Logo O POVO+
O nome de cada um (3): robôs no encalço aos ancestrais
Foto de Ariadne Araújo
clique para exibir bio do colunista

Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

O nome de cada um (3): robôs no encalço aos ancestrais

Na terceira e última (por enquanto) crônica da série sobre os Araújo e a pesquisa genealógica da família, lá vou eu de mãos dadas com os algoritmos, que agora andam a escarafunchar parentes, no mundo todo. Tem "primo" distante saindo da toca, em todos os continentes. E isso graças aos avanços da ciência, que agora sabe ler as letrinhas da minha sequência genética
Tipo Crônica
Mapa de grupos genéticos da colunista (Foto: REPRODUÇÃO)
Foto: REPRODUÇÃO Mapa de grupos genéticos da colunista

.

Os caminhos pedregosos de uma pesquisa genealógica exigem desvios, atalhos, criatividades, pausas. Paciência de Jó. E, no meu caso, tecnologia. É assim que os galhos da árvore dos primeiros Araújo, que povoaram a região do rio Acaraú, Norte do Ceará, começam a cruzar com os meus tetravôs, pentavôs e escanchavôs. Inscrita em um sistema online americano, que usa inteligência artificial para cruzar descendências no mundo inteiro, recebo a conta-gotas alertas de machs. Isso significa que outras pessoas no Planeta tentam achar, ao mesmo tempo que eu, os cacos velhos da família. O computador avisa-nos de coincidências. É, depois, cavar o terreno. Desenterrar ossos. Uma delícia. 

Um destes links veio-me da Irlanda. Uma prima em terceiro grau, talvez. A moça quer montar a árvore genealógica da família para saber as origens, conhecer parentes e, principalmente, descobrir quem é o pai dela. Ao ligar estas pontas soltas, descobri que que há muitos casos assim. Crianças adotadas ou filhos de imigrantes, vivendo hoje em todas as partes do mundo, em busca de saber de onde vieram e em que família sanguínea se encaixam. O algoritmo, aliás, trouxe ainda uma surpresa. Sobre uma jovem, adotada na minha família, descobrimos que ela apenas voltou, oficialmente, para o nome a que sempre teve direito, Araújo. O cruzamento do código genético é categórico: sem dúvida, prima em terceiro ou quarto grau da mãe adotiva. 

Ponto da situação. Dou os meus pulos para entrançar o ramo paterno ou materno da família ao ramo do capitão Diogo Lopes de Araújo Costa, um todo poderoso que nasceu na ribeira do Acaraú, lá pelos idos do século 18, num lugar hoje chamado Acaraú. Era filho de um português, o capitão-mor José de Araújo Costa, tesoureiro do porto de Acaraú. Este português José, ao que se sabe, veio para as bandas do Ceará a tiracolo com dois irmãos, a chamado de um tio, para ajudar nas terras. Os três irmãos imigrantes deram-se bem, casaram-se bem, herdaram as terras e garantiram uma descendência que vai hoje até Sobral, Bela Cruz, Acaraú. É com Diogo Lopes de Araújo que se apostam fichas, na família. Terá sido ele que deu origem ao lado paterno e materno? 

Do lado judeu, novidades. Ao contrário do que parecia, a ligação não é com os serfaditas, originários de Portugal e Espanha, mas com os asquenazes, provenientes da Europa Central e Oriental. A confirmação veio com um teste genético, colhido na saliva. Faz você mesmo no conforto de casa. Depois, segue pelos correios, para os Estados Unidos. Assanhada pelas novidades tecnológicas, alguns membros da família lançaram-se também. Engraçado comparar as coincidências nos resultados entre irmãos, primos, sobrinhos. Principalmente porque os testes vão para o centro de análise sem nenhum dado do cliente. Dias depois, chega o mapa online. Nele, manchas de cores pintam países ou regiões do mundo. De intensidades mais para o forte ou mais para o clarinho, vão indicando lugares no Planeta por onde viajaram os genes dos andarilhos ancestrais.

Olhando o melting pot colorido dos mapas genéticos - os meus, os teus, os nossos, os deles - não posso deixar de pensar nessa maravilha da mistura que somos. No Brasil, descendência subsaariana e de populações autóctones do que hoje chamamos Américas, por exemplo, quem pensa que não tem se engana. Um cruzar de genes que vem de longe, no espaço e no tempo, e que vai continuar misturando ad infinito no caldeirão, a sopa das nossas ascendências com as nossas descendências. Por isso, o absurdo do racismo de uns para com outros, o sentimento de superioridade de uns sobre outros, a inutilidade dos muros reais e simbólicos levantados para deixar de fora uns e “proteger” outros. Mas, esse assunto fica para outro dia. Para uma crônica que vem crescendo no forno. 

Foi minha sogra quem me empurrou para a pesquisa genealógica. Na Bélgica, ela já chegou aos ancestrais no século 16. E tudo isso à maneira tradicional - pesquisa no duro. Com a árvore genealógica avançada, meu marido anda feliz pela descoberta do lado italiano dele. É um pouquinho “Piscaer”, prováveis pescadores italianos. O curioso é que o teste genético dele, feito a posteriori, bate certo com as pesquisas maternas. Mas, aviso aos interessados, as dificuldades para se avançar décadas e séculos atrás são enormes. Documentos antigos são difíceis de achar. E a memória dos mais velhos arrisca de desaparecer nas brumas do tempo. Tudo depende dos seus talentos para detetive. E de uma dose de sorte para conseguir, com ou sem robôs, pendurar cada vez mais nomes nos galhos secos e quebradiços do passado.

Foto do Ariadne Araújo

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?