com o passo apressado, apoiado na bengala, o ex-prefeito faz questão de apresentar ao O POVO o local onde mora. Enquanto exibe satisfeito os retratos da família e os itens decorativos que coleciona das viagens pelo Brasil e mundo afora, ele assegura que a possibilidade de deixar a Cidade nunca o seduziu: "Meu lugar é aqui".
O POVO - Como o senhor recebeu o convite para se tornar prefeito de Fortaleza?
José Walter Barbosa Cavalcante - Eu tinha deixado o cargo de diretor da Estrada de Ferro Fortaleza -Baturité porque não estava me dando bem com o diretor colocado lá, um general da reserva que não sabia nem o que era engenharia. Fui chamado pelo general Afonso Augusto de Albuquerque Lima. Ele assumiu o Ministério do Interior e me convidou para ser prefeito de Fortaleza. Me convidou não, me mandou porque ele quem mandava em mim! Ele era um homem muito inteligente e bacana. Depois de quatro anos na Prefeitura, eu não quis mais saber de cargo público nenhum. Também já não precisava mais saber. Eu fui professor catedrático na escola de engenharia civil.
OP - Como é a sua rotina hoje?
José Walter - Depois que eu acordo, geralmente fico por aqui no terraço, vou ler minhas revistas. Eu gosto de ficar aqui olhando para o mar. Eu adoro ver o mar. Agora estou lendo um livro do grande Marechal Rondon, que descobriu o Brasil pela segunda vez. Eu acompanho as notícias, mas não gosto de política não, gosto mais de acompanhar o esporte. Sou Ferroviário. Eu sou muito feliz com a minha vida assim. Acho que não fiz mal a ninguém, ajudei a quem podia. Minha esposa faleceu e eu tenho quatro filhas. O único filho homem que eu tinha nasceu e morreu com 1 mês e 14 dias de cardiopatia congênita.
OP - O que o senhor considera como mais marcante durante a sua gestão na Prefeitura?
José Walter - Vou dizer o que eu fiz que eu acho que foi importante. Por exemplo, fiz o Ginásio Paulo Sarasate, que só tinha nome no jornal. Fiz também cerca de 200 quilômetros da avenida Perimetral, tudo asfaltado. Fortaleza não tinha um quilômetro de asfalto. Era uma cidade abandonada. Você imagina chegar em Fortaleza não tendo nada? Quando eu fui prefeito, a cidade tinha mil lâmpadas. Mas hoje a Cidade mudou muito e eu tenho muita satisfação em olhar para essa avenida Beira Mar.
OP - Como surgiu a ideia de construir o conjunto Prefeito José Walter?
José Walter - Eu não coloquei esse nome no bairro. O nome inicial era Núcleo Habitacional Integrado de Mondubim. Era pra ser um conjunto de habitação, só isso. Porque aqui no Ceará tinha a Companhia de Habitação (Cohab), mas não fazia uma casa. Quando o general Afonso Albuquerque foi ministro, ele me chamou e disse que eu estava na obrigação de fazer o máximo possível de casas populares no Ceará. Chamei o arquiteto e ele fez um projeto para 8 mil e tantas casas, mas não cabia no terreno. Eu mandei o projeto pronto, feito por mim e pelo arquiteto, com as 4.424 casas.Toda casa no José Walter tem uma área lateral e um fundo de quintal porque todo cearense gosta de criar galinha. As casas melhores são todas com laje de concreto. Eu costumava ir sempre por lá de manhã, achava muito bacana.
OP - Como foi pensado o nome do bairro?
José Walter - Nunca coloquei meu nome em uma placa, nem em nada de nada. Fui convidado para a Suécia para fazer uma reunião lá com diversas autoridades do Brasil e deixei no meu lugar o Francisco de Carvalho Martins, presidente da Cohab Ceará. Quando voltei, ele tinha colocado meu nome! Tentei tirar, mas não deu mais jeito porque estava em tudo que era jornal. Aí eu deixei. Foi uma homenagem que ele quis fazer a mim por ter sido meu aluno na escola de engenharia. Mas não gostei não.
OP - Por que o senhor se refere ao bairro com um carinho especial?
José Walter - Eu gosto do bairro porque eu o vi nascer. Sou muito feliz com o José Walter, gosto muito de lá. De vez em quando vou por lá, mas não me apresento. O pessoal lá é muito porreta, é muito bom! É interessante mesmo. Antigamente, quando eu tinha mais tempo e menos idade eu ia muito ao bairro e lá tem tudo. Eu gosto de passar sem ninguém saber que eu tô passando. Não gosto de aparecer não, gosto de estar aqui na minha casinha, fico aqui no meu terraço. Não saio muito não. Da última vez que andei por lá foi no ano passado. Muita coisa lá mudou para melhor. Eu nunca morei no José Walter, mas não teria problema em morar lá. Além do mais, o pessoal que mora no José Walter é muito ligado ao bairro, eles gostam muito de morar lá. Isso eu acho bacana.
OP - O bairro Prefeito José Walter completa 50 anos em 2020. O que senhor desejaria para o futuro do lugar?
José Walter - Eu queria que o bairro continuasse crescendo como está crescendo e que continuasse o carinho que os moradores têm uns pelos outros. Você quase não vê confusão pelo José Walter, quando você vê é pelos arredores. Pode prestar atenção.
OP - Aos 92 anos, o que o senhor considera como o maior aprendizado da vida?
José Walter - Acho que 92 anos é pouco. Eu quero viver mais, não quero morrer não. Matuto é bicho danado de morrer! (risos). A vida gosta de quem gosta dela, não é verdade? Não tenho arrependimentos não, nunca fiz mal a ninguém. Só fiz o bem.
Perfil
José Walter Barbosa Cavalcante nasceu em 16 de julho de 1927, em Capistrano, a 120 km de Fortaleza. Ocupou o cargo de diretor da Estrada de Ferro Fortaleza-Baturité. É engenheiro de profissão. Sua gestão à frente da Prefeitura foi criticada pela falta de preservação da memória da Cidade com a destruição da Coluna da Hora e do Abrigo Central, dois monumentos arquitetônicos históricos, localizados na Praça do Ferreira. Foi professor no curso de Engenharia Civil da Universidade Federal do Ceará (UFC). Elaborou, no final da gestão, o Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Fortaleza (Plandirf).